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Textos_Juridicos-->JÚRI: A OMISSÃO SOCIOLÓGICA -- 02/12/2002 - 13:51 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

JÚRI: A OMISSÃO SOCIOLÓGICA

A observação compulsória do julgamento pelo Tribunal do Júri que tenho presidido, provocaram uma sensação de desconforto ideológico e espiritual, na medida em que pude registrar a omissão de elementos essenciais a serem considerados na formação de convencimento condenatório (e, mesmo, absolutório), dos jurados e, posteriormente, serem sopesados na fixação da pena pelo magistrado.
Tenho presente que "uma decisão judicial pode modificar as vidas das pessoas, contribuindo para uma integração ou marginalização sociais definitivas, e acarretar-lhes conseqüências indeléveis" e que "não basta que o juiz conheça as leis, mas é necessário que ele alie este conhecimento a uma perspectiva social, histórica, cultural e moral ao decidir".
A instituição do Tribunal Popular exige a participação de cidadãos maiores de vinte e um anos (art. 434, CPP) e de notória idoneidade (art. 436, CPP), para sua composição. Não se lhes exige qualquer outra qualificação o texto legal.
Tratando-se de serviço obrigatório (art. 434, CPP) o jurado sorteado não poderá deixar de prestá-lo, sob pena de sofrer sanções pecuniárias (art. 433, CPP) e, observe-se a gravidade, a eventual recusa por convicções religiosas, filosóficas ou políticas, implicará na perda de seus direitos políticos (art. 435. CPP.; art. 5º, inc. VIII e art. 15, inc. IV, CF).
A ilação óbvia é a de que o julgador de fato, se não pode afastar-se do julgamento, poderá julgar sob a influência dessas convicções, e por certo o fará, ainda mais que sua decisão (veredicto) é resultante da soma da votação sigilosa dos quesitos e sem qualquer necessidade de fundamentá-la (art. 493, CPP e art. 5º XXXVIII, "b", "c", CF).
Sabidamente, o jurado é arregimentado entre funcionários públicos, autarquias, bancos, etc., formando uma massa representativa da classe média, mesmo que em vias de proletarização, estabelecida no círculo nuclear urbano, estáveis em seus empregos e profissões, sem uma aprofundada visão da sociedade periférica estabelecida nos morros e vilas de cidades.
Ele se informa durante os debates desenvolvidos pelo Promotor de Justiça e pelo defensor em plenário. Isto é, pelas partes na exposição de suas teses. O antagonismo é a regra.
Não é difícil encontrar-se o jurado perplexo pela amplitude das divergências e interpretações que, assim, mais o aproxima de suas convicções filosóficas, religiosas ou políticas e, evidentemente, por sua perspectiva social no momento decisório, afastando-se da estrutura probatória processual.
Apesar de tratar-se de pessoa honesta, o jurado não excluirá do julgamento a sua herança social, a sua história e sua cultura. Com este caldo sociológico formará sua convicção íntima.
Os julgamentos de competência do Tribunal do Júri envolvem os crimes dolosos contra vida, ou seja, o ato violento de e contra seres humanos, presumidamente consciente e destinado a causar a morte de um semelhante envolve a dinamização emocional através da passionalidade, vingança, medo, ódio, competição, psicopatias e defesa, entre outras causas de agir.
É o delito sem o estereótipo do miserável.
Apesar de não caracterizar comportamento típico de uma classe social, o grande freqüentador do banco dos réus é o pobre, o marginal. Mas, diferentemente de outros delitos, a sua prática não é incomum aos membros de classes mais abastadas ou menos oprimidas social e economicamente.
Raro é o vileiro, o morador dos morros e das favelas integrando o corpo de jurados.
É sintomático. As indagações são irresistíveis: Porque os demais delitos não são submetidos ao julgamento do Colegiado Popular? Será que o legislador não estava empenhado em excluir sua classe, a dominante no momento histórico, da gênese legal, da severidade técnica do julgador singular?
