. DIREITO ADQUIRIDO – SEGURANÇA JURÍDICA – CONSTITUIÇÃO
Ronald Soares
“A guarda da Constituição é a guarda da soberania.
Quem atenta contra o Estado democrático, a organização federativa, a república constitucional, fere mortalmente aquele princípio supremo, a saber, o princípio da soberania, já interna, já externa.
Transgride, do mesmo passo os valores maiores, os fundamentos e os objetivos fundamentais que compõem a essência do regime e o substrato material das instituições.
Tornamos a asseverar que os atos de uma política de governo, em contravenção dos axiomas do sistema, enunciados nos arts. 1o, 2o, e 3o da Lei Magna são rigorosamente inconstitucionais. Acham-se portanto maculados de inconstitucionalidade insanável, já na substância, já na forma.”
PAULO BONAVIDES
I - INTRODUÇÃO.
II - DIREITO ADQUIRIDO - SEGURANÇA JURÍDICA
COISA JULGADA . ATO JURÍDICO PERFEITO.
III - DIREITO ADQUIRIDO, CONSTITUIÇÃO E REFORMA
CONSTITUCIONAL.
IV – A EXTINÇÃO DA REPRESENTAÇÃO CLASSISTA NA
JUSTIÇA DO TRABALHO E DIREITO ADQUIRIDO.
V - CONCLUSÃO.
I. Introdução:
O Direito como ciência, como regra, como ideal de justiça, enfim, nas suas diversas acepções, tem sido uma constante preocupação temática dos estudiosos.
Como ciência, o direito nunca está concluído, donde dizer-se costumeiramente, que se trata de uma ciência in fieri.
À pergunta “ o que é o direito ? ” têm sido dadas muitas e muitas respostas, sempre contestadas por autores respeitáveis que defendem pontos de vista diverso, procurando refutar filosoficamente os conceitos emitidos, gerando uma conclusão inevitável: o problema do direito é eterno, transitórias as soluções propostas.
Então, nos diversos centros de estudos mais desenvolvidos, os juristas formam escolas e adeptos, lançando e semeando idéias que germinam, algumas vezes, em áreas geográficas distantes, em culturas que se apresentam com características inteiramente diferentes, provocando deturpações ou adaptações que servem a uma dada conjuntura num determinado lapso temporal.
Como criação do homem, abstraídas as idéias impregnadas de conceitos religiosos, o direito varia em conformidade com os costumes, as crenças, a cultura, a índole, enfim, as peculiaridades de uma determinada sociedade.
O direito e o homem estão enlaçados numa relação que abarca o passado, o presente e as aspirações futuras do povo a que pertence.
Mas, por serem as nações, mormente nos dias que correm, retalhos de um mundo que busca a globalização, “um mundo sem porteiras”, em certos momentos, por força de acontecimentos sazonais, fica difícil extrair do quadro conturbado das relações, a verdadeira substância do direito, a sua destinação histórica e fundamental: a construção de uma sociedade justa, a projeção do homem, como criatura pensante, à sua mais alta dimensão.
É que, ardilosa e sutilmente, idéias mantenedoras do statu quo, são plantadas e disseminadas, principalmente entre os mais jovens e aqueles que manipulam as rédeas do poder, a fim de iludir a imensa maioria da massa informe cujo imediatismo e estreiteza dos sonhos, inibe qualquer aspiração mais ampla.
O cientista do direito, o doutrinador, semeia as suas idéias expondo as teorias que, ecoando na mente dos seus discípulos, ganham contornos de sacramentalidade, muitas vezes sem que se debata e se discuta com profundidade os seus efeitos e a sua verdadeira intenção.
Como o direito, vamos assim dizer, é uma ciência sempre em movimento, in fieri, vale repetir, é necessário acompanhar o processo evolutivo da humanidade, como meta mais abrangente, e da sociedade onde a norma vai atuar, como objeto mais específico, a fim de não perdermos o seu rumo.
A preocupação de manter o curso, como é óbvio, é maior quando o mar das idéias sofre os maremotos dos choques de opiniões. Dentro do contexto da globalização, que até aqui, salvo uma e outra atitude isolada, só tem mostrado o seu aspecto econômico, destituído de qualquer substrato, é imprescindível, ao estudioso do direito, reunir os conceitos e as doutrinas assimiladas ao longo do seu itinerário cultural, para não perder de vista as conquistas históricas, os avanços que o ordenamento jurídico de nossa pátria tem experimentado.
A resistência à globalização desumana tem provocado estudos de vários pensadores do direito, preocupados com a pasteurização ignóbil que os famintos de lucros semeiam estultamente, derruindo alicerces jurídicos tidos como sólidos.
Não é possível adotar a postura saudosista de D. Quixote de La Mancha, querendo parar o tempo e esgrimindo contra os moinhos de vento, porém, por outro prisma, não é correto cruzar os braços e deixar, como no poema de Maiakowski, que nos roubem a rosa, a voz, tudo.
A globalização fincada no aspecto econômico, já se tem medido as suas desastrosas conseqüências, através do empobrecimento de camadas cada dia maiores da população mundial, quer dizer, presenciamos, ao invés da globalização da riqueza, uma hedionda e inconcebível globalização da pobreza.
