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Textos_Juridicos-->LIBERDADE E AGIR MORAL NA FILOSFIA DO DIREITO DE HEGEL -- 12/03/2003 - 21:37 (Sidinei Cruz Sobrinho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O EXERCÍCIO DE LIBERDADE NO AGIR MORAL NOS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO DIREITO DE G. W. F. HEGEL.





Sidinei Cruz Sobrinho








Passo Fundo, outubro de 2001













Dedico este trabalho aos seres dotados de racionalidade, principalmente àqueles que a exercem para o bem da humanidade.







































“O pensamento é a arma mais poderosa que Deus deu ao homem, e com ela se abatem os inimigos, se quebra o ferro, se doma o fogo, se vence por esta força irresistível e providencial que manda ao espírito dominar a matéria”. (José de Alencar)

“O homem não é livre de escolher entre viver ou não viver, mas é livre de optar por viver ou não de acordo com as normas da moral, ou seja, pode escolher viver segundo a virtude ou arrastado pelo vício”. (Platão)

“A moralidade contém o princípio: Tem em tua conduta, a intuição de ti mesmo como de uma essência livre” . (Hegel)






SUMÁRIO


INTRODUÇÃO.........................................................................................................08

I – FORMALISMO KANTIANO............................................................................13
1.1 – Desenvolvimento do Imperativo Categórico e a crítica de Hegel
ao mesmo.................................................................................................19
1.2 – Desdobramentos para o campo da responsabilidade, na Filosofia
do Direito ................................................................................................25

II – DETERMINAÇÕES DA MORALIDADE......................................................36
2.1 – Passagem da Lógica à Filosofia do Direito..............................................36
2.2 – Liberdade e Vontade................................................................................43
2.3 – Moralidade Subjetiva................................................................................45
2.4 – Moralidade Objetiva.................................................................................52
2.4.1 – “Substancialidade imediata”........................................................54
2.4.2 – “Estado de necessidades”.............................................................56
2.4.2 – “Realidade efetiva da liberdade concreta”...................................59

CONCLUSÃO...........................................................................................................69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................71












Introdução


Através do presente trabalho nos propomos a estudar breve e objetivamente o exercício de liberdade no agir moral. Para tal intento nos firmaremos basicamente na obra “Princípios da Filosofia do Direito” de G.W.F Hegel.

O cenário social da Alemanha na passagem do século XVIII – XIX foi marcado por uma grande crise. Desde então a filosofia clássica alemã buscou fazer com que houvesse uma reorganização do Estado e da sociedade em bases racionais, de modo que as instituições sociais e políticas se ajustassem à liberdade e aos interesses dos indivíduos. E, dentre vários pensadores desta época, podemos destacar Hegel como sendo “a última grande expressão deste idealismo cultural”. Com base nestas afirmações é que podemos dizer que se faz necessário resgatar esta busca da liberdade ajustada às instituições sociais e políticas. Isto porque nossa época também está marcada por um cenário de crise. Pois, como bem o percebemos, há uma clara desestruturalização do Estado de modo tal que as instituições sociais e políticas não estão ajustadas nem entre si e tão pouco à liberdade e aos interesses dos indivíduos. Parece-nos que está faltando aquela racionalidade solidificadora do Estado e da sociedade, como se pretendeu aplicar ao cenário alemão no final do século XVIII, inícios do século XIX. O exercício de liberdade de grande parte de nossa sociedade, revela não coincidir com a “vontade universal” e está longe de haver alguma eticidade e, portanto verdadeira liberdade na ação dos indivíduos.

O problema da liberdade sempre esteve presente como importante questão discutida pelos filósofos. Hegel certamente não foi exceção, pois trás presente em toda a sua filosofia o problema da liberdade, principalmente no que tange ao campo da ética. Embora trate a respeito da liberdade em outras de suas obras, é na Filosofia do Direito que ele apresentará a concretização da liberdade no desenvolvimento da sociedade, apontando o processo pelo qual o indivíduo busca o exercício de sua liberdade em relação aos demais no agir moralmente e no respeitar os princípios éticos que possibilitam, ou ao menos deveriam possibilitar, a harmonia na sociedade.

Em sua obra “Princípios da Filosofia do Direito”, Hegel mostra como a liberdade, enquanto idéia filosófica, concretiza-se em nível das estruturas jurídicas,. Resta-nos então saber como se dá o processo que possibilita a concretização da liberdade nestas estruturas. Para isto Hegel divide sua obra em três partes: Direito Abstrato, Moralidade Subjetiva, Moralidade Objetiva.

De acordo com a estrutura da Lógica, Hegel começa a filosofia do espírito objetivo com o Direito Abstrato. Este apresenta formas imediatas de realização da idéia da liberdade. Estas formas são indeterminadas pois ainda não aconteceu o processo de mediação social. Mas, não é nosso escopo tratarmos com maior relevância esta questão no decorrer do trabalho.

As outras duas divisões da Filosofia do Direito tratam da moralidade e da eticidade. A moralidade está voltada à autodeterminação da vontade livre, dos propósitos e intenções que movem o indivíduo. Trata das condições da responsabilidade subjetiva. A vontade reconhece como seu somente aquilo que sabia e aquilo que queria fazer. Nesta questão veremos como Hegel tratará da intenção e das conseqüências do agir. Por fim, veremos a eticidade, que por sua vez demonstra o processo de mediação social da liberdade, das relações objetivas e da dimensão supraindividual. É na eticidade que se realiza o conceito do Direito como existência da liberdade consciente de si.

A filosofia de Hegel parte basicamente de uma ruptura com a filosofia kantiana. Esta, no âmbito da moral, propunha uma moralidade centralizada na subjetividade. Kant põe como critério para responsabilizar uma pessoa a intenção do ato exercido por esta pessoa. Hegel, por sua vez, procura uma fundamentação lógica ou racional que se dá nas figuras da moralidade subjetiva (moralidade) e da moralidade objetiva (eticidade), que se concretizam na família, na sociedade civil e no Estado. Por considerarmos de grande importância a compreensão desta ruptura entre Kant e Hegel que, como veremos não é completa no modo de pensar referente à moralidade, elaboramos o primeiro capítulo desta pesquisa basicamente sobre o Formalismo Kantiano. É na compreensão deste e do desenvolvimento do imperativo categórico que poderemos compreender a crítica de Hegel. Por conseguinte, também nos será possível acompanhar o desdobramento da ação para o campo da responsabilidade, agora na Filosofia do Direito.

Hegel proporciona a cada indivíduo a dimensão de uma liberdade subjetiva que dá o direito ao indivíduo de produzir-se como agente consciente do seu próprio processo de determinação de si. Ser moral é ser livre. Porém a moralidade subjetiva é limitada. O por quê de assim Hegel a considerar é o que discutiremos nos item 2.3- Moralidade Subjetiva, no segundo capítulo deste trabalho. Antes disso veremos brevemente a passagem da Lógica à Filosofia do Direito, dada a necessidade de uma compreensão ao menos limitada ainda que geral, da filosofia hegeliana. Outro ponto necessário a ser discutido, antes de propriamente adentrarmos na Filosofia do Direito, é o que diz respeito à liberdade e à vontade.

De acordo com Kant, também Hegel afirma que a autodeterminação da vontade é a raiz do dever e de que ser moral é ser racional, sendo a racionalidade o núcleo central da natureza humana. Daí perguntarmo-nos: que racionalidade fundamenta a nossa moralidade? Como é possível que a vontade se autodetermine? Qual é a influência que as inclinações.; desejos exercem sobre a liberdade e a vontade? A Eticidade, como veremos no item 2.4 – Moralidade objetiva e nos seus desdobramentos ( Família, Sociedade Civil, Estado), não se situa ao nível das opiniões subjetivas e caprichos pessoais, mas ao nível das instituições e das leis existentes em-si e para-si.

A questão básica que nos faz desenvolver esta reflexão se dá da seguinte maneira: De acordo com Hegel, minha vontade livre tem que ser livre mediada pela vontade do outro, a fim de se universalizar. Para que um princípio possa ser universalizado, tem que passar pelo processo de mediação social. Resulta daí, uma limitação das liberdades individuais, na medida do seu desdobramento e realização nas instituições sociais. Sendo assim, somente a liberdade individual é limitada? Haveria então a possibilidade de uma conciliação entre as vontades imediatas e a vontade universal, sem o sacrifício de uma das partes?


