É urgente a constituição da CPI do Judiciário em nosso Estado, que possa investigar as suspeitas lançadas sobre a conduta de alguns magistrados
José Guimarães é advogado, deputado estadual, e líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembléia Legislativa do Ceará
Publicado no jornal O POVO, dia 03 de maio de 2003
O necessário debate sobre o Judiciário e a importância de suas instituições para a efetivação dos direitos fundamentais no Estado Democrático brasileiro tem sido historicamente postergado, a despeito da centralidade que o poder Judiciário tem adquirido na sociedade brasileira a partir da promulgação da Constituição de 1988. A distância abissal entre os enunciados contidos em nosso ordenamento jurídico - voltados para previsão de direitos civis, políticos e sociais - e a realidade cotidiana de nossas instituições judiciárias, configura-se como um pesado óbice para a plena instauração de um processo de radical democratização do poder no Brasil.
O Judiciário, no Ceará e no Brasil, sempre teve um papel conservador, ao contribuir para manutenção e preservação das estruturas e interesses oligárquicos, desde a Monarquia até a República. As dificuldades de acesso das maiorias às instituições judiciárias, já fartamente tematizada por inúmeros estudiosos do Direito e de outras áreas do pensamento social, possuem várias causas. A primeira delas decorre da formação dogmática recebida por grande parte dos juristas, ainda presos a uma visão obsoleta da natureza dos conflitos e das demandas provenientes de uma sociedade contemporânea, como é a sociedade brasileira.
O desprezo devotado por alguns juízes a demandas que se apresentem por meio de provocação de sujeitos coletivos é um bom exemplo dos a prioris liberais que marcam a leitura desses magistrados da realidade social que os cerca. Outro aspecto que também poderíamos mencionar, como um dos fatores decisivos na manutenção do divórcio do Poder Judiciário com a maior parte da sociedade civil, são os nexos orgânicos de classe que muitos dos juízes contraem com os interesses plutocráticos estabelecidos, distanciando-se das reivindicações dos de baixo . Acresça-se a isso, segundo as reflexões de José Albuquerque Rocha, em seu Estudos sobre o Poder Judiciário, o sentido antidemocrático com que o Poder Judiciário se organiza internamente - no âmbito das relações das cúpulas judiciárias com os magistrados de primeiro grau - e na esfera externa, na sua relação com o povo.
No caso específico do Ceará, tal realidade torna-se ainda mais grave, dado que as denúncias de corrupção, de práticas irregulares por parte de magistrados - especialmente de denúncias envolvendo desembargadores - adquiriu uma dimensão escandalosa, absolutamente inaceitável em um Estado Democrático de Direito. Há tempos, a sociedade civil cearense, bem como, um grupo de juízes comprometidos com a renovação do Judiciário, vem dando publicidade a ocorrência de fatos lesivos à moralidade administrativa no âmbito de nossas estruturas judiciárias, sem que um processo de apuração e punição dos ilícitos tenha se concretizado à altura das exigências da cidadania.
Daí a necessidade urgente e inadiável da imediata constituição da CPI do Judiciário em nosso Estado que possa funcionar como eficaz mecanismo de investigação das denúncias em tela e prestação de contas pública à cidadania sobre as suspeitas lançadas em relação à conduta de alguns magistrados cearenses. Investigação que não pode, nem deve ficar cingido aos atos de alguns poucos magistrados, mas que precisa se estender para a análise do conjunto das denúncias atinentes a todos os membros do Judiciário que porventura recaiam dúvidas ou suspeições sobre a lisura e a legalidade de seus atos.