Volta da súmula nº 394
É lamentável que, após mais de 500 anos, não saiba o Brasil com exatidão quem aplica a sanção aos integrantes do primeiro escalão do Governo pela prática de improbidade administrativa
Djalma Pinto
Advogado
Publicado em 24 de dezembro de 2002, em O POVO
Qualquer menção à palavra privilégio, no Brasil, gera indignação. Isso decorre do descaso para com o princípio da igualdade, permanentemente afrontado entre nós. Por isso, foro privilegiado para a população está associado à idéia de impunidade. Aliás, a realidade constatada, tomando-se como base os processos em tramitação, envolvendo pessoas distinguidas com o foro especial pela prerrogativa de função, não é promissora. Por exemplo, se um Senador praticar um homicídio, durante o exercício do mandato, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Todavia, se marcado para determinada data o julgamento e, por qualquer razão, deixar ele o mandato antes de sua ocorrência, o processo deve retornar para o Juiz criminal do lugar onde ocorreu o crime, iniciando-se um longo percurso que ninguém sabe quando termina. Isso em decorrência da revogação pelo STF de sua Súmula nº 394.
O projeto de lei, recentemente votado no Congresso, que estabelece o foro privilegiado para agentes políticos nas ações de improbidade e o mantém, nos casos de crime comum, após a saída do cargo, na prática, restabeleceu a eficácia da Súmula 394, pondo fim a uma longa controvérsia travada entre doutrinadores e julgadores sobre a competência para julgar ação de improbidade contra o Presidente, Ministros etc.
É lamentável que, após mais de 500 anos, não saiba o Brasil com exatidão quem aplica a sanção aos integrantes do primeiro escalão do Governo pela prática de improbidade administrativa. Só agora acaba essa indefinição.
Entretanto, a bem da verdade, a preocupação maior da sociedade não é com o foro privilegiado em si. Isso parece nítido pelas manifestações dos seus diversos segmentos. A preocupação é com a efetiva aplicação da lei, tendo em vista a restrição das partes legitimadas para a propositura da ação de improbidade. No caso do Presidente da República, Ministro de Estado, Deputados Federais e Senadores essa legitimação se restringe ao Procurador Geral da República, ficando os demais membros do Ministério Público impedidos de qualquer atuação, como ocorreu em recente julgamento no STF, envolvendo o caso do passeio de um Ministro a Fernando de Noronha.
Com ou sem foro privilegiado, exige a sociedade apenas que quem pratique ato de improbidade sofra a respectiva sanção, prevendo, inclusive, a ordem jurídica vigente o impeachment de Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República que atuarem em detrimento do exercício da junção. Com efeito, a Lei nº 1.079/50 enumera, no seu art. 39, entre as hipóteses autorizativas do processo de impeachment de Ministros da Suprema Corte: 2) proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa, 3) exercer atividade político partidária, 4) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo, 5) proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções .
Assim, ao conceder o privilégio de foro, muniu-se a cidadania de mecanismos institucionais para reagir contra eventual desvio de finalidade, na atuação daqueles, aos quais atribuiu a missão de impor sanção às autoridades investidas no poder político. Afinal, o povo é dono do poder e quem o exerce, em qualquer nível, a ele deve satisfação.
Mais grave, porém, é que muitos entendem que a Lei de Improbidade não se aplica aos agentes políticos. Só alcançaria a raia miúda. Acabará sobrando privilégio, inclusive, sem necessidade de foro.
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