Impulsionados por tais questionamentos é que nos motivamos a escrever as simples páginas que seguem. Não prometemos respostas, apenas nos desafiamos, dentro dos nossos limites, a uma séria reflexão sobre o tema a que nos propomos estudar neste trabalho monográfico.






I – FORMALISMO KANTIANO



A possibilidade para a compreensão do desdobramento da moralidade e da eticidade hegeliana encontra-se basicamente na compreensão do Formalismo Kantiano. Ou seja, de modo algum nos é possível iniciar um estudo com mais afinco sobre o conceito de moral e ética em Hegel , sem que antes nos detenhamos sobre a pretensa universalização de uma norma moral como o quis fazer Kant, através do imperativo categórico.

Antes de tudo, é necessário que nos situemos no cenário histórico básico em que se desenvolvem os pensamentos filosóficos destes autores. Bem porque, a compreensão histórica dos acontecimentos é de extrema importância para a filosofia de Hegel, que será o autor ao qual daremos maior enfoque posterior ao estudo da moral kantiana, ou mais precisamente, do “ Vazio formalismo”, como afirma Hegel, em que esta moral decorre.

Porém, embora já termos afirmado a importância da contextualização histórica, o que levantaremos inicialmente será de forma breve. Pois temos como objetivo, apenas situar o momento histórico em que se encontram os filósofos em questão. Daí não entrarmos em maiores detalhes históricos da época.

De modo contrário à filosofia antiga e medieval, onde, respectivamente, o centro das atenções era o universo (kosmos) e Deus (theós), na filosofia moderna, o homem é o centro e onde a razão é o mestre.

Poderíamos dividir, de certa forma, a filosofia moderna em dois “períodos”: o 1º que inicia com a Renascença, marcando também o início da filosofia moderna, em 1453.; passando pelo Racionalismo – que creditava a razão como infinita – e terminando no Empirismo, por volta de 1700, - que afirma a razão como sendo limitada - . O 2º período iniciaria então em 1700 com o Iluminismo passando pelo Romantismo e culminando no Idealismo em 1831, marcando assim, com a morte de Hegel, o final da filosofia moderna.

Este período se caracteriza por mudanças radicais, em todos os setores da vida.; em nome do homem, governado pela razão, lançando-se rumo a um progresso que o libertará de todos os entraves, criando as nações regidas por liberdade, igualdade e fraternidade (é o horizonte utópico). Temos o sonho e a certeza de uma humanidade nova, livre de todos os obscurantismos a ser construída pelo mesmo homem, artífice de sua vida.

O pensamento filosófico oferece o “projeto” como Iluminismo aprofundado no seu aspecto afetivo particular pelo Romantismo e absolutizado como união de natureza e razão pelo Idealismo.

De modo geral, a modernidade foi marcada por constantes transformações no contexto político, econômico e social. São exemplos.; a Revolução francesa (1789) com as declaração dos direitos do homem e término do sistema feudal.; o início do socialismo (1821).; a Inglaterra começa a desenvolver uma nova maneira de produção e de ser que contrasta a estrutura feudal e mercantilista.; o homem cria a consciência de mudar a estrutura social.; começa a haver uma distinção entre religião natural e religião positiva. Estes e outros fatores desta época a identificam como um renascer, uma nova visão de humanidade e a busca da sua melhor concretização.

Certamente o que falamos sobre este momento histórico é pouco comparado a relevância desta época. Mas, de certa forma, já podemos identificar como o pensamento voltou-se mais ao homem e à sua racionalidade. Daí a necessidade de uma reorganização da sociedade em bases racionais para que o pudesse exercer sua liberdade dentro desta sociedade. Ora, com esta intenção, surgiram várias teorias filosóficas e muitas delas preocupando-se basicamente com a questão moral em que o homem se envolve, exercendo sua liberdade. Dentre estas teorias, nos deteremos, como já vimos no início deste capítulo sobre a moral kantiana como sendo, se assim a podemos chamar, uma passagem à moralidade e, consequentemente, ao desdobramento da eticidade hegeliana.

Kant, filho do Iluminismo, desenvolveu seu pensamento, tendo presente a autonomia da razão e a “maioridade” do homem. Na filosofia prática, a preocupação maior deste autor está em buscar e determinar um princípio último da moralidade.

Partindo de uma reflexão sobre a crítica da razão pura, identificamos que esta supõe a presença de um a priori nas ciências empíricas. Isto é, faz-se necessário que algo deva ser dado antes dos objetos do conhecimento. Já, no âmbito da razão prática, considerar a presença de um a priori é considerar que algo seja dado antes das ações do sujeito. Não podemos, segundo Kant, buscar um a priori nos objetos, eles só apresentam o particular e o contingente. Se pretendemos a necessidade e a universalidade, é preciso a razão ou o sujeito, pois a priori só é possível nestes. Mas, sendo assim, qual será então a função do a priori, sendo que ele está presente tanto na razão prática quanto na razão pura (bem porque ele só é possível na razão) e estas se diferenciam no modo em que são aplicadas?

Ora, em se tratando que pretendemos uma moral universal, exige-se que a razão que irá determinar a vontade do sujeito seja uma razão pura. Isto é, não pode estar presa se deixando influenciar pelos objetos. Pois, como vimos, estes são incapazes de proporcionar fundamentos para a universalidade.; estão apenas a particularidade e a contingência. Os princípios de uma razão pura são, necessariamente, a priori.

Porém, surgem-nos agora outros questionamentos. No cotidiano, vivemos envolvidos com objetos, com a particularidade e a contingência. Como será então possível que nossas ações não sofram influências dos objetos quando as determinamos? Quando Kant sugere que as normas morais devem ser universais e, portanto, determinadas apenas pela razão, está ele sugerindo que devemos viver junto aos objetos, porém agir determinados pela racionalidade sem que aqueles interfiram de nenhum modo em tal determinação? Isso, de certa forma, não significa contradição?

Estas questões certamente nos podem ser postas se não pensarmos em uma estrutura para podermos agir pensando o incondicionado sem cairmos em contradição, conforme a estrutura racional desenvolvida por Kant.

“Enquanto participante do mundo fenomênico (leis da causalidade natural), não sou livre. Estou submetido a essas leis. Posso e devo, contudo, pensar a liberdade, enquanto ao mesmo tempo sou parte do mundo inteligível. Ela (a liberdade) passa a ser uma idéia da razão. Deve ser possível pensar uma ação por vontade própria, por vontade autônoma, isto é, sem nenhum condicionamento externo.”


Começamos agora a perceber a possibilidade de pensarmos uma ação incondicionada. Primeiramente, Kant nos torna partícipes de dois mundos, um fenomênico e outro inteligível. Assim, há uma distinção entre o que é fenômeno e a coisa-em-si (númeno). O que é fenômeno, é aquilo que posso conhecer.; e númeno, é o que não posso conhecer. Essa distinção irá permitir que a liberdade seja pensada no campo da moralidade sem haver contradição. Haveria sim contradição se tomássemos os objetos como coisa-em-si. Pois, eles se apresentam sob diferentes aspectos. A coisa-em-si não a conhecemos, mas podemos pensá-la.

Outro motivo pelo qual não podemos recorrer à experiência para determinarmos um princípio de “dever ser” é que ela não é capaz de oferecer tal possibilidade à razão prática. Pela experiência, tudo o que saberemos é o que é. Ora, não é nosso escopo, nem foi o de Kant, determinar o que já é, mas o princípio último da moralidade, os princípios do “dever ser”.

A liberdade pode ser pensada, pois se é pessoa como partícipe do mundo inteligível, sou livre. Submetida à necessidade natural (mundo fenomênico), minha vontade não é livre. Mas, como veremos mais adiante, o primeiro mundo rege o segundo. Deste modo, é sim “possível pensar uma ação por vontade própria, por vontade autônoma, isto é, sem nenhum condicionamento”. Aliás, só dentro desta possibilidade é que será possível atribuir mérito moral de uma ação.

“A liberdade(...) não pode ser conhecida, mas deve poder ser pensada como condição de possibilidade de valor moral dos atos humanos. Ela, junto com a lei moral, constitui a moralidade como tal”.

