O ano UM, de cada UM
Ninguém admire que os comentários sobre o governo LULA raramente se atenham às atividades da administração em curso, no recorte temporal necessário, mas busquem insistentemente compara-la às administrações anteriores. Tais comparações geralmente estabelecem prejuízos à imagem da atual gestão, e não apenas pelo confronto pela fantasia elitista do "presidente ilustrado", malicioso e cosmopolita, que FHC lutou para construir. A idéia é equivaler os mais de quinze anos do conservadorismo pós-ditadura ao curtíssimo período de transição empreendida pelo atual governo, de forma a neutralizar a importância das transformações que eventualmente realize. Mas as analogias estilhaçam quando ponderamos sobre o presente à luz de um distante 1995. O ano um de FHC foi marcado por desentendimento entre ministros (Adib Jatene, Pedro Malan, José Serra), ameaças a aliados ("a caneta que nomeia é a mesma que demite") e qüiproquós internos: o presidente do PSDB, Pimenta da Veiga, renunciou depois de brigar com Sergio Motta (março) e Pérsio Arida saiu da presidência do Banco Central por disputas com Malan (maio). Atribulações ocorreram também fora dos gabinetes: em Recife, manifestantes apedrejaram o ônibus que levava FHC, logo estouraria a greve nacional dos petroleiros e cerca de 300.000 servidores federais parariam contra as privatizações em andamento - oito estatais seriam vendidas só naquele ano. Os escândalos proliferaram. Parlamentares condenados pelo uso ilegal da gráfica do Senado foram anistiados. José Dallari, secretário de Acompanhamento Econômico, retirou-se sob acusações de vazar informações para clientes de sua consultoria. Henrique Hargreaves deixou a presidência da ECT por receber dinheiro do SEBRAE. Grampo telefônico, provavelmente ordenado por José Graziano (INCRA), flagrou o chefe do cerimonial do Planalto, Júlio César dos Santos, arquitetando a escolha da empresa que forneceria os equipamentos do projeto Sivam. O ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, citado nas conversas, pediu demissão. Divulgou-se o conteúdo da "pasta rosa", pertencente ao Banco Econômico, com listas de políticos beneficiados com doações ilegais, envolvendo ACM, José Sarney e Delfim Neto. Sob pressão do PFL, o governo abafou o caso e o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro arquivou-o. No campo das "realizações" iniciaram-se conchavos para as reformas da Previdência e Tributária, que FHC jamais conseguiria aprovar. A equipe econômica tentou reagir à crise do México com mudanças desastrosas na política cambial. A manutenção demagógica da inflação baixa resultou em juros estratosféricos (150 por cento maiores que os atuais) e na deterioração das contas públicas e da balança comercial. Foram extintos quase 100.000 postos de trabalho, embora o Proer, instituído em novembro, tivesse começado a distribuir dinheiro público para salvar banqueiros falidos. O início do governo Lula não deixou de apresentar conflitos, trapalhadas e contradições, supervalorizadas de acordo com as conveniências. Tampouco se sobressaiu na maioria dos requisitos fundamentais de seu programa de eleitoral, especialmente quanto ao desemprego e projetos sociais. Acautelou-se em demasia, levou a barganha um pouco além do desejável etc. Mas as diferenças entre os dois inícios de mandatos (e é só o que podemos avaliar) deixam claro que o petista, se quiser igualar FHC, ainda tem muita besteira a cometer.
Guilherme Sacalzilli é historiador e escritor.
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