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Contos-->I. Policial 203/85: Vítima: Marcela(5) -- 02/02/2014 - 12:56 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quinta e última parte das declarações dadas por Marcela Miranda, menor, 16 anos, vítima de sequestro, cárcere privado, tortura e violência sexual. Nesta 5ª parte, Marcela descreve alguns dos filmes que teve se assistir antes dos abusos, do estranho comportamento da prisioneira Ana Paula e da rotina enquanto esteve presa. As declarações foram dadas ao delegado Joaquim Habour, responsável pelo inquérito policial que apura o caso conhecido com “Os horrores na Casa do Alto do Morro”. Para ler as primeiras partes dessas declarações, clique em: PARTE 1 - PARTE 2 - PARTE 3 - PARTE 4

Eu te chamei aqui mais uma vez – e prometo que será última – para mais alguns esclarecimentos. Agora que consegui ler todos os depoimentos das outras vítimas, algumas dúvidas e contradições vieram à tona. E gostaria que você, por ser uma das mais velhas e a primeira a ser raptada, me ajudasse e esclarecê-los.
Tudo bem. Se você promete que essa será a última vez que tenho que ficar falando disso, vou fazer esse esforço.

Pois bem: Você poderia me dizer a ordem em que vocês foram sequestradas? O depoimento das meninas Ana Maria e Mariana contradizem os outros depoimentos. Você consegue se lembrar?
Consigo sim. A primeira fui eu, depois veio a Sandrinha, a Roberta, a Daiane... hum, quem foi mesmo depois? Ah, sim! Foi... a Mariana. A Ana Paula, aquela sem vergonha, veio depois. Por último foi a Ana Maria. As duas últimas foram quando eu já estava um tempão lá. Acho que uns seis ou sete meses depois.

Exato. Seis meses depois. Ana Paula foi sequestrada no dia quinze de julho e Ana Maria no dia vinte e seis de julho, portanto onze dias depois. Mariana havia informado que tinha sido sequestrada depois de Ana Paula e a menina Ana Maria disse a mesma coisa.
Não, elas se confundiram. Eu lembro muito bem de quando cada uma delas chegou lá. A gente, que já estava lá, ficava curiosas para saber por que ele tinha sequestrado mais uma. E quando ela acordava, a gente ficava desesperada para saber notícias de lá de fora. Coisas do tipo: se as pessoas sabiam do nosso sumiço, se a polícia estava procurando pela gente. Mas sempre vinha uma menina de uma cidade diferente e ela não sabia de nada.

Ele tinha o cuidado de não raptar meninas da mesma cidade. A única exceção foi o Rio de Janeiro. De lá, ele raptou além de você, a Roberta.
É eu sei. Mas ela morava de um lado da cidade e eu do outro. E o Rio de Janeiro é uma cidade muito grande, não tinha como a gente saber de uma da outra.

Vamos prosseguir. Mais uma dúvida. Quando vocês eram postas naquela cela, ele confiscava a roupa de vocês, exato?
Isso mesmo!

E vocês ficaram nuas o tempo todo em que permaneceram lá?
Ficamos.

Duas de vocês, Roberta e Daiana, afirmaram que ele permitia que vocês usassem calcinha durante 4 dias, durante o ciclo menstrual, uma vez que ele fornecia absorvente íntimo. Isso procede?
Ah, sim! É verdade. Quando a gente estava menstruada, ele dava uma calcinha e dois absorventes por dia para a gente usar.

Elas disseram também que vocês eram violentadas durante esse período, mais precisamente no segundo dia?
Era sim. No começo, ninguém notou isso, mas depois de uns dois ou três meses Roberta percebeu e comentou com a gente. Aí ficamos prestando atenção e era isso mesmo que acontecia. Depois, a gente já sabia. Ele ia abusar da gente no segundo dia, mesmo que tivesse abusado um ou dois dias antes. Já que não abusava com tanta frequência da gente

E por que ele abusava de vocês nessas condições? Você tem alguma ideia?
A gente também chegou a discutir isso algum tempo depois que descobrimos. Tanto eu quanto a Roberta tínhamos a mesma opinião: Ele gostava de se sujar de sangue. Por isso, quando ia abusar da gente, não permitia que a gente se lavasse antes. E ele sentia prazer em sair da gente com o troço dele vermelho. Acho que assim ele imaginava que estava tirando a virgindade da gente, porque quando tirou ele reagiu da mesma forma: ficava feliz em ver o sangue no troço dele. Quer dizer: não sei. Pode ser que seja isso.

Foi o que a Roberta disse. A jovem Daiane também disse algo parecido. Numa das vezes em que você esteve aqui, você disse que era violentada pelo Juarez.
Fui sim.