Não é aceitável concluir que o jurado, em seu "status" não se sente oprimido, assustado e temeroso do marginal, à sua simples vista? E, sob tal pressão, julgará sem isenção absoluta?
Em que pese extremamente questionável, a teoria abolicionista do direito penal desenvolvida por Hulsmann, apontou com acerto que há "um outro ponto que diz respeito às imagens negativas da vida social que a justiça criminal cria em meio à maioria da população. Sabemos, a partir de numerosos estudos das formas como o medo do crime pode ser criado como resultado de certas ligações entre a justiça criminal e os meios de comunicação de massa, e como este medo afeta profundamente a vida de certos grupos na população que podem ficar isolados por causa dele."
E o magistrado?
O caráter criminoso do fato julgando já lhe chega definido, inclusive no que diz respeito às qualificadoras, atenuantes e causas modificadoras da pena, restando-lhe proceder a quantificação da sanção legal. Incumbe-lhe, contudo, investigar as circunstancias judiciais do artigo 59 do Código Penal, as quais desdobro em mediatas - antecedentes, conduta social, personalidade e motivação.; imediatas - culpabilidade (dolo) e as circunstâncias materiais da prática.; e, por fim, as implementares - comportamento da vítima e conseqüências do proceder violento e reprovável, considerado o momento, da consumação ou tentativa delituosa.
Com tal responsabilidade, e mesmo assim, deixa de preocupar-se no mais das, vezes, ou não dispõe de tempo, em proceder uma investigação acurada a respeito do que lhe é imposto observar legalmente. Filia-se às precárias e temerárias informações coligidas descuidadamente pela autoridade policial ou sectariamente pela defesa, exercendo cotejo impróprio pelo desconhecimento dos meandros da sociedade periférica ou marginal, onde é egressa a maioria dos condenados.
Compromete, tantas vezes, sua honesta vocação à prestação jurisdicional, filiando-se axiomaticamente ao sofisma que tem violado tantas consciências: "O que não existe nos autos não existe no mundo.
O emérito professor português Boaventura de Souza Santos, coligindo elementos para tese que defendeu junto a Universidade de Yale, EEUU, freqüentou e estudou favelas cariocas, fixando-se numa delas que, em seu estudo, denominou de Pasárgada, e anotou o que o favelado reclamou a respeito de suas relações com o Poder Judiciário: "... os Tribunais tem que observar o Código e pelo Código nós não tínhamos nenhum direito..."
Dissertou, então, o pensador luso: "Esta citação ilustra bem a ambigüidade profunda da consciência popular do direito nas sociedades caracterizadas por grandes diferenças de classes. Por um lado, a apreciação realista de que o direito do Estado é o que está nos códigos e de que nem estes nem os juízes, que têm por obrigação aplicá-lo, se preocupam com as exigências de justiça social. Por outro lado, o, reconhecimento implícito da existência de um outro direito para além dos Códigos e muito mais justo que estes...".
Ao não romper as estreitas lindes do processo para fixar, tantas e tantas vezes, penas severas sem qualquer (sabemos todos) objetivo de recuperação do apenado, estará o juiz, inapelavelmente, realizando o temor de Plutarco "que o mais alto grau de injustiça é não ser justo e, todavia, parecê-lo".
É de admitir, então, que aos julgadores de fato e de direito sejam fornecidos elementos outros e de outra ordem, para que os adapte às suas convicções ou supere, pela imparcialidade e completitude do estudo, os eventuais preconceitos derivados delas, possibilitando-lhes um conhecimento sociológico e político pertinente e inafastável, orientando, obviamente, com a devida associação ou cotejo com a estrutura probatória do fato julgando, para formar convencimento condenatório induvidoso ou fixar a pena dentro de parâmetros justos e honestos.
Neste momento de nossa reflexão cabe efluir da temática desenvolvida, sem o afastamento de sua essência política-sociológica.
Trata de enfrentar a hipótese mais correta que a consideração nuclear defendida neste texto, se fora factível, de fazer com que a sociedade periférica e marginal viesse agregar-se através de representantes "idôneos e maiores de vinte e um anos" ao Corpo de Jurados.
