Concentração de poder e a súmula vinculante
Os defensores da súmula vinculante proclamam que esta se destina a atender propósitos e finalidades de segurança jurídica, além de desafogar os Tribunais que se encontram acumulados de processos
Edilson Santana Gonçalves
Promotor de Justiça
Publicado no dia 21 de dezembro de 2002, no O POVO.
Aguarda-se a aprovação da Emenda Constitucional relativa à Reforma do Poder Judiciário, ora em tramitação no Senado Federal. Algumas mudanças estão em pauta, como o controle interno do Judiciário, a criação de limites para apresentação de recurso especial e a súmula vinculante, sendo esta, indubitavelmente, a que concentra maior divergência.
Os defensores da súmula vinculante proclamam que esta se destina a atender propósitos e finalidades de segurança jurídica, além de desafogar os Tribunais que se encontram acumulados de processos.
A questão da morosidade da Justiça é tão antiga quanto a história das primeiras sociedades. Literatos, filósofos, historiadores e políticos, têm verberado, no curso dos séculos, contra os males de uma Justiça lerda e inoperante.
Todavia, a propósito da adoção da súmula vinculante, tal como posta na propalada Emenda Constitucional, esta acabaria tendo força suprema, superior a própria lei, na medida em que o relator do recurso interposto em face de decisão que contrarie súmula seja dado negar seguimento aos apelo monocraticamente, o que não poderia fazer se a contrariedade fosse em face da lei . Disso resulta grande concentração de poder, ferindo os postulados de uma Justiça verdadeiramente democrática.
Com efeito, dita concentração de poder dar-se-á (caso venha a ser aprovada a Emenda) não apenas no âmbito do Poder Judiciário, mas também no próprio Poder Executivo. Para tanto, basta se manejar, segundo interesses do Chefe do Poder Executivo, medidas provisórias que, para sua aprovação, dependem tão somente do Senado Federal que, na prática, tem sido órgão meramente homologatório.; e de decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja corte suprema é composta por indicação do Presidente da República.
Ademais, não se pode negar que a súmula vinculante passará a engessar os juízes, castrando a livre manifestação do julgamento, segundo os parâmetros de suas consciências e da lei.
Com o engessamento e a verticalização da jurisprudência, os juízes de primeiro grau, bem como as partes, serão tolhidos. As proposições criativas, a partir da realidade e dos fatos da vida, não mais chegarão ao alcance dos Pretórios, a partir das quais são consolidadas muitas jurisprudências, não raro transformadas em leis.
O que se precisa combater, ao revés, é o extremo formalismo do processo civil brasileiro que, hoje, possibilita uma inumerável quantidade de recursos e meios protelatórios das demandas. São demasiadas as formas complexas que deveriam ser substituídas por fórmulas mais simples ao alcance das partes.
A dinâmica da sociedade hodierna e a estrutura do judiciário brasileiro são incompatíveis com o ordenamento jurídico processual em vigor.
Urge pois, que se promova, ante de mais nada, uma outra reforma: a reforma processual, sem a qual não se alcançará os propalados objetivos decantados pela presente reforma do judiciário.
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