Por tal motivo, os pensadores contemporâneos de visão social mais sensível buscam alertar os outros estudiosos e o povo de que a globalização não pode ser meramente econômica, com as deturpações maquiavelicamente orientadas no sentido da usura internacional, através do pagamento de uma dívida externa irresponsavelmente contraída por maus governantes, arrastando nações inteiras a uma escravidão nunca vista na história da civilização.
Paulo Bonavides, entre tantos outros pensadores, vem se preocupando com tal fenômeno, chamando a atenção para a indispensável globalização política que deve caminhar pari passu com a globalização econômica, sob pena de cairmos numa armadilha mortal.
Ora, com a desestruturação do Estado, que deixou de ser o núcleo das decisões, nem mesmo o Direito à vida vem sendo respeitado, porque, conforme nos mostra Pierangelo Catalano : “No alvorecer do Terceiro Milênio assistimos a uma violação maciça dos direitos humanos devida ao pagamento de “dívidas” por parte dos países do chamado Terceiro Mundo, isto é, indiretamente, graças ao exercício de um poder financeiro “global” que não tem limites nem jurídicos nem religiosos”.
Mais adiante, no mesmo sentido, acrescenta: “ A violação dos direito humanos e do direito ao desenvolvimento é somente um aspecto, certamente o mais evidente do ponto de vista humanitário, de um problema jurídico mais amplo e complexo, que deriva do “fato” econômico (essencialmente financeiro) chamado globalização. Este aspecto tem que ser considerado no âmbito da vigência dos princípios gerais do direito (parte do ius cogens), cuja reafirmação, a propósito da dívida externa, tem sido solicitada, já há mais de dez anos, por juristas e instituições políticas” ....
“A Europa tem, portanto, que impedir que sejam introduzidas na comunidade internacional,,,,,,, pela via sub-reptícia dos direitos estatais ou através da falta de regulamentação jurídica interestatal, duas novas formas de escravidão: a “interna” dos trabalhadores estrangeiros(extra comunitari clandestini) e a “externa” dos devedores do chamado Terceiro Mundo.”
Ora, se o direito à vida – bem maior dos seres viventes – está sendo negado pelos manipuladores da usura internacional, direito fundamentalíssimo , que dizer, então, da preocupação com os chamados direitos adquiridos, que não possuem a conotação de universalidade que o primeiro detém , nem a sua dimensão, nem a sua importância ?
Os interesses regem o mundo. Os apetites são insaciáveis. A indiferença e a insensibilidade ao sofrimento coletivo são a um só tempo dramáticas e horripilantes Quando se trata de dívida externa, inserida neste cenário de globalização, a prática do anatocismo campeia desenfreadamente (machinaciones creditorum), pondo em vigor o usurae usurarum proibida desde a antigüidade clássica (Constituição de 529 - C.4, 32, 28) .
O estudo insistente deste “fenômeno” aparentemente moderno chamado de globalização, tem pertinência com o tema que estamos procurando desenvolver, exatamente porque: ”se entendida como um fenômeno tridimensional formado pela intensificação de fluxos diversos (econômicos, financeiros, comunicacionais, religiosos), pela perda de controle do Estado sobre esses fluxos e sobre outros atores da cena internacional (Badie, 1999, Frangi e Schulz, 1995) e pela diminuição de distâncias especiais e temporais (Laïdi, 1994.; Badie, 1999), cria expectativas de inovações político- jurídicas.” Tais expectativas nos conduzem a reflexões inevitáveis: com a proliferação e crescimento do poder das transnacionais , é amedrontador o vendaval de violações dos direitos humanos, mormente nos seguimentos sociais mais débeis dos chamados países em vias de desenvolvimento (terceiro mundo).
Por um princípio dialético, as forças que geram a ruptura de antigas estruturas estatais e estimulam as ondas de violações do direitos humanos , dá origem a uma resistência que começa a se formar, não só nos países vítimas de tais transgressões, mas, também e principalmente, nos chamados países ricos(primeiro mundo), a ponto de estudiosos detectarem que “ o tema da defesa internacional dos direitos fundamentais do ser humano tem assumido uma configuração cada vez mais global” .
Procura-se desesperadamente uma saída para a pauperização de grande parte da população mundial, em face da concentração de renda que se aprofunda com a globalização econômica, esvaziada de conceitos políticos e morais. Há quem entenda, inclusive, a urgência da criação de um “espaço público internacional”, dentro do qual o Estado revisitado adquire um novo e instigante papel para a “satisfação da humanidade em termos globais de justiça” .
A informação circula velozmente pelo planeta e ninguém tem o poder de esconder, de embiombar um processo sem que tenha de prestar contas, eis que a opinião pública é cada vez mais participativa e cada dia mais exigente. Repontam agregações no sentido de sobrepujar obstáculos comuns em variados níveis da multifacetada atividade humana, passando pela família e chegando às transnacionais ou organismos internacionais: migrações, poluição ambiental, desertificação, drogas, contrabando, lavagem de dinheiro, violência, prostituição infantil. “Neste sentido, a institucionalização gradativa das relações internacionais por meio de instrumentos jurídicos é uma das condições de possibilidade dessa governança global”.
