As “justificativas” apresentadas para a elisão fiscal são sustentadas pelos seguintes fatos: a)- de cada R$ 100,00 ganhos ou produzidos, 33% vão para o Governo Federal. Esse é o peso da carga tributária no PIB.; b)- em 2002 o Brasil vai liderar o ranking mundial de maior tributação interna, batendo a atual líder, a Alemanha.; c)- no tocante às empresas e organizações, o impacto tributário é ainda maior com as abocanhadas dos Estados e Municípios, sem contar as contribuições sociais e previdenciárias.
A função do Sistema Tributário é transferir recursos do setor privado ao público a fim de possibilitar a ação do Estado. Ao cumprir essa função, o Sistema Tributário acaba por afetar a distribuição de renda da sociedade e inibe o uso eficiente dos recursos ou acabam reduzindo o bem-estar da sociedade. Com maior ou menor intensidade esse efeito estará sempre presente, mas é especialmente intenso quando há tributação cumulativa, sonegação ou elisão de impostos. Do ponto de vista social, o montante de recursos extraídos do setor privado através de impostos não altera a quantidade de recursos da sociedade, apenas determina que o uso dessa parcela extraída, que antes era privada, passe a ser pública. Esse processo leva a uma diminuição de renda dos Estados de origem, que são pressionados pela população, para que sejam fornecidos mais bens ou serviços públicos (polícia, transporte, vias de comunicação, etc.) ou mantidos serviços de caráter social, tais como educação e saúde, como forma de redistribuição da riqueza social gerada num determinado espaço econômico.
Diante desta equação, surge uma discussão entre o que é interesse econômico das empresas (menores custos, incluindo o custo tributário), e os interesses do Estado (maior receita para fazer face à pressão social do fornecimento de bens e serviços públicos).
Ante tudo a isso, conclui-se que todos os agentes econômicos reagem à tributação, pois os impostos implicam na redução de renda. Por isso, como qualquer outro custo, o agente procura reduzi-lo. Os caminhos para isso são o planejamento tributário ou a elisão/evasão fiscal.
Planejamento Tributário ou sinônimo de Evasão Ilícita?
Entre duas possibilidades de estrutura de uma operação, ninguém está obrigado a escolher aquela mais onerosa, sendo justo interesse escolher a mais favorável pelo princípio da Legalidade Tributária (art.5º, II e 150, I da Constituição Federal de 1988).
Ao contribuinte cabe o dever de pagar o tributo conforme a lei, que é um texto e precisa de interpretação.
Elisão é um expediente utilizado pelo contribuinte para atingir um impacto tributário menor, em que se recorre a ato ou negócio jurídico real, verdadeiro, sem vício no suporte fático, nem na manifestação de vontade, o qual é lícito e admitido pelo sistema jurídico brasileiro. Além da garantia constitucional do direito de propriedade e exercício da autonomia da vontade, não se pode perder de vista que é dever do administrador gerir as organizações de maneira mais lucrativa. Segundo Heleno T. Tôrres, “...constitui obrigação do administrador de qualquer sociedade, empregar todos os recursos para atingir o objetivo da empresa (Lei 6.404/76, arts. 153 e 154), razão pela qual torna-se inconteste que a economia de impostos apresenta-se como um dever dos administradores de empresa, na consecução dos objetivos empresariais, segundo o princípio utilitarista de maximização de lucros e minimização de custos, com base no regime de economicidade. Assim, sob a égide daqueles direitos constitucionais e deveres cometidos por lei, deve comportar-se o contribuinte na constituição de seus negócios privados, como expressão da sua plena autonomia da vontade.” (Limites do Planejamento Tributário e a Norma Brasileira Anti-Simulação, LC 104/01, Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, Ed. Dialética, 2001, 5º volume, página 108).
Na Evasão Fiscal são utilizados meios legais na busca da descaracterização do fato gerador do tributo. Pressupõe a licitude do comportamento do contribuinte. É uma forma honesta de evitar a submissão a uma hipótese tributária desfavorável. Na Evasão Fiscal o contribuinte diante de uma hipótese tributária desfavorável busca mascarar seu comportamento de forma fraudulenta.
Nos sistemas fiscais não há definição legal de Elisão ou Evasão Fiscal e na linguagem corrente o termo Elisão Fiscal é identificado como sinônimo de Evasão Fiscal.