Isso é de extrema importância. Não te perguntei isso antes porque queria ver o que as outras meninas tinham a dizer. Elas confirmaram. Disseram que uma vez por semana você era retirada da cela e levada para um quartinho fora da casa e violentada, isso procede?
Era sim. Aquele homem vinha me buscar pessoalmente. Ele me algemava e me levava com ele. Na primeira vez, eu estranhei quando ele me levou lá para cima e para fora da casa. Nenhuma de nós nunca tinha ido. Só a Ana Paula. Ai ele me fez entrar naquele quarto e trancou a porta. Quando ele começou a tirar a roupa, eu vi que ele ia abusar de mim. E foi o que fez.

Você poderia explicar um pouco mais?
Eu comecei a chorar quando ele foi tirando a roupa. Ele disse que lamentava muito, mas tinha que fazer aquilo. Aí desamarrou uma das minhas mãos e prendeu a algema na cama pra que eu não pudesse escapar. Ele esperou eu parar de chorar. E até me acalmou, dizendo que não ia me machucar. Aí ele pegou uma camisinha e pôs em volta do troço dele. Aí deitou em cima de mim, abriu minhas pernas e fez aquilo.

Ele não agiu com violência como o dr. Mathias costumava fazer?
Não. Até perguntava se estava me machucando. Dizia várias vezes que não queria me machucar. E fazia quase sempre do mesmo jeito. Deitava em cima de mim e me possuía, às vezes me beijando, às vezes chupando os meus peitos.

Ele usava camisinha toda vez?
Usava. Dizia que não tinha permissão de fazer sem.

E depois que ele terminava?
Ele levantava, se vestia, me dava um pouco de papel higiênico para eu me limpar e me trazia de volta para a cela.

Isso confirma as informações não só do depoimento das outras meninas como as anotações encontradas num caderno, no escritório do Dr. Mathias. Ele permitia que uma de vocês servisse de escrava sexual do Juarez. Isso fazia parte do acordo entre eles. Foi uma das formas que o Dr. Mathias encontrou para manter a fidelidade de Juarez e da Marineide. Ela também tinha a permissão de levar um dos garotos, no caso o Rafael, para o seu leito. O fato de vocês serem bem tratados também fazia parte do acordo, só o dr. Mathias e mais ninguém podia usar da brutalidade sexual com vocês.
Então era por isso que quando ia abusar de mim agia de um jeito e quanto estava com aquele monstro agia de outra forma.

Creio que sim. E quando começaram esses abusos?
Foi uns dois meses depois de eu ter sido raptada. Foi umas duas semanas depois que a Roberta chegou.

Então foi três meses depois. Roberta foi raptada no dia vinte de março, dois meses e meio depois de você. E prosseguiu até vocês serem libertadas?
Foi.

Vamos mudar o nosso foco agora. Eu queria que você falasse dos filmes que o dr. Mathias andou exibindo para vocês. Você chegou até comentar sobre um deles. Os depoimentos das outras meninas citam esses filmes, mas quando descritos, são completamente diferentes, o que me leva a crer que não se trata dos mesmos filmes. Você poderia falar daqueles que você assistiu?
Posso sim. Me lembro perfeitamente deles.

Certo. Então descreva cada um. De preferência na ordem cronológica.
O primeiro que ele passou tinha um homem duns trinta anos e uma garota loira duns quinze. Eles estavam numa cama. No começo, ela está vestida e pega o troço dele, que ainda está mole, e começa a chupar. Dá pra ver que ele vai crescendo e ficando duro enquanto ela chupa. Ela continua a chupar ele. Depois ela vai lambendo ele todo. Aí a câmera foca bem a boca dela e o troço dele. Assim, de pertinho, parece muito grande. Ela continua chupando e lambendo ele por um tempão. A imagem sempre mostra de perto. Dá para ver que além dos dois, tem mais alguém filmando, porque a imagem vai girando, sempre focando ali. Nisso ela para por alguns instantes e tira a roupa. Aí ela volta a chupar ele de novo. De repente, ela enfia ele todo na boca e dali a pouquinho tira ele. Escorrendo através do troço dele, sai uma coisa branca. Ela para de chupar, levanta a cabeça e dá um sorriso com aquela coisa escorrendo pela boca dela. Ele me fez assistir esse filme duas vezes para que eu aprendesse a fazer igual a ela.

E você teve que fazer?
Tive.

E o próximo filme?
Foi bem depois. Acho que um ou dois meses depois. Não tenho certeza. Ele me levou para aquele lugar.

