Ela voltou no dia combinado.; pouco antes do almoç e de posse dos papéis do Fórum voltou a explicar a razão de sua visita como se não soubéssemos. Depois, após fazer um carinho em nossa cachorrinha, a nosso convite, entrou para cumprir sua missão.
Encontrou na cozinha o fogão, a geladeira, o armário e um tanquinho daqueles mais simples.
__O tanquinho é penhorável? __perguntei um tanto apreensivo.
__Depende do Juiz! Mas penso que podem ficar tranquilos!
Depois da cozinha ela dirigiu-se à sala onde encontrou um televisor 14 polegadas, uma estante e um jogo de sofá.
__E a televisão? Tem perigo?
__Também depende do juiz! Na verdade se o caso estivesse nas mãos da nossa juíza, haveria mais risco, mas o juiz é mais flexível e não considera a televisão algo supérfluo!
Da sala ela pediu licença mais uma vez e foi ao quarto, onde encontrou tão somente o jogo de quarto e um velho rádio relógio.
Depois de olhar tudo e fazer algumas anotações ela novamente pediu desculpas pelo transtorno e deixou minha casa com um conselho:
__Quando vocês tiverem condições procurem o credor e façam um acordo!
__Mas o que acontece agora?
__Ele pode pedir uma nova visita, se desconfiar que vocês adquiriram algum bem, mas não creio que ele faça isso!
__Verei se consigo juntar um dinheiro e procura-lo! Não vejo a hora de ficar livre desta dívida!
__Faça isso! Mas lembre-se que ele não pode de forma alguma causar-lhes qualquer constrangimento por conta desta dívida! A lei proíbe isso, da mesma que proíbe a cobrança de juros por parte dos agiotas!
Depois do conselho ela entrou no carro e partiu com a rápida e discreta como eu jamais pensei que uma OFICIAL de JUSTIÇA fosse.
Tranquilos entramos em casa e pouco comentários tecemos a respeito do ocorrido, tão pouco fora o impacto que a visita causara-nos. Minha mulher vestiu o uniforme da fábrica, beijou-me e dirigiu-se ao trabalho e eu sai logo em seguida rumo à loja de um cliente que ligara-me ainda de manhãzinha.
E tudo voltou ao normal, exceto por uma coisa: não seríamos mais importunados pelo agiota que todas as manhãs de Domingo aparecia com seu funcionário de testemunha para cobrar-nos.
Estávamos livres de todo aquele constrangimento e isso nos devolvia, de certa forma, um pouco da cidadania que todo devedor perde num país tão capitalista como o nosso.
E é em nome desta cidadania que eu reafirmo aqui que pretendo pagar cada centavo do que devo, mas sem que isso, signifique que eu me enterre vivo me transformando num escravo do sistema.
Quero pagar, mas quero também ir ao cinema, ir à churrascaria, levar meu amor ao motel...enfim, quero o mínimo de chance para ser feliz.
Se os agiotas, bancos e cartões puderem esperar que esperem.; se não puderem que se desesperem, pois eu não vou mais atormentar meu coração com os problemas do bolso.
Vou tentar ser feliz...e acho que tenho direito, mesmo devendo tanto!