À luz da melhor doutrina a Elisão Fiscal lícita é feita através do planejamento tributário, que é uma reunião de idéias e planos voltados à economia de impostos com o emprego de estruturas e formas jurídicas adequadas, normais e típicas à materialização dos respectivos negócios industriais, operações mercantis e prestações de serviços. É um caminho lícito na busca da menor carga tributária. Alguns autores entendem que o planejamento tributário é um direito e, portanto, o contribuinte tem o direito de compor seus negócios da forma que lhe for mais conveniente. Essa corrente se apoia em dois argumentos, que segundo Marco Aurélio Greco, in Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária, Ed. Dialética, 1998, página 36, são os seguintes: “1º argumento: A Constituição garante a propriedade. Ora, se ela garante o direito de propriedade, pode-se sustentar que esta propriedade somente poderá ser atingida por uma Lei expressa. Com base neste direito, o contribuinte pode proteger e usar o seu patrimônio como bem entender, salvo a existência de uma Lei expressa proibindo. Desta ótica, ele só poderá ser atingido pelo tributo (o tributo atinge o patrimônio individual), se o for através de uma Lei expressa que preveja a conduta realizada pelo contribuinte.” Não se pode ignorar que a Constituição Federal também contempla a função social da propriedade.; “2º argumento: A Constituição garante a liberdade. Se a Constituição garante a liberdade, o contribuinte pode realizar quaisquer atos jurídicos lícitos. Se pode realizá-los, ninguém pode extrair dos seus atos jurídicos outras conseqüências que não sejam aquelas que ele, livremente, tenha resolvido atribuir. A partir desta visão, a Constituição assegura ao contribuinte um direito de se auto-organizar da maneira menos onerosa. Sendo um direito (esta, por exemplo, é a posição de Ricardo Mariz de Oliveira, Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal, in Curso de Direito Tributário, volume I, vários autores, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. CEJUP, 5ª edição, 1997, página 369, que se apoiaria nos princípios da propriedade e da liberdade que são princípios constitucionalmente garantidos, este direito não poderia ser frustado, inibido, limitado por legislação ordinária. Caso se aceite esta visão, pela lógica, o direito de se auto-organizar buscando a alternativa menos onerosa, nem mesmo poderia ser limitado por legislação complementar, por ela não poderia ir contra um direito constitucionalmente assegurado.”
Muito interessante a posição de Ricardo Mariz, pois sustenta que o direito de auto-organização é um direito de nível constitucional.
A Elisão Ilícita ou Evasão se caracteriza com o objetivo de não recolher, recolher a menor ou recolher a posterior um encargo tributário cujo fato gerador já tenha ocorrido. É indispensável que haja atipicidade ou anormalidade da forma, cuja utilização só se explique pela intenção de evadir o tributo.
A Lei contra a Elisão Fiscal
Em 10/01/2001 foi publicada a Lei Complementar nº 104, que dentre outras alterações ao Código Tributário Nacional, introduziu o parágrafo único ao artigo 116 com a seguinte redação: “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em Lei ordinária.”
É de se inferir que o parágrafo único do artigo 116 do CTN é norma de eficácia limitada, portanto só iria adquirir plena eficácia quando vier a ser integrada pela Lei ordinária nele prevista, até lá, não pode ser invocada para desconsideração de atos ou negócios que tenham efeitos previstos no dispositivo. A norma em questão não é norma de direito material, mas sim de cunho processual. Editada a Lei ordinária a que se refere o parágrafo único do artigo 116 do CTN, o ato de desconsideração poderá atingir não só aqueles atos realizados após a Lei Complementar 104/2001, mas também os anteriores, atendidos os prazos extintivos do CTN.;
Não cabe a nenhum agente fiscal ou órgão unipessoal da Administração Fazendária, a edição de ato de desconsideração de atos ou negócios jurídicos dos particulares. O ato de desconsideração é pré-requisito para a lavratura do auto de infração. No procedimento de desconsideração devem ser assegurados os direitos e garantias individuais, os princípios que informa a administração (artigo 37, CF/88), bem como garantir o contraditório e a ampla defesa.
Assim, toda e qualquer tentativa de combater a Evasão Fiscal, mesmo nas hipóteses expressamente permitidas no artigo 149 do CTN, dependem de Lei ordinária que preveja os procedimentos específicos a serem adotados pela autoridade fiscal lançadora. A incompatibilidade do parágrafo único do artigo 116 e o § 1º do artigo 108 do CTN é evidente, pois jamais se poderia criar uma norma geral anti-elisão sem a revogação do artigo 108 § 1º, segundo o qual o emprego da analogia não pode resultar na exigência de tributo não previsto em Lei.
