O ESTATUTO DA CIDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Basta olhar ao redor para perceber que no Brasil o problema urbano não é uma conseqüência da escassez de terras, mas de seu uso efetivo e de organização do espaço urbano.
Luciana Gondim
Basta olhar ao redor para perceber que no Brasil o problema urbano não é uma conseqüência da escassez de terras, mas de seu uso efetivo e de organização do espaço urbano. "O fato é que a terra sempre foi algo absolutamente distante da maioria da população brasileira menos favorecida. Uma herança do período da colonização, quando o Brasil foi dividido em regime de sesmarias. Em 1850 assistimos à consolidação do latifúndio, com a Lei de Terras. Justamente no momento em que o Brasil está se preparando para abolir a escravidão, é que se começa a legitimar as posses da oligarquia rural", explica o defensor público e professor Marco Aurélio Bezerra de Melo.
Em 1934, a Constituição promete colocar em prática a tão sonhada reforma agrária, mas o compromisso não foi cumprido. Como resultado, segundo dados da Fundação CIDS, 75% da população brasileira vive nas cidades, e a taxa de urbanização do estado do Rio é de 94%. Por isso, a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada de "Estatuto da Cidade", foi recebida com tamanho entusiasmo. De acordo com a juíza especialista em Biodireito Élida Seguin, o Estatuto é um marco na trajetória da reforma urbana, pois respalda constitucionalmente a função social da cidade e a sua sustentabilidade. "Trata-se de uma nova política urbana, que reserva mais responsabilidades aos proprietários de terras, e à comunidade, de uma maneira mais ampla".
Seguin destaca o "Estudo de Impacto de Vizinhança" como sendo um dos pontos mais relevantes do Estatuto. "Este será um importante instrumento de gestão, pois, antes de construir, os vizinhos terão a possibilidade de se manifestar sobre o empreendimento", observa. A partir do momento em que o Plano Diretor for aprovado, os proprietários terão mais preocupações que simplesmente limpar o terreno, ou manter a calçada. O Município poderá notificar o proprietário que está com a terra parada. Findo o prazo de notificação, o IPTU progressivo poderá ser aplicado, e a terra, desapropriada. "Então, temos cinco anos para a elaboração do Plano Diretor, dois anos para a notificação, e cinco anos de aplicação de IPTU progressivo. Sendo assim, só iremos enfrentar essa questão daqui a doze anos. Mas, assim que o Município começar a discutir a revisão do Plano Diretor é imprescindível que exerçamos nossa cidadania, participando desse processo", orienta Seguin.
Marco Aurélio de Melo, por outro lado, teme pela falta de interesse dos vereadores, mas não perde a esperança nos novos dispositivos que, segundo ele, são de suma importância para melhor organizar o espaço urbano. "O Estatuto da Cidade, nos seus artigos 9 a 14, traz a usucapião especial para a moradia". O artigo 10 merece especial enfoque, na medida em que estabelece que "as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, e onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural".
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