O ESTUPRO
Sou um estuprador...
Parece um crime inconfessável, mas eu me justifico antes, como vítima.
Os traumas são enormes. Horríveis... Tanto que aquilo que para as pessoas é um prazer natural de um apetite também natural, é para mim, uma enorme dor, e a volta de lembranças inesquecíveis que tenho ainda, por mais que tenha tentado me desvencilhar delas.
Hoje mesmo, passei pela experiência. É assim que acontece:
Eu tenho meus apetites, porque somos feitos assim, mas quando vou provar aquilo que eu desejo, voltam as lembranças daquela dor enorme, daqueles momentos que tento esquecer a todo custo. Do momento em que à força, me dobrei, e num último esforço, tentei até gostar, para que a dor não fosse tanta.
Passei a maior parte da minha vida escondendo que fui uma vítima. Mas não pude me calar mais, porque sei que são muitas, as vítimas que se calam como eu me calei, e sofrem as enormes conseqüências...
Sei que o leitor a princípio nega, mas já foi estuprado também. Não conheço quem não tenha sido. E sei que é vergonhoso confessar, mas quem é que escapou de sofrer a tortura do estupro literário? Quem é que não leu alguma coisa à força? Quem é que a professora não forçou a ler um texto que não queria, para tirar a nota? Quem é que não foi forçado a engolir alimento sólido, quando nem dentes tinha, e só podia ingerir leite?...
E em casa? Quem é que não sofreu as reprimendas dos pais porque tirou uma nota baixa? Nem gosto de lembrar dos gritos:
_ Vá já pro seu quarto!...
O que se segue, todos já conhecem. Estupro. Ser forçado a fazer o que todos dizem que é um prazer, mas que para mim era, e é uma dor.
Os meus estupradores foram todos. Meus professores, minha mãe, meu pai, e todos os que diziam que me amavam. É por isso que hoje odeio livros.
E novamente o bilhete escrito no quadro negro volta à minha mente, como um terror:
" Leia e resuma o texto! "
E o questionário depois?...
Eu não posso me livrar de toda a tortura que seguia. A mesma posição... e depois, o corpo todo dolorido... doente. Sem vontade de mais nada. Sem nunca mais querer ver um livro em minha frente. Com vontade de morrer.
E tenho que confessar, como prometi. Já estuprei também. Com muita vergonha tenho que dizer, que estuprei a muitos... Eu também usava o mesmo argumento do amor, para fazer o mal aos indefesos. Não fiquem assustados, mas fiz com meus próprios filhos. Forcei-os... Pensava estar fazendo o bem a eles. Hoje, choro de lembrar...
**
Adelmario Sampaio
|
