FLEXIBILIZAÇÃO E OUTROS ENGODOS
Ronald Soares
Arrefecido pela conquista do penta, desvalorização galopante do real, aumento avassalador do risco Brasil e as constantes e incrivelmente mutantes pesquisas eleitorais, o debate sobre a flexibilização da legislação trabalhista está nos seminários, revistas especializadas, nos jornais e nas universidades.
No entanto, pensando bem, tal debate deveria ser conduzido de outra forma porque, na realidade, acredito que não existe nenhum país no mundo, pelo menos no rol daqueles que se dizem civilizados, onde o trabalhador é menos protegido e onde a legislação trabalhista tenha alcançado um índice maior de flexibilização do que o Brasil.
Desde 1988, mais precisamente, desde a Constituição-cidadã, que o trabalhador brasileiro, embora tenha um elenco de direitos previstos a nível constitucional(art.7o e seus incisos), viu-se metido num olho de furacão sem precedentes.
Aliás, a derrocada lenta das conquistas sociais dos trabalhadores vem se processando há muito tempo, bem antes das tentativas hodiernas, quando nós ainda estávamos sob o regime militar, com a intenção visível do governo de acabar com a estabilidade, o que provocou um amplo debate nacional, culminando por vir o FGTS a sufocar obliquamente a garantia de permanência no emprego que fora conquistada pelo assalariado brasileiro.
Voltando à Constituição, temos logo no inciso I, a porta escancarada para a total flexibilização da legislação laboral neste país, verbis:
Art.7o ............................................................................................................................................................................................................................
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.;
Ocorre que os anos passaram, a lei complementar nunca foi elaborada e o contrato de trabalho, neste país, pode ser denunciado desmotivadamente, como se o trabalhador fosse algo descartável e sem a menor dignidade, passando por cima de outros dispositivos constitucionais, notadamente, art. 1o, II, III, IV.; art. 3o, I, II, III, e IV.; art. 6o, todos da Constituição Federal, para só citar alguns.
Ora, se o empregador pode, ante a ausência da lei complementar, romper o liame empregatício ao seu talante, como fica a legislação infraconstitucional, verbi gratia, a CLT, se o empregado, vivendo em constante desequilíbrio não pode usufruir dos direitos constitucionalmente previstos, porém não assegurados.
Parece, portanto, muito estranho este debate em torno da prevalência do acordado sobre o legislado, sobre flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
A julgar pela propaganda intensa que o governo utilizou há alguns meses atrás, não deve vir nada de bom, uma vez que as teses neoliberais já são por demais conhecidas e o reinado atual é exatamente do Senhor Mercado, dono do mundo, ditador das regras em todos os quadrantes da terra.
Flexibilizar o que já é tão frágil e tão flexibilizado é comportamento equivalente á política de terra arrasada, utilizada por determinados exércitos de países invadidos, a Rússia, por exemplo, que preferiam extinguir as colheitas através de incêndios, mesmo sendo obrigados a passar, a ter que repartir sua fartura com o inimigo. Só que o assalariado nacional já não tem fartura, porque o salário encolhe cada dia que passa(este fenômeno ocorre até mesmo nos países ricos) e não há gordura alguma para ser queimada.
Nos chamados países de primeiro mundo, as funções mais simples são agora ocupadas por imigrantes, que são menos exigentes com relação a salário e seu sujeitam a trabalhar dentro de um horário mais elástico sem maiores reivindicações, notadamente os que não possuem visto de permanência, ou seja, estão em situação de ilegalidade perante a imigração.
Então, procurando justificar e contar com o apoio da população, o governo começou a inundar a mídia com uma propaganda maciça a favor da modificação dos dispositivos contidos na CLT, entoando loas às negociações, que vivemos em um país de pessoas conscientes e o assalariado não é nenhum mentecapto que precisa de assistência ou proteção legal para a garantia dos seus direitos. É uma falácia, trombetear tais vantagens, quando sabemos que numa reunião em que estão lado a lado a raposa e as galinhas, já sabemos por antecipação que vai dominar o repasto.
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