Trata-se de uma medida do mais puro retrocesso político e democrático, uma vez que, certamente, contribuirá para a impunidade dos casos em que estejam envolvidas ex-autoridades
Publicado no jornal O POVO, em 24 de dezembro de 2002
Mesmo passados cinco anos do cancelamento da Súmula 394, do Supremo Tribunal Federal, que garantia o foro privilegiado a ex-ocupantes de cargos públicos, assim como a ex-mandatários povo, por crimes cometidos durante o exercício funcional, mais uma vez o tema volta ao quadro jurídico-político nacional, desta feita sob nova roupagem.
Projeto de Lei recém aprovado pelo Congresso Nacional propõe o retorno do referido foro especial para julgamento por crimes de responsabilidade ou de improbidade administrativa aos ex-detentores de mandatos ou funções públicas.
Trata-se de uma medida do mais puro retrocesso político e democrático, uma vez que, certamente, contribuirá para a impunidade dos casos em que estejam envolvidas ex-autoridades. Isso porque a apuração dos fatos não mais se dará no local onde os atos de improbidade administrativa ocorreram, mas sim nos distantes tribunais superiores pátrios, onde por conta de uma legislação ainda falha, possível se torna o uso de meios e recursos processuais aptos a desvirtuar a tão almejada celeridade no julgamentos dos processos.
Para a ampla maioria do povo brasileiro, ansioso por mudanças e melhorias no seu cotidiano, a volta do foro privilegiado para ex-administradores públicos, longe de ser uma boa nova, soa mais como um manto com nítido objetivo de proteger os maus políticos.
Não é sem tempo destacar que nos últimos anos, e a sociedade organizada está sempre vigilante e ativa nas denúncias, seja por intermédio de organizações não governamentais, Ordem dos Advogados, Ministério Público, dentre outros, aumentaram as ações contra atos de improbidade praticados por detentores de cargos públicos.
Desse modo, autoridades passaram a ter suas administrações investigadas e, na hipótese de verificação de atos de improbidade, seus atos também restaram julgados, após é claro, o devido processo legal.
Tais medidas não foram do agrado de muitos, principalmente por pessoas que não pretendiam se ajustar a uma nova ordem de igualdade e democracia e que, sorrateiramente, passaram a se voltar contra ela.
No momento atual da conjuntura pátria, onde os novos ideais democráticos aguardam o governo que se aproxima, não mais é possível permitir que o foro especial e a prerrogativa de função sejam transformados no foro privilegiado, tema expressamente proibido por nossa constituição vigente.
Quando da nova diretriz do Supremo Tribunal Federal, adotada por ocasião do cancelamento da súmula antes referida, restou muito bem firmado no voto do ministro relator, já antevendo o democrático clamor da sociedade que ôa prerrogativa de foro visa proteger o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger a quem exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. (...) as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa constituição que pretende tratar igualmente cidadãos comuns, como são também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos.
Essa correta interpretação constitucional deve ser levantada como bandeira pela sociedade organizada, a fim de que um brado retumbante ressoe contra a tentativa de golpe na democracia que se aproxima com o implemento da nova lei criadora de privilégios para os maus administradores públicos.