PAULO EDUARDO MENDES, Juiz de Direito e jornalista
Publicado no jornal Diário do Nordeste, dia 3 de maio de 2003
As linhas que se seguem vêm em estilo de recado. Espécie de "carta aberta"
ao presidente da República. Forma lídima de dizer que sou juiz há 31 anos.
Não conhecia a "Caixa-Preta da Justiça". Confesso. Agora digo que a
curiosidade "me pegou". Pé ante pé, fui vê-la. Pasmem! Após busca cautelosa.
Medrosa mesmo. Medo de encontrar as mazelas decantadas... Constatar a
existência de focos deletéricos do Poder Judiciário, seria o fim! O que lá
encontrei?
Liberei a tranca. Levantei a tampa. Mirei o conteúdo! Lá estava um mundo de
coisas. Bagagem imprestável para usá-la, no propósito de mudanças. De
repente, a reforma do Judiciário não vem atingir seu escopo. Querem usar a
"caixa-preta" para apagar ou desviar o doce mistério da grandeza que ainda
paira em torno dos atos de Thêmis. A Deusa da Justiça sendo maculada na sua
divindade de ser impoluta. Quebrar a harmonia da pureza que permanece nos
atos restauradores da dignidade humana. A Justiça queda-se no devaneio de
que todos são iguais diante das leis. Leis que jorram, lamentavelmente, de
torneiras sem filtro. Nenhuma depuração na limpeza dos costumes. Falsa moral
tentando alterar o rumo dos fatos.
Nós, juízes, somos responsáveis pelo avanço irrefletido das críticas.
Deixamos correr o barco da insensatez, permitindo que se guarde, na
"caixa-preta", o silêncio! Calamos ante as sandices políticas. Merecemos as
palavras do presidente da República que, na sua ingenuidade, age como gente
do povo a querer respostas rápidas. Ele, como eu, está estarrecido com a
existência da "caixa-preta". Lá, contudo, vai-se encontrar a necessidade de
usar firmemente o controle interno, com o aval da coragem de dizer tudo. Não
calar quando o assunto merecer explicação. Dizer a verdade, sem deixar
embaixo do tapete o lixo residual da poeira da insatisfação que mexe com os
nervos de um povo aflito.
Ao escancarar a "caixa-preta", vamos ousar dizer que reconhecemos a
necessidade de reformar o Judiciário, dando-lhe a autonomia da liberdade de
expressão. Nada de lei que emudece o juiz ou o promotor como agentes
operacionais da máquina da Justiça. Nada mais sórdido que a lei do silêncio.
Abrir o verbo e declinar o uso indevido da prudência que não acautela. É
preciso agir. Mostrar que a "caixa-preta" não é do Judiciário. É do momento
que atravessamos. É o uso, mau uso, da gaveta para guardados que não se
prestam a arquivos decentes. "Caixa-preta" ou de "Pandora" é fantasia de
retórica. Nenhum juiz do mundo teme as caixas de surpresas ao saber que
nelas estão depositadas as últimas esperanças de tornar diáfano os anseios
de Justiça. Só nos resta concordar com o Lula, por saber que ele é o
porta-voz da Presidência da República, ou seja, do povo que o elegeu. É o
nosso presidente. O presidente do Brasil. O meu presidente...
Na verdade, Lula, Vossa Excelência é o presidente. Lembre-se. Adote, como
vem adotando, a moralidade como regra básica de tudo o que faz e não vá
buscar, no fundo do poço, a lama que já arrebenta a tampa do baú das
incertezas. Apenas a título de ilustração: a administração honesta do que se
arrecada é a fonte que pode fazer jorrar a água pura capaz de lavar a
"caixa-preta", escoimando-a de toda a sujeira que aí está e que não serve,
sequer, parar guardar frase de efeito, quanto mais para inspirar "controle
externo para a magistratura".
A confiança e a esperança são as formas que me acompanham neste final de
correspondência aberta, sem usar a caixa postal. Chega de caixas!