A RESPONSABILIDADE PELA COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS NOCIVOS À SAÚDE. A PUBLICIDADE COMO FONTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZATÓRIA.
A ética na publicidade coloca-se como tema multidisciplinar e está ligado de forma umbilical ao direito do consumidor. A publicidade invade nossa vida de forma direta e indireta, clara e subliminar, afetando-nos a todo o momento, alterando nossos conceitos e até mesmo hábitos.
A legislação não teve a coragem de impedir a propaganda dos produtos nocivos à saúde, seja de forma clara ou subliminar. Em verdade, inexiste na legislação menção à propaganda. Apenas a oferta e a publicidade foram tratadas no Código de Defesa do Consumidor. Para todos os efeitos, trataremos da propaganda como sinônimo de publicidade, apesar de termos conhecimento de que a primeira possui conceito mais amplo. Pode-se falar em propaganda política ou ideológica, mas não em publicidade nestes casos, que se limita normalmente ao comércio.
Alguns produtos nocivos à saúde, como o fumo e o álcool, não são apenas objeto de publicidade, não são simplesmente colocados no mercado e anunciados. São erigidos a símbolos de sucesso em uma sociedade na qual seus membros estão ávidos por afirmação. A publicidade, seja aberta ou subliminar, liga-os à juventude, à beleza, ao sucesso pessoal, às vitórias esportivas (cúmulo do absurdo), e ao que mais surja de valoroso em termos psicológicos. É mais que publicidade. É propaganda no sentido da venda de uma idéia, não simplesmente de um produto. Nos programas televisivos o que se vê é um verdadeiro bombardeio de mensagens subliminares a estabelecerem na mente do consumidor uma ligação automática entre o produto e o status que este deseja possuir, ainda que seja inalcançável.
Recentemente foi ao ar programa de grande sucesso que serve como uma luva para reforçar a tese aqui esposada. Na série televisiva denominada “Presença de Anita”, o protagonista, homem de meia idade, partícipe de um triângulo amoroso com duas lindas mulheres, não parava de fumar e consumir álcool, ostentando, contudo, apetite e força sexual de um jovem de vinte anos. Maior propaganda enganosa, impossível.
Além de nocivos são produtos desnecessários. Todos podemos passar uma vida sem o fumo ou o álcool. Bastaria que não tivéssemos jamais contato com eles. A propaganda torna isso impossível na prática.
Tomemos como exemplo o fumo. Durante décadas o cinema americano disseminou pelo mundo o hábito de fumar. No início da indústria cinematográfica certamente não havia intenções menos nobres por detrás do “charme” ressaltado pelos galãs de acender e fumar um cigarro, até porque o fumo não estava ainda marcado pelo espectro da decadência física. Hoje, cigarros, carros, bebidas, etc.., são objetos de propaganda simplesmente colocando-os em uso pelos personagens. Aliás, esse tipo de publicidade não respeita o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que inexiste qualquer informação sobre o produto. É a propaganda pura e simples, sem os esclarecimentos exigidos pelo artigo 31 do referido diploma legal.
As novelas televisivas, por seu turno, são a maior fonte de contágio cultural da nossa sociedade. Alcançam milhões de telespectadores, de todas as classes sociais, mas principalmente os menos favorecidos socialmente e, portanto, culturalmente, sempre na busca de válvulas de escape da realidade opressora e desinteressante do dia-a-dia. Crianças, adolescentes e adultos são colocados em contato com situações altamente reprováveis sobre o aspecto ético e hábitos contrários aos mais comezinhos princípios da vida saudável, sem que haja a menor preocupação com o contágio cultural, principalmente em relação aos jovens, mais propensos à imitação.
No Brasil não há decisões que abordem a responsabilidade daqueles que veiculam a propaganda e dos que dela auferem lucros com a venda dos produtos nocivos expostos ao público. O livre arbítrio dos consumidores sempre é lembrado quando se aborda tão discutido tema.
Analisando pelo prisma da propaganda veiculada, o livre arbítrio simplesmente não existe. O jovem é bombardeado por informações que ligam os produtos nocivos a tudo aquilo que mais almejam.; beleza, liberdade, sucesso. Na fase da vida na qual os desejos superam a razão, em que o instinto sobrepuja o equilíbrio, na qual a impetuosidade leva vantagem sobre a prudência e prevalece a sensação de imortalidade e invulnerabilidade, não se pode esperar que o jovem consumidor faça uma escolha consciente. É exatamente com isso que contam as empresas que comercializam o fumo. Toda a propaganda por ela produzida é voltada ao público jovem, que uma vez viciado encontrará imensa dificuldade para se livrar da duvidosa fonte de prazer. O homem maduro dificilmente cairá na esparrela. A teoria do risco-proveito deve ser aplicada na sua plenitude em tais casos. Aquele que obtém lucros com uma determinada atividade empresarial deve arcar com os riscos e indenizar os que sofrerem eventuais conseqüências nefastas causadas por ela. Nos parece que o viés da publicidade é o ponto nodal dessa responsabilidade civil que vem sendo paulatinamente reconhecida pelo direito.
A responsabilidade em questão deve ser estabelecida em padrões individuais e sociais. Os empresários dos setores ligados à comercialização do fumo e do álcool e aqueles que lucram com a publicidade em torno deles devem auxiliar o estado nas despesas com o tratamento dos males causados pelos produtos que vendem. Algo em torno de cinqüenta por cento dos leitos do SUS são ocupados por pacientes com doenças ligadas a esses dois males. Esse nos parece um o argumento imbatível.