Quanto ao fato dos dois mundos (fenomênico e numênico), a lei moral não encontra no mundo fenomênico fundamentos para sua constituição, pois é fruto do mundo fenomênico. Mas, como participantes também do mundo onde ocorrem os fenômenos, se, guiados pela lei moral não condicionada, ela terá efeitos sensíveis sobre o mundo fenomênico:


“( ...) a lei moral (...) vem a ser uma espécie de elo de ligação entre o noumenon ( o “eu penso”), o temporal e supra-sensível, e os fenômenos de atuação prática que são: temporais e sensíveis.”

Como veremos posteriormente, Hegel irá invalidar que, como quer Kant, sejamos cidadãos de dois mundos. Ao contrário de procurar esgotar a capacidade de uma razão pura teórica, e estabelecer seus limites, Hegel afirmará a unidade da razão. Não será mais aceita a separação entre mundo do conhecimento e mundo do pensamento.

“Quando a razão aprendeu a conhecer completamente a sua própria faculdade, no tocante aos objetos que podem lhe ocorrer na experiência, tem que se tornar fácil determinar completa e seguramente o âmbito e os limites do seu tentado uso acima de todos os limites da experiência.”

Kant pretende estabelecer os limites da razão em seu uso teórico para então, a partir daí, exceder a esses limites, buscando identificar e fundamentar os princípios que fundam o agir humano. Esses princípios já vigoram no que Kant chama de “entendimento moral popular”, e são buscados no âmbito da razão porque somente se nele identificados, é que podem receber mérito moral. Caso queiramos tirar esses princípios da experiência, só poderíamos atribuir à ação, o valor legal, pois não poderiam, como já vimos, serem universalizados e, portanto, considerados (os atos) morais.

O que podemos identificar de extrema importância, neste contexto kantiano, é que, ao contrário de muitos filósofos, como Tomás de Aquino, por exemplo, não se procura mais estabelecer princípios éticos firmados simplesmente sobre o que é arbitrário e dogmático. Mas, partindo de uma minuciosa apreciação da razão humana e suas probidades, é que se pode estabelecer tais princípios, como é o caso do imperativo categórico.

“(...) o princípio prático supremo é um princípio que toda a razão humana natural reconhece como inteiramente a priori, independentemente de todos os dados sensíveis, e como lei suprema da sua vontade”.
O que veremos na crítica a Kant é que não podemos esgotar a capacidade da razão. E que conhecemos o que é como sendo um dever ser. A partir de então, é que iniciaremos o desenvolvimento objetivo da crítica ao Formalismo Kantiano, tendo em vista a compreensão da moral hegeliana.

1.1 – Desenvolvimento do imperativo categórico e a crítica de Hegel ao mesmo.

Na crítica da razão pura, Kant inicia procurando responder à questão: “Que posso saber?”. Porém, após resolver tal problema, faz-se jus a presença de outra questão dotada de um caráter prático: “Que devo fazer?”.

Como já expomos acima, para responder a esta pergunta, Kant irá desenvolver seu pensamento sobre uma análise do “entendimento moral popular” ou, como ele fala na Metafísica, “Filosofia popular”. Percebemos então, que este fato (o fato de que todos já sabem o que devem fazer) serve como ponto que possibilita a Kant uma análise pela qual poderá realizar seu objetivo. Ou seja, devemos investigar tal fato para a partir dele chegarmos ao princípio supremo deste conhecimento moral.

É desnecessário que nos preocupemos em estabelecer regras particulares para o dever. Pois, pela lei natural, sem filosofia e ciências, todos sabem precisar uma ação “conforme o dever” feita “por dever”, de uma motivada por inclinações, por interesse ou simplesmente uma ação legal.; portanto, sem mérito moral.

Kant não abre espaço às ações contrárias ao dever. Só concebe ações “conforme o dever”. Isto é, são ações extremamente corretas.; faz o que deve ser feito. Se for uma ação por inclinação ou interesse, não pode ser considerada moral. Pode haver ações justas, legais.; mas, mesmo assim, pertencem a outro âmbito (política, direito ...). Para uma ação ser considerada moral, deve ter sido realizada pura e simplesmente por consciência do dever.

Se todos já sabemos, com auxílio da lei natural, o que é uma ação moral, o que está realmente sendo procurado por Kant? Sendo que sabemos agir pelo dever, e de que não podemos determinar normas morais particulares, qual vem a ser o papel da filosofia neste contexto?

Para Kant, o filósofo, no campo da moral, deve preocupar-se apenas em proferir aquilo que já é sabido a todos. Essa afirmação nos deixa um tanto quanto apreensivos frente ao papel da filosofia. Isso não nos leva a supor que todo o exercício filosófico está como que atrasado no que possa influenciar na ação do homem, pois chega após sua realização? Como veremos posteriormente, semelhante questão será também levantada por Hegel, frente a esta teoria moral kantiana. O que Kant pretende é que devemos buscar um único princípio, um princípio que sirva como modelo para todos os seres racionais. Mas, modelo de quê? De uma ação por dever? Mas, se sabemos distinguir uma ação “por dever”, portanto moral, das outras ações, por que é que precisamos de tal modelo?

Kant, na Metafísica dos Costumes afirma:

“ Não temos que determinar os princípios do que acontece, mas sim as leis do que deve acontecer, mesmo que nunca aconteça, quer dizer, leis objetivo – práticas”.

Quando Kant pretende, através da razão, determinar imediatamente a vontade, independentemente de qualquer conteúdo material, está tornando possível que a lei daí resultante possa ser universal. Isso dará à lei, um caráter a priori. É o que possibilita, ao entendimento popular, ter a capacidade de perceber o que é preciso fazer ou como se deve agir, para se ter mérito moral. Estas leis serão o que Kant chama de imperativos categóricos.

A partir de uma análise na formulação do imperativo categórico, Hegel irá fazer a maior parte da sua crítica a Kant, dada a formalidade presente em tal imperativo. Ou seja, se através de um método analítico, Kant procura estabelecer o princípio, não significa que a crítica fará o mesmo caminho para reconstruir o percurso. Ao contrário, irá discutir os elementos que formam aquele princípio, explicitando a sua justificação.

Ao tratarmos de ações morais, em Kant, devemos tomar cuidado para com o conceito de ação moral e ação boa. Vejamos: inicialmente, Kant afirma que nossas ações devem ser fundamentadas na razão. Isto é, nossas ações sempre são realizadas quando dada alguma ordem. Porém, a ordem à qual elas devem seguir, não é a das inclinações (o que não significa que estas não interfiram), mas da razão. Ora, podemos nós agir pura e simplesmente conforme os mandamentos da razão, sendo que a emanação e elementos empíricos podem interferir neste mandamento? Kant pretende não só dizer que podemos, mas também que devemos seguir apenas os ditames da razão.

Ocorre que a razão pode formular mandamentos imperativos hipotéticos e imperativos categóricos. É neste momento que nos é permitido distinguir uma ação boa de uma ação moral.; na distinção do que é categórico e o que é hipotético. O imperativo hipotético sofre, sempre, a influência da finalidade. Ou seja, são regras de propriedade.; “se queres Y, deves fazer X”. O indivíduo age, visando um fim. Pela razão, ele procura os melhores meios para atingir determinado fim. Já o imperativo categórico não tem relação alguma com finalidades, é uma ação “ objetivamente necessária por si mesma” ( Kant, 1986. BA 40.).

Uma ação hipotética será então sempre uma ação boa, e uma ação categórica será sempre moral?

O fato de um imperativo hipotético levar sempre a uma ação boa, não indica que tal ação será consequentemente legal. O que justificaria toda e qualquer ação. E ela é considerada boa somente enquanto meio para qualquer outra. Se ela será legal ou não, é assunto para outro departamento que a moral. E também para nosso trabalho, não é de maior relevância no momento. Mas, uma ação que assegure o imperativo categórico, portanto necessária e fim em si mesma, sempre será moral.; pois é guiada pura e unicamente pela razão, é formal. Isso leva Kant a afirmar que o valor moral de um ato encontra-se na intenção do sujeito agente, pois este age sem visar o resultado. Começa agora, a partir das várias formulações do imperativo categórico, a crítica de Hegel ao formalismo em que tais formulações decorrem. São várias as formulações de imperativos categóricos e que podem ser encontrados na Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática. Citaremos aqui apenas para identificarmos o problema do formalismo e podermos iniciar, assim, com mais afinco, a crítica propriamente realizada por Hegel.