Para o estúdio.
Isso. Aí mandou eu ficar de joelhos e virada para frente, com as mãos apoiadas na cama. Lembro que ele me mandou “ficar de quatro”, mas eu não sabia o que era isso. Foi então que ele passou aquele filme e disse para eu ficar igual ela que ia fazer comigo a mesma coisa.

Tente descrevê-lo.
Eu não sei qual a idade ela tinha, porque não mostra o rosto dela. Só do pescoço dela pra trás. A pessoa que está filmando está bem atrás. Aí ele me diz: é assim pra você ficar. Tem um homem, só que o rosto dele também não aparece. Mas dá para ver que ele não é velho. Então ele enfia o dedo na bunda dela e fica mexendo lá. Dá para ver o troço dele, duro. É bem grande. Ela está acariciando a xana dela enquanto isso. A câmera foca bem a bunda e a xana dela, bem de pertinho. Então aparece a cabeça do troço dele se aproximando do buraquinho dela. Ele põe ela lá e fica empurrando bem devagarzinho. Dá para ver o troço dele entrando. Às vezes, ele para um pouco e até tira e põe de novo. Depois o troço dele já entrou quase todo, aí ele fica indo e vindo várias vezes. De repente ele começa a se mover rápido e pára. Então ele puxa o troço dele para fora e aparece a bunda dela com um buracão. Nisso, começa sair e escorrer um troço branco de dentro dela. Você sabe porque né?

Sei sim. Ele teve um orgasmo. E aí ele fez com você igual ao filme?
Fez. Se não foi exatamente igual, foi quase igual. E fez várias vezes. Nas primeiras vezes doeu muito. E quando eu ia no banheiro, doía também. Mas depois eu fui me acostumando e ele já não me machucava tanto.

E houve outros filmes?
Houve sim. Teve uns que ele passou pra nós todas assistir. Acho que ele fazia isso para ver como a gente ia reagir.

Sobre esses filmes, a maioria das meninas falaram deles em seus depoimentos. Quanto à intenção dele com isso, não podemos ter certeza, mas sua opinião é compartilhada por Roberta e Daiane. Elas afirmaram inclusive que, depois da exibição de cada filme, ia até a cela e retirava de lá uma de vocês e levava para o estúdio e a violentava. Você confirma isso?
Confirmo. Era isso mesmo que acontecia. Eu mesma fui vítima de uma exibição dessas. A garota do filme até se parecia comigo. Ela transava com um homem no sofá. Ela ficava virada sobre a beirada do sofá, de costas para ele. Aí ele vinha, passava alguma coisa no troço dele e enfiava nela. Só que não era na xana dela não. A câmera mostrava bem direitinho e bem de perto. Ele enfiava na bunda dela.

E depois da exibição, ele foi lá e levou você?
Foi.

E fez com você o que o homem do filme tinha feito com a garota?
Foi.

Tanto as outras meninas quanto os garotos narraram mais ou menos a mesma coisa. Provavelmente, o Dr. Mathias fazia isso porque queria ter a mesma experiência, sentir as mesas sensações. E pelo que vocês nos contaram, é possível concluir que a escolha desses filmes não se dava ao acaso. Primeiro, ele escolhia qual de vocês seria abusada e depois escolhia o filme. Isso nos faz concluir que ele deveria ter uma quantidade enorme desses filmes.
É bem capaz. Eu só não entendo porque ele precisava passar esses filmes pra gente. Não era como os primeiros, que ele passava para ensinar a gente a fazer as coisas.

É bem possível que ele quisesse algo que até então não tinha conseguido. Embora com algumas exceções, uma vítima não fica excitada durante o estupro e nem mesmo sente prazer. Não posso te garantir que seja isso. Só ele nos poderia dizer com toda a certeza. Agora, outro motivo para ele exibir esses filmes pode ter sido com o intuito de provocar algum tipo de excitamento em vocês e levá-las a sentir algum prazer.
Pode ser. Mas nem assim eu sentiria prazer. Ser violentada por um monstro nojento daquele. Nunca!

É sabido que durante o ato sexual, se ambos os parceiros sentem prazer, o prazer acaba sendo maior e mais intenso. Talvez ele estivesse procurando justamente isso, essa intensidade. Até porque, um desejo satisfeito é substituído por outro ainda mais exigente. Talvez ele não se contentasse mais em abusar de vocês, e quisesse que vocês também sentissem prazer, para que ele se sentisse satisfeito.
Pode ser isso mesmo. Por isso a Ana Paula era a preferida dele. Ele não judiava dela. Só bateu nela no começo, depois passou a tratar ela com delicadeza e educação. Se ela sentia prazer em se deitar com ele eu não sei. Ela nunca quis falar sobre o que fazia com ele. Mas ele transou com ela uma vez na nossa frente e deu pra ver que ela tava gostando.

