A SEDUÇÃO DA MORDAÇA
Deparei-me, no O POVO, com artigo anunciando que haveria uma nova versão da mordaça , urdida na Associação Cearense de Magistrados. Haveria interesses contrariados pela firme atuação do presidente?
José Aquino Flôres de Camargo
Desembargador no Rio Grande do Sul e presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul Ajuris)
Publicado no jornal O POVO, em 24 de agosto de 2002
Recentemente, pela Internet, deparei-me no respeitado O POVO, com o artigo Mordaça cabeça-chata (Opinião, pág. 6, 8/8, do jornalista Valdélio Muniz), anunciando que haveria uma nova versão da mordaça , urdida na Associação Cearense de Magistrados, pela qual impunha-se ao presidente da entidade, legitimamente eleito por seus pares, a exigência de submeter previamente aos companheiros de direção toda e qualquer manifestação pública em nome da classe.
Surpreendeu-me a medida. A primeira impressão é da ocorrência de autêntico golpe . Ou, então, foi estabelecido o regime de desconfiança. Ao que consta, nos estatutos da associação, não há previsão da existência de um primeiro-ministro, sujeito ao parlamento. Se o regime é presidencialista, e Michel Pinheiro foi eleito para o cargo, resulta clara a manifestação de vontade dos colegas. A representação é do regime democrático. Não sendo razoável que todos falem em nome da entidade, alguém deve fazê-lo, sendo seu o ônus político pelos equívocos de avaliação ou eventuais excessos cometidos. Como líder de classe, deve o presidente ter a sensibilidade de traduzir, com fidelidade, o pensamento dos juízes cearenses. Na dúvida, colher a manifestação dos pares parece medida de prudente arbítrio de quem exerce cargo de liderança. Se não o fizer, a reprovação surgirá das urnas.
Lembro que, recentemente, a magistratura brasileira, em um mutirão inédito, ergueu-se contra a chamada lei da mordaça , inclusa no projeto de reforma do Judiciário, que tramitava na Câmara dos Deputados. Graças à intensa mobilização, também dos homens ligados à imprensa, a proposta que calava os magistrados, impedindo-os de prestar informação à sociedade sobre fatos relevantes, implantando uma justiça secreta, veio a ser derrubada, extirpada do texto aprovado e ora em tramitação na outra Casa parlamentar.
Como não vislumbro a insensata mordaça como verdadeira, seria razoável que a imprensa livre investigasse o fato. A população em geral e os magistrados, sobremaneira, deveriam tomar conhecimento acerca do episódio. Qual a razão da desconfiança? Haveria alguns interesses contrariados pela firme atuação do colega presidente?
Espera-se que os juízes cearenses não caiam na tentação da censura, tentando calar a voz que reclama por mudanças. A Constituição da República é que veda a censura prévia, nos termos do art. 5º, IX. Isso mais se agrava quando a medida restritiva é endereçada contra quem tem o dever de falar. Se usar indevidamente da palavra, deverá responder por sua livre manifestação, seja no campo político ou até mesmo, se for o caso, na esfera judicial. Inconcebível, todavia, é que seja impedido de fazer a crítica ou a denúncia, omitindo-se de seu dever funcional como líder classista.
O dr. Michel Pinheiro, colega que conheço dos embates na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), é homem corajoso, que se pauta pela ética e luta por um Judiciário forte, com independência. Luta essa que não é sua, mas consulta ao interesse público. Pois, é em nome da sociedade, que existem as prerrogativas da magistratura. Juiz independente e imprensa livre são o rosto da democracia.
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