Esta é a fórmula da Lei Universal: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas, ao mesmo tempo, querer que ela que é lei se torne lei universal.” (Kant, 1986. BA 52. ).

Esta formulação é um imperativo categórico, pois nos faz obedecer a um princípio incondicionado. Não sendo condicionado, portanto, não sendo uma ordem do tipo: “se queres Y, deves X”, o que o imperativo categórico ordena? É importante vermos que, ao contrário de dizer “o que deve ser feito”, o imperativo categórico se preocupa em ordenar “como deve ser feito”. Daí ser um princípio incondicionado.

“Um princípio objetivo incondicionado é aquele, segundo o qual todo o agente racional, independentemente dos seus desejos pessoais por fins particulares, deve necessariamente obedecer, se a razão tiver completo controle sobre suas paixões (...). O imperativo categórico formula a obrigação ou mandamento (ordenamento) para obedecer a este princípio incondicionado, e um princípio excluindo referência a fins particulares pode ser somente a forma de um princípio, ou um princípio forma, ou lei universal como tal”.

O princípio objetivo é lei universal. Para que esta lei tenha caráter universal, é necessário que esteja desligada de qualquer questão empírica, ou melhor, não pode visar condição ou conteúdo. Deste modo, puramente formal, pode, o imperativo categórico ser aplicado a todos os seres racionais. E é, a partir do momento em que sigo tal imperativo para agir, que minha ação recebe mérito moral. O que impossibilita que o sujeito agente procure tirar benefícios próprios agindo determinado por desejos pessoais. Para que uma lei possa ser universal, deve ter princípio objetivo e não subjetivo. A lei moral é um imperativo que ordena categoricamente. O indivíduo, com base em tal lei, irá agir para com o outro de forma que o outro também possa agir da mesma forma para com ele. Ou seja, minha ação será moral se todos os outros seres racionais também a puderem realizar.

Outra formulação do imperativo a vemos na Crítica da Razão Prática:

“Interroga-te a ti mesmo se ação que projetas, no caso de ela ter de acontecer segundo uma lei da natureza, que tu próprio farias parte, a poderias ainda considerar como possível mediante a tua vontade”.

Novamente vemos a presença da universalidade da lei. Essa é a preocupação de Kant. Ele não pretende determinar deveres particulares, mas um dever universal, que é o de agir seguindo uma lei à qual possamos querer que ela seja universal. De acordo com esta lei, à qual nos submetemos, julgamos nossas ações como boas e más. O que torna, então, imoral uma ação? Como vimos, o que dá mérito moral à ação é o fato de esta ser incondicionada, desprovida de conteúdo. Portanto, seria imoral a ação que, sabendo e reconhecendo a validade universal de uma lei moral, querer uma exceção ao seu próprio favor. Essa contradição a tornaria imoral. Kant porém, diz que todos já sabem, pela razão, que não se deve querer um exceção ao seu próprio favor. Aqui, também a contradição, ao passo que o entendimento popular já sabe que nela cairia se abrisse exceções para agir em favor próprio, é formal. Veremos adiante como Hegel discute com Kant esta questão.

Levantaremos, ainda, uma terceira formulação do imperativo categórico. Esta, por sua vez, nos oferece, além de mais um exemplo de formalismo em sua constituição, o conceito de liberdade em Kant. “Age de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo, como legisladora universal” (Kant, 1986. BA 76.).

Inicialmente, poderíamos até nos perguntar: sendo que devemos seguir os mandamentos do imperativo categórico, sem agirmos tendo em vista um fim que não seja um fim “em-si-mesmo” , e este é o homem, somos livres para agir? Notemos que, para Kant, a liberdade consiste na autonomia da vontade. O indivíduo deve seguir a lei não porque esta lhe é imposta, mas porque ele mesmo se impôs a seguir a lei por ele formulada. Agir por interesse, desejos, movido por conteúdo empírico, é uma liberdade negativa. A verdadeira liberdade, portanto, uma liberdade positiva, é aquela transcendental, que encontra em si mesma a sua determinação.

Através das formulações levantadas, vemos claramente a formalidade existente nestas. Mas, em se tratando de princípios éticos, podemos tratar de “forma e matéria” separadamente? Hegel reclamará essa separação de forma e conteúdo, na moral kantiana. Kant não nega a ligação dos indivíduos com o mundo empírico, ele considera que tal ligação não deva influenciar na formulação da lei moral, não podem fazer parte da determinação desta lei. Não sendo o conteúdo elemento determinante do imperativo categórico, mas somente a forma, como este (o imperativo categórico) é possível?

Se quisermos aplicar o imperativo categórico diretamente à realidade dos indivíduos, estaríamos pondo em risco sua universalidade. Para que tal imperativo seja possível, Kant nos concebe, por assim dizer, como partícipes de dois mundos: O mundo fenomênico e o mundo numênico. Ou seja, um mundo empírico, aquele que podemos pensar e um mundo da coisa-em-si, o qual não podemos pensar. Ora, se não podemos conhecer o mundo do numênico, como o sabemos? Para responder a tal questão, afirmando que a razão exige um incondicionado para todo o condicionado. Não conhecemos as coisas-em-si-mesmas, mas podemos pensá-las. Se tivermos presente esta distinção de fenômeno e coisa-em-si (númeno), veremos a possibilidade do imperativo categórico.

“É a distinção entre fenômeno e coisa-em-si que permite não cair em contradição. Enquanto participante do mundo da causalidade, o mundo sensível, o mundo das ações visíveis, sou determinado, por essas leis da causalidade, uma vez que estou submetido à relação de causa e efeito. Portanto não sou livre. Mas, enquanto me dou a mim a lei moral (o imperativo categórico), enquanto me submeto à lei, que eu mesmo me dou e, portanto, enquanto participo do mundo inteligível, sou livre. Isso é autonomia da vontade. E assim torna-se possível o imperativo categórico”.



A necessidade desses dois mundos (inteligível e sensível) é dada pelo fato de que o indivíduo não pode agir apenas de acordo com um deles. Se o indivíduo fosse capaz de viver somente no mundo inteligível, agiria de acordo com a razão, sem ter relação alguma com as paixões, inclinações (mundo sensível). Mas, como já vimos, isto não é possível. Também não pode o indivíduo viver tão-somente de acordo com o mundo sensível. Pois, se assim o pretender, estará submetendo-se às leis da causalidade, da natureza, e, portanto, não seria livre. Para haver liberdade, é necessário que o indivíduo possa ter autonomia da vontade. Ou seja, o primeiro mundo (inteligível) deve ser legislador do segundo mundo (sensível). A razão formula as leis que devem ser seguidas para que uma ação possa ser considerada livre e consequentemente, moral. A liberdade é o que garante a racionalidade da vontade.

Nos foi possível perceber como Kant começa a trabalhar muito bem a questão da autodeterminação da vontade. Porém, somente começa. Dizemos assim por estarmos nos referindo à crítica que Hegel levantará a partir de agora. Pois, segundo ele, Kant permaneceu na subjetividade da moral, portanto, não completando o caminho, o desenvolvimento da moralidade. O equívoco de Kant teria sido então, para Hegel, ter transformado a autonomia da vontade num “vazio formalismo”.

1. 2 - Desdobramento para o campo da responsabilidade, na Filosofia do Direito.

A ética kantiana é formal por firmar-se em ordens “a priori” da razão. Ou seja, são princípios a priori ditados de valor universal. Portanto, não podem ser universalmente válidos, por estarem ligados a condicionamentos empíricos. E será esta falta de conteúdo que Hegel irá reclamar, considerando a moral kantiana puramente formal.





“ Tão essencial é acentuar ação pura da vontade por si, sem condição, como raiz do dever, como, por conseguinte, é verdade dizer que o reconhecimento da vontade teve de esperar pela filosofia kantiana para obter um sólido fundamento e um posto de partida ( parág. 133), a afirmação do ponto de vista simplesmente moral que não se transforma em conceito de moralidade objetiva reduz aquele progresso a um vão formalismo e a ciência moral a uma retórica sobre o dever. (...). Ora, estabelecer que o dever apenas se apresenta como dever e não em vista de um conteúdo, a identidade formal, isso corresponde precisamente a eliminar todo o conteúdo e toda a determinação”.

