Em sua eterna luta pela sobrevivência, o Homem criou o Direito com o escopo de regular minimamente as relações internas de um grupamento social, para perpetuação do próprio indivíduo e da própria comunidade que, na ausência dessa normatização, estariam entregues à barbárie.
Segundo o filósofo alemão Nietzsche, o Homem é um animal lúdico, que necessita de “passatempos” para evitar mergulhar no mundo perigoso do tédio, um encontro consigo mesmo. É na busca dessas “brincadeiras” que surge a sanha pela quebra das regras acordadas, emergindo daí o instituto da punição. Aliás, no templo de Apolo em Delfos, na antiga Grécia, no qual estava aposta a famosa máxima “Conhece-te a ti mesmo”, havia um segundo aforismo, pouco propagandeado, demonstrando essa preocupação em conter o Homem na busca de seus interesses: “Nada em excesso”.
No intuito de controlar o seu próprio ímpeto, e excessos, o Homem criou o Estado, um ente abstrato dotado de legitimação para agir, inclusive com violência, em prol do bem-estar da comunidade. Na atualidade, caracterizada pela extrema complexidade das sociedades, o Estado aprimorou o seu papel e passou também a reproduzir a ideologia dominante, morigerando os indivíduos conforme os preceitos sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos das classes dominantes ocupantes do topo da divisão social do trabalho. É o Estado, como sujeito de manutenção do “status quo”, colocando-se como o emissor legitimado das leis e protetor dos bons costumes, sendo que estes não são necessariamente “bons”, mas que assim os indivíduos houveram por chamá-los, não obstante o fato de que tais “bons” costumes sejam a projeção da dominação de um grupo e a concomitante subserviência de outro. Com o esgotamento das práticas consuetudinárias, o Estado cada vez mais é chamado para dar o seu crivo aos embates sociais, o que explica, em nosso país, a enorme quantidade de leis, regulando até detalhes pusilânimes de nosso cotidiano, e a avalanche de processos distribuídos perante o Poder Judiciário, tornando-o ineficiente.
Para contrabalançar todo esse poder estatal, surge o indivíduo em perpétua mutação, como sujeito de reivindicações e criador de novas formas de convivência. À linguagem do legislador, advém o papel do jurista, como ampliador e sistematizador daquela, criando um verdadeiro sistema de pesos e contrapesos no jogo semiótico em que indivíduo e Estado revezam-se no papel de sujeito, ou simplesmente jogam como parceiros, ou interlocutores. Não importa, pois é desse entrelaçamento que resulta a sociedade tal como ela é.
No seu eterno devir, o Homem tem sabido aprimorar o seu instrumental argumentativo para fazer valer as suas idéias, diante dos seus iguais. Que o diga o desenvolvimento da semiologia, da retórica e da dialética! A arte da sedução é a arte de manipular o outro em benefício próprio, através do falseamento da realidade, do jogo de palavras, da construção de um cenário imaginário capaz de convencer o interlocutor. Sócrates acreditava que a Justiça seria alcançada através do bem e da virtude mas, passados mais de dois mil anos, quantas atrocidades foram cometidas em nome do bem e da virtude? É exatamente no campo do juízo valorativo que se encontra a resposta. É importante mencionar o caráter singular da democracia grega, que reunia algumas centenas de pessoas numa assembléia pública para discutir questões de relevância para a pólis. As discussões eram acirradas e demonstram o importante papel da oratória como instrumento de decisão acerca da coisa pública.
Enfim, o Direito está irremediavelmente condenado ao combate entre a razão e a subjetividade. Se predomina o primeiro, é ciência.; predominando o segundo, é arte. E é nessa região tênue que o profissional militante da ciência jurídica deve se esgueirar, consciente dos instrumentos sub-reptícios da comunicação eventualmente utilizados na solução de um dilema jurídico, e de que o seu papel primordial é colaborar para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.
|