Que o Brasil acumula imensa dívida para com os nossos irmãos de raça negra, não tenho dúvidas. Mas isto é apenas um lado do problema. O que é forçoso concluir é que todas as minorias, neste país, são vítimas de discriminação. Por isso, considero equivocadas as propostas de reserva de vagas para os brasileiros de raça negra, tanto para o ingresso em universidades, como para a ocupação de empregos na Administração Pública. Aliás, a proposta vai de encontro à Constituição Federal, que determina exatamente o contrário: a igualdade entre todos.
Em relação à reserva de cotas para vagas nas universidades, a proposta não deixa claro se os negros poderão disputar, em segunda chance, vagas destinadas aos candidatos de pele mais clara. Tudo indica que sim, configurando, portanto, odiosa discriminação. Há ainda a questão dos negros ricos, teoricamente melhor preparados, em função do alto poder aquisitivo de que desfrutam, e que, justamente por isso, deverão ser os principais beneficiários da medida. É de se esperar que este contingente de negros, em situação econômica superior aos demais , freqüentem escolas e cursos preparatórios de qualidade superior aos dos seus pares e, desse modo, venham a ocupar, se não todas, a maioria das vagas destinadas aos negros, de modo geral.
No meu modo de ver, o problema está mal colocado. Há, na verdade, um erro de origem. Um erro de equacionamento do problema. Além do mais, não se pode pretender resolver uma questão desta natureza, tão-somente expedindo decretos e baixando portarias.
Primeiro, porque o problema não se restringe a cor da pele. Depois, o governo precisa deixar de fazer demagogia, próximo das eleições, achando que toda a população é ignorante. Se o governo entende que está em dívida para com os negros, que ele pague esta dívida. A dívida é do governo. E, portanto, é ele quem tem de pagá-la. E não valer-se da discriminação contra a população, de modo geral, criando um arremedo de justiça que, na verdade, acarretará um efeito exatamente oposto ao que o governo pretende. Aumentará a discriminação entre os estudantes universitários. Em breve, teremos duas classes se digladiando nas universidades. E os negros serão, muito provavelmente, tratados como privilegiados e mais discriminados ainda.
Não adianta tentar mascarar a falta de competência, iludindo a população com alternativas de soluções demagógicas, calcadas na discriminação racial contra os negros. O problema não está, como vimos, na cor da pele. Está, sim, À FLOR DA PELE.
É mais de ordem econômica do que racial. É o pobre quem tem dificuldade de acesso às universidades, independente da cor de sua pele. E, ao que eu saiba, pobreza não tem cor.Tanto faz ser pobre - de raça branca ou negra - o tratamento deve e tem que ser igualitário.
A ex-senadora Benedita da Silva que o diga. Hoje, às suas custas, de favelada passou a ser governadora de uma das mais importantes cidades deste país, o Rio de Janeiro. É bom exemplo para todos. Ninguém, a rigor, precisa de cotas que mais parecem esmolas. Depois, de que adianta formar pessoal com deficiência já na origem, no pressuposto de que eles irão ocupar, após esses estudos, os cargos mais relevantes deste país. Como garantir que um estudante com pouca qualidade em seus estudos, possa, ao final de um curso de Direito, por exemplo, passar num concurso para Juiz ?
O Ministério da Justiça, conforme divulgado pela imprensa, já vem adotando a reserva de vagas para negros, mulheres e deficientes físicos em empresas que prestam serviços aquele ministério. Segundo portaria que foi baixada neste sentido, aos negros e às mulheres seriam reservadas 20% das vagas.; aos deficientes físicos, 5%.
Se considerarmos, primeiramente, o critério de hierarquização das leis, pelo ordenamento jurídico vigente, uma portaria não poderia sobrepor-se a uma lei. E a lei 8.666, de 1993, a chamada Lei de Licitações e Contratos, proíbe, logo no seu artigo terceiro, parágrafo primeiro, inciso I, aos agentes públicos, "in verbis":
"I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade (...) ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato".
Pelo exposto, e salvo melhor juízo, ao contratar uma empresa prestadora de serviços de vigilância, por exemplo, o ministério obriga-se à observância do disposto na Lei de Licitações. Assim sendo, ao estabelecer cotas diferenciadas para negros, mulheres e deficientes físicos, no edital de licitação, objeto de uma licitação qualquer, o ministério estaria ferindo, flagrantemente, o disposto no citado artigo, posto que, a exigência se nos afigura impertinente e irrelevante para o específico objeto do contrato.
Outro problema específico da área de vigilância, levantada por alguns empresários, refere-se ao fato de que, nestas empresas, não existem, atualmente, dificuldades para a contratação de negros ou de mulheres. Nem há problemas com a escolaridade.