O autor da Filosofia do Direito reconhece o progresso de Kant no que se refere à autodeterminação da vontade. Ocorre, porém, que Kant não foi capaz de dar continuidade a tal processo, passando da moralidade subjetiva para a moralidade objetiva. Deste modo, ele transforma a autonomia da vontade em um “vão formalismo”, pois a impossibilita de conteúdo.; e faz da “ciência moral”, uma “retórica sobre o dever”, pois não é possível, através dela, determinarmos deveres práticos particulares. Ou seja, elimina as condições históricas (costumes, tradições...), o conteúdo, no qual os indivíduos se determinam.

“Na medida em que aparece como incondicionado, o dever moral faz abstração de todos os propósitos, desejos, tendências, que o sujeito poderia ter, em uma palavra, de tudo o que o individualiza e distingue.; uma ordem do tipo ‘não deves mentir’ não faz acepção de sujeitos particulares, nem diz nada acerca de que propriedades concretas devem possuir os sujeitos para estarem afetados pelo dever. Portanto, se dirige a mim, não como um ser que tem tais e tais características, mas como simplesmente um ser que tem razão prática, isto é, que é capaz de entender essa lei e querer conforme a ela, sem mais considerações”.

Apoiados nesta afirmação de García e na de Hegel no parágrafo 135, não poderíamos dizer que, mesmo afirmando Kant que somos livres por nos darmos a nós mesmos a lei, somos, de certa forma, privados de nos determinarmos como indivíduos particulares e que devemos, desconsiderar nossa própria história para podermos agir moralmente?

Pensamos que tal questão possa ser respondida positivamente, no sentido de que Kant está preocupado em estabelecer o princípio supremo da moralidade e de que o imperativo categórico é universal. Portanto, para que possa haver essa universalidade, Kant atribui ao indivíduo apenas a autonomia pela qual ele consegue “colocar-se” dentro desta universalidade ao menos sabendo porque está lá. E ali se encontra, porque reconhece a lei como sendo sua. Mas, para que essa lei seja universal, ele não pode se firmar em conteúdo algum e a sua história, tradições, costumes são conteúdos. Deste modo, ele deve considerar a importância da instituição onde vive para através da lei universal, saber agir moralmente.

Ora, para Kant, o dever moral é de caráter a priori. Deste modo, o dever moral é universal. Ou seja, não há distinção entre as pessoas no que se refere à lei moral. É semelhante ao código da constituição que afirma perante a lei todos serem iguais. O que a própria realidade nos mostra não acontecer. E, no que se refere a Kant, Hegel nos mostrará como será impossível nos determos apenas na forma da lei, sendo preciso levar em consideração a história, costumes..., enfim, o conteúdo do qual o sujeito não pode ser pensado separadamente como se pertencesse a dois mundos.

É importante lembramos que Kant não nega a existência da matéria (conteúdo) na máxima formulada. Ele afirma, sim, que essa matéria não pode influenciar em tal formulação. Ou seja, a razão que determina a lei é pura em seu uso prático, é a vontade em-si-mesma, sem sofrer influência dos desejos, inclinações... O conteúdo que se apresenta na lei moral pode ou não ser universalizável. Como sabemos quando o conteúdo pode ser universalizável?

Aqui, é necessário tomarmos cuidado para que não queiramos compreender a razão kantiana como sendo legisladora. Não é o intuito de Kant, através da lei moral, dizer “o que” deve ser feito, mas “como” deve ser feito. Sabemos se determinado conteúdo que se apresenta na lei sem tê-la condicionado (o que, no caso, não tornaria possível a lei) pode ou não ser universalizável, é aplicando a forma do imperativo categórico.; cabe a ele julgar tal conteúdo.



“A ética kantiana não é formalista no sentido de ser uma ética abstrata, que nenhum compromisso possui com a realidade, é formalista no sentido de que a exigência da validade universal dos seus preceitos não permite que eles sejam extraídos do empírico, mas racional”.

A lei moral kantiana é aplicável no mundo temporal. Kant ignora as condições históricas com o intuito de que a lei possa ser aplicada sempre, para todos. Para que a lei possa valer incondicionalmente é que deve ser formal. Ou seja, a universalidade da máxima não pode depender do sujeito que a realiza. Kant pretende que a forma da lei seja o bastante para determinar a matéria da lei. Para Kant “é o sujeito (a Razão) que determina as ações, o conteúdo”.( WEBER. p. 56.).

Já tratamos anteriormente do “entendimento vulgar”, através do qual todos os indivíduos já sabem, o que pode e o que não pode ser universalizável. O que pretende Kant, com a formulação do imperativo categórico, é clarear essa “sabedoria vulgar”.; seria como que escrever nas ‘Tábuas da lei” as leis que todos já sabem e que, mesmo sem tais tábuas, sempre saberão. Qual o motivo de dizer apenas de modo mais ilustrativo o que todos já o sabem? Não seria dispersar tempo em tal preocupação? Para que serve a filosofia se age apenas após tudo estar pronto e sua ação em nada implica?

Questões como estas preocupam a Hegel que, com sua filosofia, pretende agir na concretude da história, na realidade em que os indivíduos se encontram. Tendo presente a importância das tradições, costumes... de um povo, não nos parece um tanto superficial preocupar-se apenas em justificar o que a razão mais comum já sabe e já vive?

A partir destas preocupações Hegel pretende conectar forma e matéria separadas indevidamente por Kant. Hegel não se contenta com o formalismo de moralidade kantiana e busca o universal concreto, derrubando o rígido imperativo categórico.


“Um princípio ético, segundo Hegel, é resultante da determinação e mediação das vontades livres dos sujeitos agentes. Constitui-se de historicidade e temporalidade. Implica, portanto, forma e conteúdo. Ou seja, um conteúdo também é universalizável. Só que a lei daí resultante pode não valer para todos os seres racionais. O que vale para uma comunidade ética (dadas suas origens, cultura, espírito de povo) pode não valer para outra”.

Através da citação acima, podemos, desde já, começar a perceber a diferença de concepção de ética entre Hegel e Kant, não no sentido de extremidades, ou antagonismos, mas no sentido de maior visão de conceitos. Em tal comparação, poderíamos perguntar.; em qual compreensão a moralidade tem maior efetividade, na kantiana ou na hegeliana? Na primeira temos a pretensão de uma lei moral que, além de ser sobre aquilo que os indivíduos já conhecem, é puramente formal. Na segunda, as leis formuladas, unindo forma e conteúdo, nem sempre podem ser universalizadas por levarem em consideração a historicidade dos indivíduos. Mas, se optarmos por esta última compreensão moral, não corremos o risco de cairmos num relativismo moral? Não, se estas leis particulares respeitarem o espírito de um povo e, no desdobramento histórico, manter uma coerência universal.

Este processo de mediação, que será melhor entendido no desdobramento da ética hegeliana ao desenvolver deste trabalho, é o que nos desvia do fundamentalismo kantiano, ou seja, dialeticamente, a mediação permite a superação mas também a conservação da moralidade, buscando assim a eticidade no que a compreende Hegel.

“Segundo Hegel, a legislação ética tem que ter um conteúdo que se determina na concretização da idéia da liberdade, que, na prática, implica a mediação das vontades, da qual resulta uma universalidade concreta”.

Kant não nega que as inclinações, desejos... influenciam nas ações dos homens. Mas afirma que, para agir moralmente, o indivíduo deve seguir apenas a razão. A felicidade pode ou não surgir de uma vida moral, mas, para Kant, devemos, sendo ou não felizes, agir moralmente. E, neste aspecto, vemos a “ditadura moral kantiana . Ou seja, o imperativo
categórico é incondicional. O que não ocorre em Hegel. Para este, há sim um a priori, porém admite circunstâncias em que se deve abrir exceções ao cumprimento da lei. Isto é, há também um a posteriori. Nisto está o processo dialético. Ou seja, embora determinado, o conteúdo histórico é passível de transformação.

Frente ao formalismo kantiano, é nítida a impossibilidade de se determinar deveres particulares. Como fará então Hegel para possibilitar tal determinação? Kant propunha a vontade pura como sendo livre, ao passo que Hegel, na Filosofia do Direito, diz que tal liberdade só será alcançada quando houver determinação e concretização desta vontade. Caso contrário, se permanece no indeterminado, no “vazio formalismo”. Ora, essa determinação e concretização ocorre, em Hegel, através do direito, da moral e da ética. São estes os conteúdos que devem coabitar com a forma, possibilitando a determinação de deveres particulares e preenchendo, assim, o vazio formalismo de Kant. Direito, moral e ética, “essa tríade é a liberdade existente, concretizada e efetivada, diante de uma liberdade abstrata e indeterminada” (WEBER, 1999, p.62 ).