As garantias constitucionais vistas com os olhos clássicos do direito constitucional, naturalmente, estavam revestidas de um sabor tipicamente individualista.
Assim, então, discorrendo sobre tal característica embrionária das garantias constitucionais, Paulo Bonavides leciona: “A expressão garantias individuais na mesma acepção de garantias constitucionais se propaga com a linguagem de muitos publicistas do liberalismo hispano-americano, bem como luso-brasileiro. Ramirez Fonseca e Ignacio Burgoa não usam doutros termos”.
Revisando as teorias que sedimentaram as garantias ou salvaguardas constitucionais, tem-se que uma constituição que merece tal nome oferece garantia, segurança, que Paulo Bonavides , escudado em Geleotti e Liñares Quintana, nos mostra que a explicação etimológica do termo está enraizada no alemão gewaehren-gewaerh-leistung , significando, segundo os mesmos autores sicherstellung, ou seja, de “uma posição que afirma a segurança e põe cobro à incerteza e à fragilidade”.
Preocupa-se a doutrina com o uso indevido e promíscuo dos vocábulos direitos e garantias, confundidos, inclusive, por excelentes dicionaristas, mas que o rigor técnico que deve presidir os estudos científicos jamais permite confundir.
Paulo Bonavides, no seu tantas vezes citado Curso de Direito Constitucional, alerta-nos de tal impropriedade: “Publicistas de renome da América Latina, tendo em vista a proximidade dos direitos com as garantias e considerando o fim destas, que é fazer eficaz a liberdade tutelada pelos poderes públicos e estampada nas célebres e solenes declarações de direitos, tiveram todavia a justificada preocupação de fixar um conceito de garantia tanto quanto possível desembaraçado e independente do conceito de direito, embora com a ressalva de casos raros e excepcionais, em que a rigorosa observância ou preservação de tal critério distintivo se faz de todo inexeqüível”.
Ao depois, com o evolver dos estudos, as garantias constitucionais foram adquirindo uma conotação bem mais forte, “aliás, passaram por uma espécie de alargamento, visto que não ficaram tão-somente circunscritas à guarda dos direitos individuais na projeção clássica do liberalismo.
Com efeito, ampliaram por igual o raio de segurança a formas funcionais institucionalizadas, que se prendem organicamente ao exercício constitucional das atividades dos poderes públicos no regime de juridicidade imposto pelo próprio Estado de Direito”.
Chegamos, portanto, às garantias institucionais e, fatalmente, à encruzilhada do entendimento: “são distintas ou são idênticas aos direitos fundamentais (outrora, direitos da personalidade, direitos da liberdade ou direitos individuais, segundo a terminologia em voga à época do liberalismo tradicional) ?
A teoria constitucional das garantias institucionais assentou a sua âncora, primacialmente no idéia central de que certas instituições jurídicas, pela sua relevância, devem ser protegidas de uma provável mutilação ou supressão por parte do Estado-legislador.
É uma garantia especial revestida de qualidade ímpar: contra o Estado mesmo.
Não se pode, entretanto, confundir os direitos fundamentais com as garantias institucionais. Canotilho, ensina com muita precisão: “as instituições, como tais, têm um sujeito e um objeto diferente dos direitos dos cidadãos. Assim a maternidade, a família, administração autônoma, a imprensa livre, o funcionalismo público, a autonomia acadêmica, são instituições protegidas diretamente como realidades sociais objetivas e só indiretamente se expandem para a proteção dos direitos individuais”.
Para estabelecer uma balização do assunto, Vieira de Andrade , assim discorreu: ”Fala-se normalmente de direitos fundamentais quando se pretende referir os direitos garantidos por cada Estado aos seus cidadãos, em contraposição a direitos humanos, termo a que se recorre para designar os direitos do homem que são válidos para todos os povos e em todos os tempos, assumindo, neste último sentido, a dimensão de direitos naturais.
Esta distinção não permite, porém, ainda uma definição minimamente rigorosa do que são direitos fundamentais. Em primeiro lugar, estes podem ser encarados, numa perspectiva jurídico-constitucional, atomisticamente, como posições jurídicas subjetivas(direitos subjetivos), ou, sistematicamente, como o conjunto dos preceitos normativos que definem, pelo lado positivo o estatuto dos indivíduos na sociedade política.
Este último sentido é mais amplo e abrange, além dos direitos reconhecidos aos cidadãos, as garantias institucionais, i. é, os princípios de organização social, econômica e política que visam em primeira linha garantir o gozo efetivo desses direitos.”
Mais adiante, incursionando pela atualidade, acrescenta: ”Em terceiro lugar, os preceitos que fixam os direitos não são hoje entendidos como meras concessões de posições subjetivas.; salienta-se o seu caráter de direito objetivo, de princípios e normas constitucionais, para com isso significar que os direitos não pertencem aos indivíduos isolados, mas são atribuídos a seres integrados em comunidades, solidários com elas e perante elas também responsáveis. De onde resulta a necessidade de considerar os limites imanentes aos direitos postos por outros valores sociais, os deveres dos cidadãos para com a coletividade e a intervenção desta através dos poderes públicos para garantir as liberdades e acomodá-las no contexto social.
