A questão central, sobre a disseminação de radares eletrônicos de toda sorte – os famosos “pardais” – não diz respeito exatamente ao mérito do instrumento, mas à sua consistência em termos jurídicos. De pronto se diga que não me alinho entre os malucos que postulam a volta ao passado, com milhares de cadáveres se acumulando nas cidades, motivados pelo desvario de motoristas deslocados de seu “habitat” natural (desejando estar em pistas de automobilismo, consumiam seus poucos dias de vida em vias públicas, matando-se uns aos outros e assassinando pedestres).
Nem eu nem ninguém dotado de um mínimo de bom senso pode ser contra o uso dos pardais. Mesmo o problema da alardeada indústria de multas, mecanismo de aparência medieval que espolia motoristas desavisados – este distraído poeta entre eles – justificaria que se demolissem os bichinhos, apeando-os a tiros dos postes e das árvores. É de fato ultrajante que punições a motoristas engordem cofres de entidades privadas, mas esse é problema colateral, fácil de resolver. Basta, como fez o órgão encarregado, proibir contratos que vinculem a receita das empresas que administram pardais às infrações aplicadas.
O cerne do tema é, na verdade, que estamos diante de uma completa subversão de princípios sagrados do Direito Administrativo, mais exatamente a razoabilidade e a proporcionalidade. A adoção de atos administrativos por máquinas programadas a reagir de forma automática a determinado fato, sem levar em conta o contexto que o emoldura, leva a distorções medonhas, sem pé nem cabeça, igualando, por exemplo, uma velocidade de 62 Km a um abuso de 200 milhas por hora. O que falta, sem nenhuma dúvida, é o crivo de uma autoridade de carne e osso, capaz de discernir uma coisa da outra e somente punir quem efetivamente merece.
Enfim, a menos que me queiram rasgar o diploma e menosprezar mais do que o devido meus conhecimentos acerca do funcionamento da administração pública, devemos todos, cidadãos conscientes, ao invés de postular o fim dos pardais, propugnar por sua humanização. Documentos emitidos automaticamente por computador e enviados de forma mecânica às nossas residências podem facilitar muito a vida dos administradores, mas não representam, de maneira nenhuma e de modo algum, uma conduta decente para com os administrados. Ou se transforma a fotografia dos pardais em elemento de prova, para, ante outras circunstâncias, aplicação de penalidades, ou se prosseguirá nesse festival de insanidades, em que motoristas inocentes são obrigados, sem motivo suficiente, a sustentar as estripulias e desvarios do Estado.
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