O juiz e os compadres
Quantos condenados por crime contra o sistema financeiro ou falimentar estão presos? Quantos advogados são condenados por litigância de má-fé?
João Luís Nogueira Matias
Juiz Federal
Publicado no jornal O POVO, dia 22 de novembro de 2003
A sociedade brasileira, em pesquisa recente, demonstrou elevado grau de desconfiança no Poder Judiciário, o que merece algumas considerações.
Somos, aproximadamente, 1.200 juízes federais em todo o Brasil. Para a maioria deles, é ótimo que a sociedade decida debater o Poder Judiciário: quem são seus juízes e o que fazem, tema que, durante muitos anos, parecia proibido.
O momento é oportuno para a discussão, não apenas pelos recentes escândalos envolvendo magistrados, mas também pela iminência da tramitação da reforma do Judiciário no Congresso Nacional. O debate deverá afastar qualquer caráter corporativista, pois estamos diante da primeira, e talvez única, oportunidade de transformar o perfil do Poder Judiciário ao longo da história do Estado brasileiro.
Deve ser considerado, também, que o Poder Judiciário é reflexo da sociedade, os juízes não são seres de outro planeta que, em missão divina, são deslocados para o exercício de suas funções. São forjados moralmente no mesmo campo em que florescem os advogados, senadores, deputados, jornalistas, economistas, médicos, etc. São seres humanos, sujeitos a falhas, influências e tentações.
Um dos principais desvios de atuação do Poder Judiciário, atualmente, é a relação de compadrio com os setores sociais mais influentes, caminho aberto para o tráfico de influência. Não defendo que o juiz deva se encastelar e decidir alheio ao mundo exterior, mas é preciso que a estrutura do poder seja remodelada, a fim de minorar os efeitos das relações espúrias, traçadas em finas teias. É de se perguntar: quantos condenados por crime contra o sistema financeiro ou falimentar estão presos? Quantos advogados, dos que pensam que tudo podem fazer para assegurar aos seus clientes a vitória em suas causas, são condenados por litigância de má-fé ou estão afastados do exercício de suas funções?
É hora de repensar o Poder Judiciário, de criar as condições para acabar com a justiça do compadrio, dos favores e da corrupção. É necessário democratizá-lo, evitar as influências externas nas promoções de magistrados e na administração da Justiça. Deve-se permitir ao magistrado decidir de acordo com suas convicções e consciência, assim haverá esperança de que a lei seja aplicada para todos, de que alguém detentor de muitos recursos e bons advogados, por exemplo, possa ser preso.
Esperamos que do debate possa resultar um Poder Judiciário melhor, mais próximo do povo, que possibilite a punição da minoria de bandidos, travestidos de magistrados, que fraudam a distribuição dos processos, exercem tráfico de influência ou vendem sentenças.
João Luís Nogueira Matias é juiz federal da 9ª Vara em Fortaleza, doutor em Direito e delegado da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) no Ceará
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