O sentido dos direitos fundamentais, que ao princípio era claro, parece obscurecer-se nesta complexidade e nesta heterogeneidade. Apesar disso, é possível encontrar uma unidade de sentido no conjunto dos Direitos Fundamentais: todos eles são afinal, referíveis às idéias da dignidade humana e do seu livre desenvolvimento” .
De qualquer sorte, por mais bizarro que seja o ângulo de visão e a posição filosófica do estudioso, desde os tempos mais recuados da história da evolução da ciência do Direito, floresceu a preocupação com a segurança das relações jurídicas, buscando-se uma fórmula de proteger o patrimônio jurídico conferido pelas leis de um determinado tempo num dado ordenamento jurídico das investidas futuras dos legisladores.
Tal preocupação está entrelaçada com a segurança jurídica, porque de nada adiantaria a lei me conferir um determinado direito num dado momento e, logo depois, ao sabor da menor modificação no ordenamento legal, o meu direito perecer como espuma sobre a areia.
“A temática deste número liga-se à sucessão das leis no tempo e à necessidade de assegurar o valor da segurança jurídica , especialmente no que tange à estabilidade dos direitos subjetivos”.
Citando Jorge Reinaldo Vanossi, “ El estado de derecho em el constitucionalismo social”, nos dá o conceito de segurança jurídica “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida”. E acrescenta, “uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”.
II. DIREITO ADQUIRIDO
Debuxado o quadro em que se insere o direito dos nossos tempos, num alinhavado escorço histórico passível de críticas e divergências, tem-se que o cidadão de uma pátria livre, num estado democrático de direito, pode esperar, apesar de todos os subterfúgios e armadilhas da globalização neoliberal, um mínimo de garantia aos seus direitos conferidos pela Lei e que, por alguma razão não exercitou plenamente.
O direito adquirido tem uma imbricação irrecusável com o princípio da irretroatividade das leis.
Em nossa pátria, alçado ao patamar elevado das garantias constitucionais, merece destaque a sua abordagem com visão inicial sobre o texto constitucional.
A Constituição de 1988, repetindo uma tradição constitucional brasileira, estabelece no artigo 5, inciso XXXVI:
Art. 5º ......................
.....................................................................................................................
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
No nosso país, em nível infra-constitucional, a matéria concernente ao direito adquirido está prevista no art. 6o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro(Decreto-Lei n. 4657/42), verbis: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
E o legislador passa a definir, então o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, a saber:
§ 1o : “ Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou”.;
§ 2o : “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
§ 3o : “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não cabe recurso”.
Fazendo-se a dissecação do texto legal, seguindo as pegadas de R. Limongi França, citado por Maria Helena Diniz : “chegamos à conclusão de que, para o legislador, são Direitos Adquiridos:
1. o direito que seu titular possa exercer.;
2. o direito que alguém, como representante de seu titular, possa exercer.;
3. o direito cujo começo de exercício tenha termo prefixo.;
4. o direito cujo começo de exercício tenha condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem.”
Fica assente, então, que a base conceitual legal de direito adquirido vem a ser aquela centrada na primeira hipótese: o direito exercitável pelo seu titular.
A concisão de tal base conceitual, entretanto, carece de um aprofundamento a fim de que possamos ter a precisão indispensável à uma compreensão abrangente.
A doutrina, vale ressaltar, ainda se socorre do pensamento de Gabba, no seu livro Teoria della Retroatività delle Leggi, editado no final do século 19, cuja síntese é a seguinte: “É adquirido todo direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, e que b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu”.
Alicerçada em tais pilastras, a doutrina tem construído, ao longo dos anos, o arcabouço para o estudo do direito adquirido que, em nosso país, historicamente, tem recebido tratamento constitucional de garantia individual:
CF/88
art. 5º .......................................................................................................................
..................................................................................................................................
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.;
Quando se fala de direito adquirido, automaticamente, pensa-se em segurança jurídica.
A lei, salvo as hipóteses em que ela mesma assim afirma, é feita para o futuro, quando muito, para o hoje, não podendo invadir o passado e dissolver o que já fora legalmente estabelecido e consolidado, aderindo ao patrimônio de alguém.
Luís Roberto Barroso, no seu recente Temas de Direito Constitucional , assim discorre sobre a segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo: ”O conhecimento convencional, de longa data, situa a segurança – e, no seu âmbito, a segurança jurídica – como um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da justiça e, mais recentemente, do bem estar social. As teorias democráticas acerca de origem e justificação do Estado, de base contratualista, assentam-se sobre uma cláusula comutativa: recebe-se em segurança aquilo que se concede em liberdade”.
O citado autor, prossegue na sua análise: “A idéia de segurança jurídica, todavia, enfrenta uma crise de identidade nesse início de século e de milênio, uma quadra histórica identificada pelo rótulo ambíguo de pós-modernidade, com algumas características bem delineadas. Na Política, vive-se a ampliação do espaço privado e desconstrução do Estado tradicional, pela privatização e pela desregulamentação. No Comportamento, consolidou-se o gosto pela imagem, pela análise condensada, a impressão superficial. A vitória do efêmero e do volátil sobre o permanente e o essencial. Vive-se a era (i) do poder dos meios de comunicação e (ii) da velocidade. Velocidade da informação e velocidade da transformação: novas gerações de computadores, novos instrumentos de conexão em rede universal, novas fronteiras nos medicamentos e na genética. As coisas são novas por vinte e quatro horas.”