Você poderia me dizer como foi?
Posso sim! Eu lembro desse dia. A gente estava lá em cima tomando sol. De repente o tempo fechou e começou a chover. Algumas de nós saímos correndo para se esconder da chuva, mas outras ficaram se molhando. Ele estava sentado vigiando a gente num lugarzinho coberto.

Sei. No quiosque sobre o gramado.
É. Aí ela ficou de frente para ele, mas embaixo da chuva e começou a se rebolar. Ela passava a mão pelo corpo igual a um filme que ele tinha passado pra gente algum tempo antes. Eu fiquei vendo aquilo indignada, porque a gente odiava ele, mas a Ana Paula não. Aí, ela deu um sorriso pra ele e chamou ele com o dedo. Assim... Talvez ela tenha achado que ele não tivesse coragem de se levantar e ir embaixo de toda aquela chuvarada atrás dela. Mas ele foi. Ele pegou ela no colo e levantou ela e beijou ela ali, como um casal de namorados.

E ela não demonstrou repulsa ou algo parecido?
Não. Ela parecia gostar.

Ela omitiu isso no seu depoimento. Aliás, foi quem nos deu menos informação. E mesmo quando falava do Dr. Mathias, não demonstrou raiva ou algo parecido. E depois?
Ele chupou os peitos dela e pois ela no chão. O troço dele já estava duro. Aí enfiou a mão no meio das pernas dela e ficou passando ela lá. Ele não costumava fazer isso com a gente. Mas ele estava acariciando ela. Ela começou a gemer. Então ele gritou para aquele outro, o tal Juarez, e disse para ele trancar a gente. Mas eu ainda pude ver ele pegar ela no colo novamente, levar ela para o banco aonde ele estava e sentar e sentar ela nele. Aí eles começaram transar. Ela estava gostando de fazer aquilo, tenho certeza.

Ainda não sabemos o porquê dessa afeição dela por ele, uma vez que se tratava de uma menina de onze anos que, como vocês, era constantemente abusada sexualmente. Ela ainda vai ter que prestar mais esclarecimentos. Mas essa afeição dela por ele não é novidade. É bem possível que ela tenha desenvolvido uma versão mais profunda da “Síndrome de Estocolmo”. Nesses casos, a vitima, ao invés de sentir ódio e desprezo por aquele que a sequestrou e a manteve em cárcere privado, desenvolve uma afeição e passa a defender e a sentir simpatia pelo criminoso. Ela parece ter ido além disso, pois, ao que tudo indica, tornou-se amante dele. Mas isso, nós teremos de averiguar melhor. Só mais uma coisinha. Vocês não a odiavam por isso?
Claro que às vezes ficávamos revoltas com isso. Algumas vezes uma das meninas discutiam com ela. Mas como a gente sabia o que poderia acontecer com a gente, as outras iam e acabava com a discussão. Se ela era a protegida dele, uma briga só ia fazer com ele castigasse quem brigou com ela com mais violência. Então, a gente evitava. Mas ninguém gostava muito dela.

Só mais uma última pergunta: com exceção da Roberta, nenhuma de vocês engravidaram, apesar dos frequentes abusos. E no depoimento das outras meninas, elas nos disseram que ele fazia vocês todas tomarem um comprimido durante o jantar. Você confirma isso?
Era, sim! Ele nunca disse pra que, mas a gente desconfiava que era para não ficar grávida. Tanto que antes da Roberta ficar grávida, ele parou de dar esses comprimidos para ela.

Certo. Bom. Acredito que todas as suas informações sejam suficientes. Vou fazer o possível para não ter de convocá-la novamente. Mas não há dúvida de que você será uma das testemunhas do julgamento não só do Dr. Mathias, caso ele seja preso, como também de seus cúmplices que estão na cadeia. Então, esteja preparada para perguntas mais duras e difíceis, principalmente do advogado de defesa. Eles não têm escrúpulos e vão fazer de tudo para atenuar a pena de seus clientes.
Vou ter que falar isso tudo de novo?

Vai sim. Não só isso como muito mais. Muito provavelmente você terá de contar em detalhes os abusos e torturas sofridas por você. Mas isso ainda vai levar um bom tempo. A justiça brasileira é lenta e esses julgamentos ainda vão levar pelo menos um ano. Até lá você já vai ter superado esse trauma e então será mais fácil falar desses momentos terríveis que vocês vieram.
Espero que sim.

Fim da transcrição.

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