Hegel permite a coabitação de forma e conteúdo, necessário e contingente, que equivocadamente Kant separou na tentativa frustrada de estabelecer os princípios de uma lei moral válida, sem exceções, para todos os seres racionais.

“Uma pesquisa sobre a liberdade em Hegel deve salientar que, ao ser tematizada a idéia absoluta, o conteúdo fica absoluto, mas o ato (o eu que diz) continua contingente. É por isso que a dialética não pára na idéia absoluta e conduz ao espírito absoluto. O processo continua porque há uma coabitação entre o absoluto e o relativo. O absoluto existe como ideal e como tal é necessário, mas contém como aufgehoben a contingência”.

Podemos dizer que Hegel compreende a necessidade da relação entre forma e conteúdo, dada a dialética do universal e do particular. Ou seja, como indivíduos, nossa vontade é particular e também universal, pois todos os indivíduos têm vontade. Ocorre que a vontade particular (subjetiva) determina-se universalmente (objetivamente). Este processo de determinação e mediação é o processo dialético. Assim entendida, a mediação
das vontades, sendo que todos têm vontade e por este motivo não podem realizá-las todas, propicia a universalidade, a concretização da vontade objetiva.; sem haver separação de forma e conteúdo.

“Cada vontade individual só se afirma como tal, enquanto quiser a universalidade da qual é constitutiva. (...). Toda a ação tem um conteúdo múltiplo, e os sujeitos agentes buscam, pelas ações, a satisfação dos seus interesses particulares. Ora, isso os leva a mediar suas intenções com as dos outros. No plano da intersubjetividade o particular refere-se ao universal. É por essa via que as máximas das ações dos indivíduos são universalizáveis. Não se trata de uma forma pura, mas de conteúdos que se determinam. É possível, portanto, uma ética material não formal, sem deixar de ser racional”.

Como Kant pretende uma razão prática pura, necessariamente, para que isso seja possível é preciso não haver conteúdo. Mas que necessidade vê Hegel em coabitar forma e conteúdo na formulação das leis? Ora, isto se percebe no momento em que o indivíduo age. Ou seja, não agimos pela forma, mas por causa do conteúdo. De que serviria uma legislação ética que não pudesse ser aplicada e concretizada historicamente? A concretização da universalidade é negada pela ausência de conteúdo na moral kantiana. Aí está o ponto central criticado por Hegel na ética de Kant. O autor da Crítica da Razão Prática se contradiz ao querer aplicar uma legislação ética elaborada sem conteúdo, sendo que este é necessário para haver a concretização da legislação ética.

Para Kant, há contradição quando a máxima por mim estabelecida contrariar a lei universal. Isto é, para não cair em contradição devo poder querer que a minha máxima se transforme em lei universal. E tal era possível a Kant pelo simples fato de que tais leis eram pensadas no âmbito puramente formal. Ocorre, porém, que se trata de uma legislação ética. Neste sentido, considera-se as conseqüências das ações e, por conseguinte, devem ser tratadas no âmbito do conteúdo, o que possibilita a contradição.



Em se tratando de uma questão moral, Hegel enfatiza o fato de ser considerado o “caráter temporal e histórico da eticidade, sobretudo no que se refere ao problema da responsabilidade”(WEBER, 1999, p. 68). Ora, isto de dá pelo fato de que, na moral kantiana, o indivíduo não pode ser responsabilizado pelos resultados e conseqüência do seu agir. A legislação ética de Kant só tem valor a priori. Veremos melhor no próximo capítulo como Hegel trabalha essa questão da responsabilidade.

Já afirmamos que Kant se preocupa em estabelecer o princípio supremo da moralidade. Ocorre que, para isso, a razão, em seu uso prático, teve que ser limitada. Isto é, a vontade para se universalizar, é motivada pela ‘razão pura mesma” e não pelo conteúdo. O indivíduo pode ser moral porque é livre, reconhece a lei como sendo sua. Hegel, por sua vez, também busca o universal, mas, ao contrário de Kant, considera necessária a mediação das vontades. A minha vontade deve ser mediada, reconhecida pela vontade do outro para que, retornando a mim, possa ser universalizada.

Para Kant, o indivíduo é livre porque sua vontade não é condicionada pela matéria, mas é autônoma. Já, para Hegel, a liberdade é sim “autodeterminação” mas só se concretiza quando minha vontade é reconhecida por outrem. É o “desdobramento objetivo das vontades”, enfatizado por Hegel.

Se o objetivo de Kant era o de estabelecer o princípio de moralidade, porque está Hegel preocupado em criticar sua teoria moral? Ocorre que, para o autor da Filosofia do Direito, não basta “confirmar formalmente o que todo mundo já sabe” (WEBER, 1999 p. 75), como faz o imperativo categórico. Hegel procura mostrar que em termos de moralidade é preciso atender não só às intenções dos sujeitos que agem, mas aos resultados e conseqüências em que tais ações implicam. Ou seja, a Idéia da Liberdade deve concretizar-se objetivamente nas instituições sociais.

Kant julga uma ação imoral quando há contradição na formulação da máxima. Entende-se por contradição, aqui, quando, formulando uma máxima que deveria valer para todos os seres racionais, abro uma exceção em favor de mim mesmo. Pois, só devo querer aos outros o que quero a mim mesmo. Portanto, exceções implicam em particularidades e tal caso é, para Kant, uma contradição na formulação da lei moral.

Ocorre, porém, que há situações concretas em que para o indivíduo se realizar como tal, faz-se necessário abrir exceções. São casos de “direito de emergência” Como trataremos melhor, ao trabalhar a eticidade hegeliana na Filosofia do Direito. Por exemplo, mesmo que para não morrer de fome o indivíduo tenha que fazer uma promessa falsa, ou roubar, sua ação será considerada, em termos de imperativo categórico, imoral. Pois, dever-se-ia, então, admitir inúmeras outras exceções semelhantes, não sendo mais possível a universalização da máxima.

Como já afirmamos anteriormente, a felicidade não é, para Kant, fundamento determinante da lei moral. Ou seja, o imperativo categórico não diz o que deve ser feito, apenas é modelo de julgamento sobre o que é feito. E neste sentido é definido como vazio e formal, pela crítica hegeliana.

“(...) desta definição do dever como ausência de contradição ou como acordo formal consigo -- que não é mais do que a afirmação da indeterminação abstrata – não se pode passar à definição dos deveres particulares, e quando um conteúdo particular de comportamento chega a ser considerado, aquele princípio não oferece o critério para saber se se trata ou não de um dever”.

Qual é exatamente o problema visto por Hegel na moral kantiana? Em que implica o fato desta ser apenas formal?

Ora, para Hegel, o fato do imperativo categórico, a máxima formulada não dizer o que deve ser feito, mas apenas “estabelecer que o dever apenas se apresenta como dever e não em vista de um conteúdo”(Rph,1997,parág. 135, p. 129) implica numa “indeterminação abstrata”. Pois, não havendo nenhuma determinação, consequentemente, não haverá contradição alguma. Deste modo “a ausência de contradição, em Kant, significa, para Hegel, apenas a concordância formal entre uma máxima e a lei universal, insuficiente para se constituir em critério de moralidade”(WEBER, 1999, p. 87.).

O fato do imperativo categórico, em sua indeterminação, não permitir ou não possibilitar a tomada de decisão sobre um conteúdo particular, faz com que ele perca sua validade, na visão de Hegel. Ou seja, sendo o imperativo categórico indeterminado, corre o risco de aceitar qualquer conteúdo e, assim sendo, justificar um ato imoral e injusto.

O problema do imperativo categórico se encontra na sua aplicabilidade. Isto é, só será válido se tivermos princípios determinados sobre o que deve ser feito. Como se dá a determinação de tais princípios? É o que Hegel pretende pelo processo de mediação das vontades livres dos sujeitos agentes. E devemos considerar que tal mediação ocorre em certo povo ou comunidade ética, na qual o indivíduo vive e do qual é parte como sujeito agente. Sendo assim, pode-se dizer que, em determinada comunidade ética, um princípio seja vigente e em outra não. Como aplicar o imperativo categórico nestes casos?