Vale a pena prosseguir caminhando no pensamento de Luís Roberto Barroso: “Outra característica desses tempos tem sido o pragmatismo interpretativo, antes ideológico que científico, que se nutre da paranóia do horror econômico e da hegemonia do pensamento único. Nessa variante, princípios constitucionais voltados para a segurança jurídica – como o respeito aos direitos adquiridos, os direitos de igualdade e o devido processo legal – são tratados como estorvos reacionários.”
Mas, é de todo salutar buscar arrimo nos Artigos Federalistas, nos quais, Hamilton, Madison e Jay, contribuíram com a força intemporal dos seus argumentos e fundamentos para a construção de um trabalho notável da ciência política, nos quais vamos encontrar referência sobre a proteção aos direitos, à sua segurança, conforme observação de Madison, acrescentando à lista de Sherman dos objetivos da constituição, “a necessidade de prover mais efetivamente a segurança dos direitos privados e a constante administração da justiça. Interferências nisso eram males que, talvez mais que qualquer outra coisa, tornaram necessária essa Constituição”
De Plácido e Silva assim conceitua direito adquirido: “ é o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua propriedade, já constitui um bem, que deve ser protegido contra qualquer ataque exterior, que ouse ofendê-lo ou turbá-lo”
Para Clóvis Beviláqua, conforme se infere do Código Civil Comentado, “é um bem jurídico, criado por um fato capaz de produzi-lo, segundo as prescrições da lei então vigente, e que, de acordo com os preceitos da mesma lei, entrou para o patrimônio do titular”. Mais adiante, esclarece o mestre de Viçosa: “para que o direito possa ser exercido pelo titular ou por seu representante, é necessário: a) que se tenha originado de um fato jurídico, de acordo com a lei do tempo, em que se formou ou produziu b) que tenha entrado para o patrimônio do devedor”.
A preocupação, portanto, é a de resguardar aquela situação juridicamente consolidada em face da ordem jurídica reinante, revestindo-a de uma permanência e de uma estabilidade imune às investidas futuras do legislador, inibindo a elaboração de qualquer dispositivo legal que possa vir apoucar ou erradicar aquele direito do universo jurídico.
A doutrina estabelece uma diferença entre o direito adquirido a expectativa de direito e o direito consumado.
O direito adquirido, como já vimos, é aquele que nasce numa época sob determinada norma e, por alguma razão os efeitos que dele se irradiam ainda não foram produzidos, mas a constituição garante a sua concretização no tempo oportuno, ainda que em face da lei nova.
Na expectativa de direito existe uma preparação para que o fato aquisitivo desabroche, todavia, antes que tal ocorra, surge uma nova norma dispondo de modo diferente sobre aquela matéria. Não existe, por conseguinte, in casu, falando-se genericamente, uma garantia de permanência daquela situação perante a nova ordem legal.
No caso do direito consumado, o direito nasce e se aperfeiçoa no âmbito da mesma norma, isto é, fato aquisitivo e efeitos não experimentam nenhum conflito de leis no tempo.
Sempre que se fala sobre direito adquirido, por necessidade didática, sempre nos acode o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O ato jurídico é perfeito quando reúne os elementos fundamentais previstos na lei, a dizer: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei. Mas, vale ressaltar que o ato jurídico perfeito, ainda que não esteja inteiramente consumado, desde que esteja apto a produzir efeitos, terá assegurada a sua concretização contra a lei nova que não poderá regula-los, eis que subordinados à lei anterior.
Quanto à coisa julgada, entende-se por tal a decisão judicial contra a qual já não cabe mais nenhum recurso ( art. 6o , § 4o da Lei de Introdução ao Código Civil)
Portanto, a decisão definitiva e que se tornou irrecorrível tem por característica a impossibilidade de voltar a ser discutida ou modificada. Ela está protegida pelo escudo da coisa julgada, garantida a nível constitucional.
Reunindo, enfim, os conceitos e idéias aqui citados e expostos, chegaremos à conclusão de que o legislador constitucional buscou proteger os chamados direitos adquiridos das investidas inovadoras e iconoclastas dos porvindouros, dando, com a segurança que só os dispositivos constitucionais são capazes de prover, uma garantia de permanência e equilíbrio, quanto aos seus efeitos, até mesmo em relação à revisão constitucional.
Com muita propriedade, Dárcio Guimarães de Andrade, afirmou: “A garantia do direito adquirido, prevista constitucionalmente, tem como função específica, assegurar, no tempo, a preservação dos efeitos jurídicos de normas modificadas ou revogadas. Ela não impede que a legislação evolua seja modificada ou revogada. O que almeja é que haja manutenção dos efeitos individuais e concretos da legislação alterada ou suprimida mais benéfica, na nova ordem jurídica”.