Nessas atividades, o empregado precisa, basicamente, gozar de boa saúde. Não se trata de preconceito. Um paraplégico, que pode muito bem ser bastante útil na área de informática, por exemplo, em relação ao setor de vigilância, não poderia ter o mesmo desempenho.
Mesmo em funções administrativas, em que os deficientes poderiam atuar com extrema competência, nas empresas de vigilância tal não seria exeqüível, posto que estas funções não representam 5% de reservas de vagas que passaram a ser exigidos pela nova portaria do Ministério da Justiça. É fácil concluir que, para as empresas contratarem empregados deficientes, na cota de 5%, na forma estabelecida pelo governo, para todos os contratos que firmassem com o governo, não seria possível. A menos que se quisesse premiar a ociosidade. Já que não haveria necessidade de tanta gente na área administrativa. E essas vagas, então, ficariam ociosas, já que elas estariam destinadas apenas aos deficientes físicos. Estaríamos, na verdade, contribuindo para aumentar os custos, com reflexos nos preços dos contratos.
Outra dificuldade, para por em prática estas medidas, foi levantada por empresários da área de informática. Argumentam eles que será muito difícil encontrar negros e deficientes físicos, devidamente qualificados e em quantidade suficiente para preencher todo o percentual de vagas que está lhes estão sendo reservadas.
Esta determinação, na verdade, acabaria por deixar estas empresas com o quadro de pessoal reduzido, embora com vagas existentes, mas sem poder preenchÊ-las, para não quebrar o percentual de reservas. Isto deixaria as empresas de mãos atadas, sem condições de dar fiel cumprimento às suas obrigações, por falta de pessoal, por exemplo, em outras áreas, mas que não poderiam recrutá-los, já que as vagas estariam reservadas para outro tipo especial de empregado.
E os empresários têm razão. Não se pode fazer assistencialismo e contratar negros, mulheres e deficientes, sem qualificação, apenas para cumprir uma portaria. Não se coadunam, tais medidas, com as regras de mercado e do capitalismo. Há que observar as regras de administração de negócios. E as regras de mercado, evidentemente, incluem custos diretos, indiretos, lucros e preços, investimentos, capital de giro, e assim por diante. Mais uma vez se comprova que as dificuldades de acesso ao mercado do trabalho, tanto para negros como para brancos, não reside na cor da pele, nem na situação.
As barreiras, portanto, para a ascensão social, não são de ordem racial. Estão restritas às áreas econômicas - falta de empregos, má distribuição de renda, falta de escolas públicas de boa qualidade , falta de assistência médica preventiva e curativa, má alimentação, interagindo com as deficiências de renda e de emprego, habitação, segurança, transporte, enfim, o dever de casa que o governo não consegue por em dia.
Finalmente, outro mito é o de que existe discriminação entre os negros e as mulheres em relação aos salários. Pode até ser que exista, em um ou outro caso.
Primeiro porque, em se tratando da maioria dos trabalhadores, por lei, ninguém pode ganhar menos do que o salário mínimo. Se alguém está com renda inferior ao salário mínimo o problema não é de discriminação mas, sim, de ilegalidade.
Segundo, os valores das cargos públicos são fixados por lei e iguais para todos. E o acesso a esses cargos, nos termos da Constituição, se dá pela via do sistema do mérito, ou seja, da prévia habilitação em concurso público, do qual podem participar todos os brasileiros, em igualdade de condições. Não vemos, até agora, qualquer diferença em termos de remuneração. Onde estaria a discriminação?
Quem, agora, está querendo introduzir a discriminação é o próprio governo.
Fica difícil conceber que uma empresa possa pagar um salário mais alto a um empregado de cor branca, mesmo que este empregado tenha desempenho profissional inferior ao de outro empregado, na mesma função, só pelo fato deste outro ser negro. Ou então, chego a duvidar que uma empresa do setor de vigilância possa dar preferência à contratação de um empregado branco, ao invés de um negro, mesmo que o branco possua piores condições de saúde física. Há muita hipocrisia e cinismo na história.
Dizer que os negros recebem 65% dos salários dos brancos e que os brancos ganham, em média, por mês, R$1.317,50, enquanto os pardos e pretos ganham R$ 865,50, também não me parece verdadeiro. Carece de provas. É mais um jogo estatístico.
Finalmente, voltamos a insistir na tese de que o problema menor que, a rigor, acabará por inviabilizar toda a pretensão do governo, é a de quem e de que forma será decidido a questão da qualificação das pessoas como sendo da raça negra, parda, morena, branca, amarela, e assim por diante.
Melhor faria o governo se elaborasse um programa de aprimoramento da qualidade do ensino público, melorando a distribuição da renda, aumentando o nível de emprego, ie criando melhores condições de assistência à saúde e de ascensão social para todos os brasileiros. Domingos Oliveira Medeiros - Pelo 13 de maio de 2002
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