Segundo Gabriel L. Troianelli, in Comentários aos Novos Dispositivos do CTN: LC 104, Dialética, SP, 2001, página 44: “Demonstrada a incompatibilidade entre o § 1º do artigo 108 e o parágrafo único do artigo 116, não se deve supor que este último tenha revogado tacitamente aquele. Em primeiro, porque uma norma geral anti-elisão não tem o condão de revogar uma norma especial de interpretação tributária, ante o princípio de hermenêutica segundo o qual a Lei geral não revoga a especial. Em segundo, porque, desde a Lei Complementar nº 95, de 26/02/98, “quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições revogadas” (artigo 9º). Ora, tendo a Lei Complementar nº 104/2001 introduzido o parágrafo único do artigo 116 no Código Tributário Nacional, norma esta que se revela ineficaz em face do § 1º do artigo 108, necessária seria a cláusula de revogação deste último, não se podendo presumir a sua revogação tácita. Logo, ainda que se pretenda vislumbrar no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional uma norma geral anti-elisão, queda esta ineficaz até que seja revogado o § 1º do artigo 108 do mesmo diploma legal.”
Em 29/08/2002 o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 66 que dentre outros, estabelece os procedimentos para desconsideração de atos ou negócios jurídicos para fins tributários. O artigo 14 da MP prevê que os atos ou negócios jurídicos que visem reduzir, evitar ou postergar o pagamento de tributos ou a ocultar os verdadeiros aspectos do Fato Gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, são passíveis de desconsideração. Deve-se levar em conta entre outras as seguintes ocorrências: I- falta de propósito negocial.; e II- abuso de forma.
Considera-se ocorrida a hipótese do inciso I quando há opção pela forma mais complexa ou mais onerosa para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática do ato.
Quanto ao abuso de forma é determinado quando a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado.
A desconsideração será efetuada após a instauração de procedimento de fiscalização. Antes de formalizar a representação contra o ato ou negócio, o servidor expedirá notificação ao sujeito passivo, na qual relatará os fatos que justificam a desconsideração. O sujeito passivo poderá apresentar, no prazo de 30 dias, as provas e esclarecimentos que julgar necessários. A autoridade fiscal decidirá, em despacho fundamentado sobre a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados. Caso a autoridade fiscal decida pela desconsideração, o despacho deverá conter: a descrição dos atos ou negócios praticados.; a discriminação dos elementos ou fatos caracterizadores de que os atos ou negócios foram praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de Fato Gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.; descrição dos atos ou negócios equivalentes aos praticados, com as respectivas normas de incidência dos tributos e resultado tributário produzido pela adoção dos atos ou negócios equivalentes, com especificação, por tributo, base de cálculo, alíquota incidente e dos encargos moratórios. O sujeito passivo terá o prazo de 30 dias, contado da data que for cientificado do despacho, para efetuar o pagamento do tributo e seus consectários. Note-se que a exigência será feita acompanhada de juros e multa de mora, mas sem a aplicação das penalidades, que somente será imposta mediante lançamento de ofício do crédito tributário, através de Auto de Infração, com aplicação de multa de ofício. Lavrado o Auto de Infração, será o sujeito passivo cientificado do lançamento para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento ou apresentar impugnação contra a exigência do crédito tributário. A contestação do despacho de desconsideração dos atos ou negócios jurídicos e a impugnação do crédito tributário serão reunidas em um único processo, para serem decididas simultaneamente.
Concluindo, os atos ou negócios de gestão administrativa decorrentes de Planejamento Tributário que visem a redução de tributos, são válidos desde que não tenham a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos da obrigação tributária, observados os procedimentos previstos em Lei.
Ricardo Bertolini, julgador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
Outubro de 2002
Críticas e sugestões: ricardobertolini@globo.com
Bibliografia:
GRECO, Marco Aurélio: Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária, Ed. Dialética, SP, 1998.;
ROCHA, Valdir de Oliveira: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, Ed. Dialética, SP, 2001.;
TROIANELLI, Gabriel Lacerda: Comentários aos Novos Dispositivos do CTN: A LC 104, Ed. Dialética, SP, 2001.;
ICHIHARA, Yoshiaki: Direito Tributário, Ed. Atlas, 11ª edição, SP, 2002.;
Lei 5.172/1966 - Código Tributário Nacional.;
Lei Complementar nº 104, de 10/01/2001 e Medida Provisória nº 66, de 29/08/2002.
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