É muito importante que se tenha em mente a observação de Dárcio Guimarães de que a garantia do respeito aos direitos adquiridos não tem o condão de tornar imóvel a legislação, de engessá-la, porque isto seria um absurdo e um contra-senso, mas sim o de evitar que um direito aperfeiçoado ao lume da legislação que o regia ao tempo em que adquiriu todos os seus contornos, seja tragado pela nova ordem legal.
III. DIREITO ADQUIRIDO, CONSTITUIÇÃO E REFORMA CONSTITUCIONAL.
A preocupação maior no que tange aos direitos adquiridos repousa, exatamente, nos limites da reforma ou da revisão constitucional.
É que a nossa Carta Constitucional , art. 60, § 4o, traça de modo nítido os limites para a sua própria reforma.
Por conseguinte, conforme está previsto na própria Carta Magna, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado.;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico.;
III – a separação dos Poderes.;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Historicamente, o nosso país, com exceção da Carta outorgada de 1937, as constituições erigiram o respeito aos direitos adquiridos como uma autêntica garantia constitucional.
Mas, existe a discussão doutrinária a respeito da inexistência do direito adquirido em face da constituição.
Dárcio Guimarães, no seu já citado trabalho, tece considerações sobre o tema: “As cláusulas pétreas são também chamadas de cláusulas de imutabilidade e limitam o poder de reforma constitucional. São tidas como exceção ao poder de reforma devendo, de tal arte, sofrer interpretação restritiva, sob pena de tornar imutável parcela significativa da ordem jurídica.
Entendo que a garantia dos direitos adquiridos , inserta no art. 5o XXXVI, da Constituição de República, se traduz em cláusula pétrea, trazendo, pois, no seu bojo, o imperativo respeito à imutabilidade”.
Os oráculos da modernidade, de uns tempos para cá, a pretexto de justificar propostas defendidas pelo governo, procuram borrar o quadro nítido dos direitos adquiridos que, segundo tais vozes, é incontestável a eficácia dos direitos adquiridos quando se trata de leis ordinárias, todavia, quando a intangibilidade do direito adquirido entra em confronto com as Emendas Constitucionais, o vocábulo Lei mencionado pela constituição, refere-se tão somente à Lei, manifestação legislativa, portanto, infraconstitucional, não sendo possível invocar-se uma impossibilidade de mudança formal na Lei Maior.
Ocorre – e nem vale a pena citar a jurisprudência que, inclusive, tem por repositório o próprio Supremo Tribunal Federal – que a interpretação não pode ser feita em tal nível. Na expressão, evidentemente, estão incluídas todas as hipóteses previstas no texto constitucional (art. 59 e incisos), por que assim estaremos rendendo homenagem ao espírito da Constituição.
Assim, fica evidente, a questão do direito adquirido ante a reforma constitucional, tem que ser analisada dentro da órbita do poder constituinte em confronto com o poder constituído(poder de reforma) porque é o texto constitucional que impõe o limite e a salvaguarda.
A questão, portanto, não é dizer direito adquirido oponível à constituição, mas sim, reconhecer que a própria constituição o considerou isento da possibilidade de ser alterado pela reforma.
É oportuno lembrar o pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre o assunto: “em princípio, não pode haver nenhum direito oponível à Constituição, que é fonte primária de todos os direitos e garantias do indivíduo, tanto na esfera publiscística quanto na privatística. Uma reforma constitucional não pode sofrer restrições com fundamento na idéia genérica do respeito ao direito adquirido. Mas, se é a própria Constituição que consiga o princípio da não retroatividade, seria uma contradição consigo mesma se assentasse para todo o ordenamento jurídico a idéia do respeito às situações constituídas e, simultaneamente, atentasse contra este conceito. Assim, uma reforma da Constituição que tenha por escopo suprimir uma garantia antes assegurada constitucionalmente (exempli gratia, a inamovibilidade e vitaliciedade dos juízes) tem efeito imediato, mas não atinge aquela prerrogativa ou aquela garantia, integrada ao patrimônio de todos que gozavam do benefício”.
No meu pensamento, também, o direito adquirido, respeitado pelo legislador constituinte e inserido como uma garantia do cidadão, embora não seja motivo para impedir a inovação constitucional via reforma – o que seria um verdadeiro absurdo, um engessamento – funciona como um escudo protetor capaz de produzir a eficácia daquele direito que se cristalizara por inteiro e assim fora integrado ao patrimônio do seu titular, mesmo em situação temporal posterior, quando já vigente novo dispositivo constitucional, alterado via Emenda. E não se trata de oposição ou confronto. A regra é da própria Constituição e nela não foi inserida por acaso. Data venia das ilustres e inúmeras opiniões em contrário. Vou mais adiante, lamento, na minha discordância: a prevalecer a interpretação antípoda, estaremos dando guarida a um festival de agressões aos direitos tão duramente conquistados pelos indivíduos.
É que o muro de arrimo de tal idéia está localizado, justamente, numa amplitude que o poder de reforma não possui, a não ser nas radicais e revolucionárias mutações que erradicam, por força do inusitado e do abrupto, todos os valores antigos, partindo do marco zero, numa excepcionalidade que não se ajusta em estudos baseados na normalidade das metamorfoses constitucionais.