“A filosofia do direito de Hegel trata do desdobramento ou das determinações da idéia de liberdade ou vontade livre como princípio organizador das estruturas jurídicas e sociais. É dentro delas que devem ser avaliadas e qualificadas as ações dos homens, uma vez que os princípios que indicam o que deve ser feito e o que deve ser evitado, são determinados a partir desse desdobramento e concretização. A validade de um princípio ético é sempre resultado do processo de mediação das vontades livres dos sujeitos agentes” .

Vimos, assim, que Hegel procura, na crítica ao formalismo kantiano, trazer a discussão ética para a realidade concreta, onde se dão as ações particulares dos indivíduos nas instituições históricas. Mais do que apenas dizer o que todos já sabem, o “como” fazer, Hegel busca o “o quê” deve se fazer. Pela superação do formalismo kantiano, deve haver coabitação entre forma e conteúdo e se deve estabelecer princípios determinados sobre o que deve ser feito.

Hegel dirá que a contradição só aparece no momento da determinação ou da concretização da Idéia de Liberdade. A determinação de deveres particulares requer um



princípio orientador que sirva de referencial teórico a partir do qual se possa avaliar um ato concreto ou conteúdo particular.

O filósofo de Estugarda proporciona a cada indivíduo a dimensão de uma liberdade subjetiva que dá o direito ao indivíduo de “produzir-se como agente consciente do seu próprio processo de determinação de si”. Ser moral é ser livre. Mas essa moralidade ou liberdade subjetiva é ilimitada?

Na superação de Kant, Hegel põe a eticidade como aquela que trata das determinações objetivas da liberdade e que não pode ser confundida com as vontades particulares imediatas. Daí surge o problema central que iremos tratar a seguir no estudo da Filosofia do Direito. Como conciliar as vontades imediatas com a vontade substancial (universal), sem o sacrifício de uma das partes? É possível tal conciliação? Enfim, como se dá o exercício de liberdade no agir moral na Filosofia do Direito? Neste sentido é que desenvolveremos, a partir de agora, as determinações da moralidade em sua lógica interna: família, sociedade civil, Estado. Buscando um conceito de liberdade em Hegel e o exercício desta no agir moral.



















II - DETERMINAÇÕES DA MORALIDADE


2 . 1 – Passagem da Lógica à Filosofia do Direito.

No primeiro capítulo deste trabalho, vimos como Hegel procura proporcionar a relação entre forma e conteúdo no campo da moral iniciado por Kant. Embora fazendo uma crítica a este por ter permanecido num vão formalismo, Hegel atribui a Kant o mérito de formular uma teoria do dever essencialmente racional:

“ Com efeito, o grande progresso realizado por Kant consiste em ter feito do dever um dever essencialmente racional, livre das pulsões, desejos e inclinações. O filósofo de Könisberg chegou ao mais alto cume da razão consciente de si, à absoluta autonomia do seu progresso de determinação de si”.

É justo o grau a que chegou Kant na maneira como propôs sua teoria. Infeliz porém, foi o fato de dar por completa tal teoria sem, na verdade, sê-la. A partir daí, Hegel buscará complementar, preencher o vazio formalismo deixado por Kant, através das determinações da moralidade escritas então na Filosofia do Direito, obra básica do nosso estudo a partir de agora.

O sistema da filosofia hegeliana, elaborado sobre os princípios de liberdade, auto-reflexividade e dialética, não surge do nada. Seu pensamento adquire maturidade na medida em que se desenvolve, é um processo em que todas as partes vão superando umas às outras e, ao mesmo tempo, mantendo-se unidas. Por isso, é que não nos será possível estudar

com maior coerência uma parte deste sistema sem antes estabelecermos uma relação com o todo. Não nos é possível refletir sobre a Filosofia do Direito como se ela fosse um “tiro saído de uma pistola”, como fala Hegel, na Ciência da Lógica.

A filosofia hegeliana pode ser distinguida em três partes: lógica.; filosofia da natureza.; filosofia do espírito. Hegel vê a realidade como um todo, Espírito. E o movimento próprio do absoluto, do espírito, da razão é o “refletir-se em si mesmo”. A Idéia tem em – si o princípio do seu próprio desenvolvimento e, em função dele se objetiva e se faz natureza, “alienando-se” e, depois, superando esta alienação, retorna a si mesma. Cada parte da filosofia hegeliana corresponde a uma etapa do desenvolvimento da idéia, do absoluto. A lógica estuda a “ Idéia em – si” ( Logos ). A filosofia da natureza estuda a “ idéia fora – de –si” ( natureza ). A filosofia do espírito estuda a “ idéia em-si – para –si”, ou seja, a idéia que retorna para-si.

Esta é a maneira de ser do espírito, a dialética, dinâmica constituída do “em –si” (indeterminado), “ para-si” (determinado), e o “ em-si-para-si” (especulativo). Este último ponto, o momento especulativo, fornece representação do movimento, neste sentido “o universal expressa o sentido real”. Assim, já podemos compreender, a grosso modo, o que quer dizer Hegel no início da Filosofia do Direito com a proposição “o que é racional é real e o que é real é racional” (Rph, 1997, p. 35). O especulativo é estruturalmente dinâmico e, portanto, expressa o método dialético, pois dinâmica é a realidade que expressa e dinâmico é o pensamento que o formula.

O primeiro passo dado por Hegel é a busca pelo caminho que conduz a consciência finita ao absoluto infinito. Tal caminho está expresso inicialmente na sua obra “Fenomenologia do Espírito”. Chegamos ao absoluto pelas manifestações que ele faz.





A Fenomenologia do Espírito:

“ (...) trata-se de “introdução” ou de propedêutica que constitui um momento, não só da vida humana, mas também da vida do absoluto: a “Fenomenologia do Espírito”, é o caminho que leva a consciência finita ao absoluto infinito, que coincide com o caminho que o absoluto percorreu e percorre para alcançar-se a si mesmo”.

Como afirma Giovanne Reale, a “Fenomenologia” é a propedêutica do processo, ela leva do ponto da consciência ingênua, empírica, ao saber absoluto. É nesse saber absoluto que coincidem forma e conteúdo. E é a partir de agora que se inicia e se desenvolve a Lógica. Ela se desenvolve sobre a tese de que “pensar e ser coincidem”.

De modo geral, podemos afirmar que a lógica se desenvolve em três etapas: “ser”, “essência” e “conceito”. Na primeira etapa, a dialética “procede em sentido horizontal”, através de passagens que levam de um termo a outro, que concentra em-si o anterior. No segundo momento há um desenvolver-se dos termos e um refletir-se mútuo de um termo no outro. Na última etapa, na lógica do conceito, cada termo procede no outro e nesse continua até uma identificação dialética com ele. É neste etapa-síntese que o pensamento se completa.

“ A lógica, para Hegel, trata do logos (Razão) que anima o universo, e que está, assim, tanto no pensar (entendido especulativamente) e em suas determinações quanto nas determinações das coisas ditas reais ou objetivas”.

O objetivo da Ciência da Lógica é demonstrar o processo racional de autodeterminação da razão. A lógica trabalha o logos como fundador e conteúdo racional da realidade, trata do “universal concreto do espírito”. Nesta ciência, identifica-se o pensamento puro, aquele pensamento capaz de dar a si mesmo seus conteúdos. “ ( ... ) o espírito que pensa sua essência” ( W.L, V.5, p. 17 ) .

Destacamos na W.L. três caminhos por ela trilhados para se chegar à determinação do processo racional de autodeterminação da razão: doutrina do ser.; doutrina da essência.; doutrina do conceito. Na atividade monográfica que aqui exercemos, dissertaremos brevemente sobre este três pontos. Falaremos apenas o suficiente para solidificarmos uma base capaz de nos auxiliar no estudo da Filosofia do Direito dentro dos nosso, propósitos iniciais. Porque devemos afirmar nossa pesquisa sobre a estrutura lógica?