Louva-se aqui a iniciativa da juíza Elba Bastos, quando titular da Primeira Vara do Júri de Porto Alegre - RS, ao abrir a possibilidade de inscrições voluntárias dos cidadãos para sua composição. A repercussão foi positiva, mas os resultados foram frustrantes: apenas 30 pessoas inscreveram-se e, destes, apenas dois estão vinculados às favelas na condição de líderes comunitários.
Conclusão: é o cidadão "passargadense no dizer de Boaventura, desconfiado ante a possibilidade de aproximação com a sociedade que o vê discriminatoriamente e, como acima referido, com medo ou como membro de uma subclasse humana.
Como esperar que venha voluntariamente ao encontro do sistema que lhe é opressor, para desempenhar um papel temporário e oficial, significando reencontrar seu igual em lugar onde a sociedade nuclear entende que lhe é próprio: o banco dos réus.
A idéia, pois, da integração do habitante marginal a um contexto jurídico do qual suspeita, com razão, é inócua.; enquanto não resolvidas as grandes questões sociais ou diminuídas a diferenças culturais através da vontade política dos responsáveis pelos destinos da Nação.
Contudo, a tentativa de aproximação levada a efeito é caminho que se abre, ainda que se o percorram lentamente, para ampliar a possibilidade de diminuir a distância entre as classes. Devemos insistir.
Assim enquanto persistir o desfalque social junto ao Tribunal do Júri pela ausência de membros da classe mais baixa, é urgente e necessário que se transmita aos jurados e juízes de direito o conhecimento de todas as circunstâncias sociológicas que cercam o fato delituoso em espécie, com apreciação dos fatores criminógenos ou outros que possam elaborar uma melhor compreensão de sua ocorrência.
Há que se apostar na sensibilidade do ser humano e sua capacidade de assimilar conhecimentos mesmo os que arrostam toda sua história sócio-cultural.
A pesquisa sugerida não deve excluir os momentos dos procedimentos formais, em especial na elaboração de inquérito eis que importante a identificação do comportamento do agente ante a ação oficial, sua origem familiar, sua formação cultural, sem desprestigiar sua relação com a sociedade nuclear urbana, especialmente no que diz respeito às relações empregatícias.
A prestação de tal serviço é dever do Estado, admitindo-o como maior interessado no julgamento e apenamento justos, e conferindo garantias aos sociólogos, psicólogos e antropólogos para que possam, se for a hipótese, apontá-lo como responsável mediato pela ação violenta contra a vida de um cidadão, inclusive para eventual indenização às famílias das vítimas e sustento às dos condenados. Sem autonomia e independência para tal, os expertos seriam meros testemunhos calados da continuidade do "status quo" sustentário do sistema criticado.
O auto resultante integraria o processo e seria remetido antecipadamente a todos os jurados escalados conforme a fórmula oficial para o respectivo julgamento.
Perceber-se-á, que o texto cuidou apenas do julgamento dos réus marginalizados, pobres, habitantes periféricos, das vilas e favelas. Atende-se, no entanto, para a composição do Corpo de Jurados e seus juízes presidentes, a quem se pretende destinar a informação sociológica objetivando julgamento justo aos que estão à margem deste contexto oficial.
Por derradeiro, entendo de transcrever o texto de F. A. de Miranda Rosa, do qual me aproprio neste momento, como justificativa da posição assumida e que a implementa, além de contribuir com a sabedoria ausente ao longo desta reflexão: "O exame do sentimento de justiça abrange necessariamente o das normas existentes, sua adequação, ou não, ao que é tido como justo, a aprovação social das sanções que o direito estabelece e garantidora da validez e eficácia das normas. Também abarca a maneira como a opinião do público se manifesta sobre o comportamento ilícito, ou a distância entre a desaprovação da norma jurídica a certa conduta e a desaprovação que o consenso ético, social impõe à mesma forma de comportamento".

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