O tempo rege o ato, tal aforisma tem sido repetido e encerra uma regra de segurança jurídica inescondível.
Sobre o tempo, também, tem sido dito, filosoficamente: “O tempo não passa. Ele está parado lá fora. Nós é que passamos. O tempo é intemporal”.
Mais recentemente, em artigo publicado na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5a Região, José Martins Catharino, deixou escorrer da pena: “O Tempo é unitário, contínuo, permanente, imprescindível, compreendendo passado, presente e futuro, correlacionados.
Não há presente sem passado, nem futuro sem presente.
O hoje ainda contém o ontem, e já compreende o amanhã.
Como já dito, o presente foi gerado pelo passado, estando grávido do futuro.
O que ainda é contém o que foi e já tem algo do que será”.
De tudo o que foi dito acima se extrai que o fato jurídico que gerou ontem um direito que se incorporou ao patrimônio de alguém, tendo recebido a proteção da garantia de intangibilidade constitucional contra a retroatividade legal, hoje, ainda que não haja chegada a hora da produção dos seus efeitos, tem a sua projeção garantida no amanhã, ainda que tenha se produzido reforma na própria Constituição.
IV - EXTINÇÃO DA REPRESENTAÇÃO CLASSISTA
NA JUSTIÇA DO TRABALHO E DIREITO ADQUIRIDO.
Ao decidir pelo tema do presente trabalho, tive por fonte de inspiração, justamente, a extinção da representação classista na Justiça do Trabalho, para mim, obviamente, fato consumado, a respeito do qual já nada pode ser dito, embora eu tenha defendido, durante muitos e muitos anos, a sua permanência, não deturpada como se achava no últimos tempos, porém, reconstruída e aperfeiçoada, tornando-a compatível com a atualidade.
Mas, deixemos de lado tal preocupação, agora somente histórica, porque estamos em face de outra realidade.
O vetor da escolha do tema reside numa Resolução Administrativa do TST( Resolução Administrativa No. 665/99, de 10 de dezembro de 1999) que operacionalizou, vamos assim dizer, as situações multifacetadas criadas pela extinção gradual dos juízes classistas na justiça especializada.
A Emenda Constitucional n. 24, no seu art. 2o , diz textualmente: “É assegurado(destaque nosso) o cumprimento dos mandatos dos atuais ministros classistas temporários do Tribunal Superior do Trabalho e dos atuais juízes classistas temporários dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Juntas de Conciliação e Julgamento”.
A Resolução Administrativa 665 do TST, elaborada no mesmo dia da publicação da Emenda n. 24, ou seja, 10 de dezembro de 1999, interpretando o art. 2o da mencionada Emenda, no seu art. 2o diz assim: “Não mais existindo a paridade, o representante classista cumprirá o restante de seu mandato, porém afastado (destaque nosso)das funções judicantes, fazendo jus aos vencimentos respectivos."
Abstraindo o fato de que o art. 3o da Resolução 665 foi torpedeado por decisão do Supremo Tribunal Federal, restabelecendo o voto dos classistas remanescentes nos processos administrativos, entendemos, com a máxima reverência às opiniões em contrário, que a interpretação em tela, contida no art. 2o da mencionada Resolução, viola o direito adquirido dos senhores juízes classistas.
Em que consiste a violação a que me refiro. Passo a detalhar o meu ponto de vista.
Os juízes classistas da Justiça do Trabalho foram nomeados para cumprir um mandato certo e determinado, eis que a Representação classista estava prevista no corpo da CF/88 tal como fora redigido pelo Constituinte(arts. 111, 115 e 116, na redação original).
Tudo bem, por vontade da nação, veiculada por seus Representantes, a Representação Classista foi erradicada na Justiça do Trabalho Brasileira, mas, a Emenda Constitucional No. 24, no seu artigo 2o assegura o mandato dos atuais classistas.
A Emenda Constitucional não trata de paridade, aliás, não poderia fazê-lo porque, simplesmente, a extinguiu, todavia, o TST, na Resolução 665, em defesa de uma paridade extinta, manda afastar o “representante classista”(sic), isto é, manda para casa cumprir o mandato.
Então, abalroando o respeito à dignidade da pessoa humana e fazendo tábula rasa dos valores sociais do trabalho(art. 1o I, e IV da Constituição), a Resolução 665 entendeu, o que não está contido na Emenda Constitucional, que o “representante classista” deveria ir para casa, recebendo os respectivos “vencimentos”.
O que poderíamos entender por mandato dos juízes classistas?
Teriam sido eles nomeados apenas para receber dinheiro dos cofres públicos? Ou seriam eles, como estava escrito na Constituição, magistrados integrantes das Cortes Trabalhistas?
O mandato poderia ser fracionado: direito a exercer atividade judicante, direito a perceber “vencimentos?
Os sopros inspiradores do Estado Democrático de Direito, a nosso ver, passaram longe de tal Resolução.
Entendo que o Direito Adquirido, inclusive assegurado na Emenda (art. 2o), não pode ser fracionado. O mandato para o qual os classistas foram nomeados, para a sua plenitude, exige atividade jurisdicional. Aliás, a Emenda Constitucional não falou em afastamento porque tal figura é inteiramente estranha. No caso, não se pode falar em disponibilidade, eis que disponibilidade pressupõe a possibilidade de retorno, o que fica inteiramente descartado por força da extinção da Representação Classista.
