Assim como a sociedade se manifesta pela punição do deputado, ela exige que o Judiciário também mostre os seus culpados, e que não tente camuflar-se em filigranas e manobras protecionistas
Antonio Mourão Cavalcante é médico, antropólogo e professor universitário (mourao@ufc.br)
Publicado no jornal O POVO, dia 16 de fevereiro de 2003
A imprensa não tem dado trégua ao caso Pinheiro Landim. O deputado federal, bancada do Ceará, foi acusado de subornar juízes para concederem habeas corpus a traficantes de drogas. Uma coisa hedionda, se realmente comprovada.
O novo presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo, aceitou a tarefa de investigar e está vivamente empenhado em levar às últimas conseqüências o processo, ameaçando que não ficará pedra sobre pedra. Na busca da verdade, os deputados aceitam cortar na própria carne.
O poder Legislativo tem sido sempre alvo de graves acusações. Todos os dias a imprensa abre manchetes com acusações aos legisladores. Trata-se de um poder extremamente exposto. Por aquelas bandas nada consegue escapar impune. A transparência tem sido cada mais evidente.
Aqui mesmo, em Fortaleza, a CPI da Merenda Escolar, realizada pela Câmara Municipal, foi muito conseqüente e concreta. Apontou culpados e enumerou as falcatruas.
Será que podemos dizer o mesmo do poder Judiciário?
No caso específico dos traficantes, se o deputado Pinheiro Landim tem culpa, se realmente conseguiu sensibilizar ($$) magistrados a tomarem decisões graciosas e imorais - obviamente - ele não pode ser o único a sentar-se no banco dos réus. Afinal, se existe um corruptor, onde está aquele que se deixou corromper? Será que o magistrado que caiu na conversa do deputado é inocente? Pode postar-se como vestal da moralidade?
No momento em que a Câmara Federal tomar a decisão de punir e afastar o seu deputado, estará passando um recibo para que o Judiciário também assuma sua parte nessa história. Se os legisladores admitem que o deputado subornou a autoridade judiciária e aplicam uma grave punição, tipo cassação de mandato, estarão indicando, claramente, que o Judiciário não pode guardar em seus quadros criminosos de toga suja.
Assim como a sociedade se manifesta, em uníssono, pela punição do deputado, ela exige que o Judiciário também mostre os seus culpados e que não tente camuflar-se em filigranas e manobras protecionistas eivadas de um corporativismo caviloso.
Todo magistrado tem um poder delegado. Recebeu uma procuração da sociedade para interpretar as leis e defender os altos interesses da nação. Não pode ser pago e sustentado por traficante de drogas. É um crime muito grave e não pode continuar fazendo parte do grupo daqueles que julgam.
A sociedade espera - serenamente - que o poder Judiciário não se acovarde e não deixe de punir os seus criminosos, exemplarmente.