Extinta a paridade, porque extinta a própria representação classista, os mandatos deveriam, no caso de descompasso entre eles, prosseguir até a exaustão, porém na sua plenitude, ou seja, com a função judicante.
Até aqui, não tomei conhecimento de nenhum classista que esteja nessa esdrúxula situação tenha buscado arrimo no Judiciário, contentes, talvez, com a “incômoda” posição de ganhar dinheiro sem fazer força , no entanto, bem que gostaria de ver uma ação colimando a definição do imbróglio.
Mas, como procuramos demonstrar no início, vivemos tempos difíceis. Os conceitos aprendidos ao tempo da Faculdade, com as luzes estroboscópicas e o alarido das “modernosas” teses e teorias, ofuscam até as mentes mais privilegiadas, que parecem entorpecidas pelas mentiras disparadas erraticamente para destruir as verdades.
No entanto, bruxoleante, as vezes, tímida, outras tantas, ao final do túnel escuro, como pequeninas mas inapagáveis lâmpadas votivas, pirilampeiam os lumes das verdades essenciais, que os incautos defensores da anarquia e da desordem tanto odeiam. Tais lumes, quando deles nos aproximamos, queimam, crestam, sideram.
São luzes que se confundem com a esperança de ver restabelecido no nosso país o primado da ordem e do respeito à Constituição.
Tais luzes, magicamente, possuem voz. Falam por elas os luminares da Pátria, que nos ensinaram a respeitar as leis e a compreender a Constituição como arcabouço de toda nossa estrutura jurídica.
Dentre tais vozes, por sua estatura e o respeito que sempre mereceu dos seus alunos, posso destacar a de Paulo Bonavides, sempre atual, sempre combativo, sempre alerta, vociferando contra a baderna reinante com um verbo flamejante que há de repercutir pelos tempos vindouros:
“Minhas senhoras, meus senhores! Sem Justiça e sem Constituição não se governa nem se alcança a legitimidade.; sem igualdade o Direito é privilégio social, sem liberdade a cidadania é cadáver, a lei é decreto do despotismo, a autoridade braço da força que oprime e a segurança jurídica argumento da razão de Estado, absolvendo a anistiando os crimes do poder.
Perdendo o Poder Executivo a dignidade de seus deveres constitucionais, é executivo perjuro, Executivo que faz retrair o país à anarquia, que fomenta o caos, a desordem institucional, a insegurança.; Executivo que descumpre sentenças judiciais e numa violência sem precedentes nos anais da República e do Império desrespeita o direito adquirido e a coisa julgada.; Executivo que não observa o princípio da separação e harmonia dos Poderes.; Executivo enfim, que não combate a corrupção e desampara os valores, os princípios, os padrões éticos da organização política e social.”
A luta pelo respeito à Constituição e, através dele, a observância do princípio da irretroatividade das leis, resguardando o direito adquirido, deve ser uma militância infatigável de todos os operadores do direito, mais que deles, dos que desejam uma pátria realmente fraterna, cuja sociedade desfrute do lídimo Estado Democrático de Direito.
V CONCLUSÃO
O trabalho, numa visão inicial, procurou trazer, pelo menos sob a ótica do autor, o quadro geral em que se situa, principalmente nos países do chamado Terceiro Mundo, o Direito, de modo geral, e o Direito Adquirido, de modo particular. As dificuldades trazidas pelo fenômeno da globalização da economia, o desrespeito flagrante do Executivo hipertrofiado às ordens judiciais, negando a Justiça, violando o Direito Adquirido.
A usura internacional, com ambição ilimitada, impõe um novo tipo de colonialismo, cada vez mais cruel, sacrificando milhares de pessoas a uma “vida” miserável onde a inanição, a ignorância e a promiscuidade campeiam dramaticamente.
Historicamente, o ordenamento jurídico de nosso país tem erigido o princípio da irretroatividade das leis como uma forma de segurança jurídica, respeitando o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.
Mas, com a “apatia e a inércia” do Poder Legislativo e a conivência reverencial inexplicável do Poder Judiciário, o Poder Executivo legisla por meio de Medidas Provisórias, violentando a Constituição, maculando as situações juridicamente consolidadas como um autêntico rolo compressor.
No caso dos juízes classistas, houve evidente descompasso entre a Emenda Constitucional n. 24, que extinguiu a representação classista, porém assegurou o cumprimento dos mandatos daqueles já em andamento, e a Resolução Administrativa 665/99, do TST, que criou o “afastamento” dos juízes classistas com mandato descompassados, violando-lhes o direito adquirido constitucionalmente garantido.
A própria Constituição, num mecanismo de autodefesa, traça o balizamento das reformas e, através das chamadas cláusulas pétreas, limita o poder de reforma, como uma garantia da sobrevivência das pilastras básicas do estado Nacional.
É necessário manter uma vigilância permanente a fim de garantir aquilo que está assegurado na Constituição, ou seremos todos perjuros.
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