Ora, como já afirmamos, a W.L. trata do racional, tendo presente a historicidade em que este se desenvolve. Daí que as determinações lógicas proporcionarem a formação daquilo que Hegel chama de “figuras.” E as figuras da Filosofia do Direito (família, sociedade civil, e Estado) são efetuações temporais das determinações lógicas. Ou seja, uma espécie de “ ampliações destas determinações em um seguimento particular da vida humana” (ROSENFIELD, 1995, p. 61). Como se produzem, então, estas determinações lógicas e figuras? Pura e simplesmente pela atividade da vontade.

Na doutrina do ser, cabe destacar a formação da primeira tríade hegeliana, a partir do conceito “ser”: Tese.; todas as coisas são ser. Antítese.; todas as coisas são nada. Síntese.; tudo é devir. Vejamos:

Hegel trata do ser absoluto, indeterminado, destituído de qualquer relação. E como ele mesmo dirá “o ser, o imediato indeterminado, é de fato o nada, e nem mais nem menos que o nada” (W.L, V.5, p 83) . Isto é, sendo tudo absolutamente indeterminado, é o mesmo que “nada”. Trata-se de duas proposições falsas. Como se dá, então, continuidade a este processo?

Hegel está preocupado em extrair o movimento de determinação. Para isso ele se valerá do pensamento especulativo, aquele ao qual nos referimos anteriormente, o qual é dinâmico na realidade que expressa e na própria formulação. Na W. L., Hegel define o “devir” como sendo o “ser determinado”, e será este “devir” o responsável em iniciar o processo de determinação. O devir é a unidade entre o ser e nada. A lógica do ser, trata apenas do “ser-em-si”.

Neste primeiro momento, o ser encontra “em –si” as suas diferenças. É necessário, a partir de agora, que o ser se auto-reconheça, se volte para sua negatividade interna, que se torne “ser-para-si”. Inicia-se, então, a lógica da essência. Na doutrina do ser, trabalha-se em torno do absoluto imediato. Agora, na doutrina da essência, tratar-se-á da relatividade e da mediaticidade.

“ A essência nos apresenta, (...), a relação interna da reflexão, e Hegel terá de explanar aqui em que consiste tal relação, que alcançará seu ponto máximo e seu fundamento último na Doutrina do Conceito,. Como idéia absoluta”.

Brevemente, podemos salientar o ponto central de cada seção em que se divide a lógica da essência. A essência precisa projetar-se para a exterioridade, precisa aparecer. Esta é a primeira seção: a essência como reflexão nela mesma. A aparência é de maior qualificação que a essência. Pois, nada pode existir sem se expor, aparecer, exteriorizar. Quando a essência se torna aparente, é o fundamento que se externiza. Forma-se, assim, a segunda seção da lógica. Na terceira seção, passa-se da aparência à efetividade. A efetividade por sua vez, constitui-se em substância, causalidade e ação recíproca. Este final da lógica da essência marca a passagem da necessidade (tudo determinado) para a liberdade, onde as coisas não estão necessariamente determinadas.

“ A efetividade é o ápice de toda a doutrina da essência. Ela se mostrará como o absoluto ou a “ (...) unidade do interior e do exterior (...)” na necessidade de sua manifestação. (...) o interno deve se fazer externo, deve manifestar-se”.

Após a manifestação, exteriorização do ser, ocorre a união do “ser-em-si” com a sua própria reflexão o “ser-para-si”. É a essência que permite a reflexão do ser, e que ao mesmo tempo está no ser como sendo o seu processo de determinação. A partir desta síntese final entre ser e essência, surge a lógica do conceito, o reino da liberdade. Conceito é a racionalidade imanente ou princípio da liberdade que fundamenta todas as coisas.

“ O conceito é o momento em que o ser passa realmente ser dono e senhor de suas determinações, é, por isso, o momento supremo da racionalidade, o logos dialético que a tudo anima”.

O conceito se divide em: universal, particular e singular. Cada parte, por sua vez, expõe a totalidade do conceito de maneira diferente, a universalidade contém em si a própria negatividade, a capacidade do conceito se diferenciar internamente de forma livre. Isto é, a universalidade expressa a forma.

O conceito particular é a concretização do universal, como resultado da própria evolução imanente do conceito. O particular é a determinação do universal. Isto é, o particular expressa o conteúdo.

Como resultado de todo o caminho percorrido pela Ciência da Lógica (como muito brevemente aqui desenvolvemos), ocorre a unidade entre conceito e objetividade: a Idéia. É na Idéia que o conceito se expõe como totalidade reflexiva. “A Idéia, portanto, é a totalidade das categorias da lógica e de seus nexos desdobrados”( REALLE, v.3. 1991, p. 139.).

“ A Idéia é justamente este eterno movimento de autodeterminação: é, portanto, o universo indiferente do devir na doutrina do ser, a sua conseqüente implosão naquele tecido de seres meramente relativos e contingentes na doutrina da essência, é a unidade buscada, alcançada em que novamente retorna ao essencial. A verdade é este processo de autodeterminação constante do absoluto”.

Na Lógica o absoluto se propõe à compreensão de si mesmo como determinado. “O absoluto é a busca eterna e o eterno encontro da razão consigo mesma, através dos seus momentos” ( LUFT, 1995. p. 147). Porém, a idéia não permite que este processo de autodeterminação do absoluto permaneça apenas na logicidade, mas que se volte as suas partes nelas possa novamente encontrar a si.

“ Mas a liberdade absoluta da idéia é que ela não apenas passa para a vida, nem como conhecer finito deixa parecer a mesma em si, mas na absoluta verdade de si mesma se decide a deixar sair livremente de si o momento de sua particularidade ou do primeiro determinar e ser outro, a idéia imediata como seu reflexo ( Wiederschein ), como natureza”.

Nos é lícito agora iniciar o estudo sobre a Filosofia do Direito. Dado que, deste rápido escorço sobre a formulação da W.L., concluímos como que nela a razão, o espírito, determinou seu próprio processo de racionalidade, abrindo espaço para a sua efetivação.

Ainda no início deste capítulo, vimos como Hegel divide seu sistema em: Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito. É a partir desta última etapa de determinação do absoluto como sendo o “em-si-para-si”, que trabalharemos a Filosofia do Direito.

Sendo a idéia um movimento de autodeterminação, veremos como Hegel desenvolve a idéia de liberdade na Filosofia do Direito. Aliás, é na idéia de liberdade que Hegel fundamente e orienta a filosofia do direito. “ A ciência filosófica do Direito tem por objeto a idéia do direito, ou seja, o conceito de direito e sua realização” (Rph, 1997, & 1, p. 39). A Idéia é constituída pelo conceito e sua realização. O conceito é abstração inteligível e a realização é o desdobramento concreto desta mesma abstração. A filosofia explicita o próprio movimento de desdobramento e desenvolvimento do real. O conceito engendra a realidade e este é objeto da filosofia, ou seja, a realidade não imposta pelo conceito é o mesmo que, como vimos no capítulo anterior, forma sem conteúdo, é ilusão.







Cabe ao direito concretizar a idéia de liberdade dada pela filosofia:

“ O domínio do direito é o espírito em geral, e sua base própria e ponto de partida é a vontade livre, de sorte que a liberdade constitui sua substância e determinação: o sistema do direito é o reino da liberdade realizada, o mundo do espírito que se manifesta como uma segunda natureza a partir de si mesmo”.

Tendo presente o fundamento sobre o qual se da idéia de liberdade, sobre tudo através dos conceitos de moralidade e eticidade na estrutura a Filosofia do Direito, é que podemos então acompanhar os desdobramentos e concretização Filosofia do direito de Hegel.

2 . 2 Liberdade e Vontade.

Para Hegel, o domínio do direito se dá sob a vontade livre. A Idéia de liberdade se funda sobre o pensamento. Ora, não há vontade sem pensamento. A vontade se torna como que a realidade da liberdade.

“Não se pode falar em liberdade, rejeitando o pensamento, porque a liberdade é o pensamento como tal. Hegel diria que a unidade do pensamento consigo mesmo é a liberdade, a vontade livre. É no pensamento que estou comigo mesmo”.

A liberdade da vontade está na sua capacidade de permanecer consigo sem deixar de ser universal. Thadeu Weber define a vontade como “autodeterminação do eu”.







“ A organização da vontade livre, segundo a estrutura lógico conceitual, revela-se importante na medida em que Hegel: 1º) antepõe uma fundamentação conceitual à liberdade.; 2º) reintroduz, na vontade livre, a naturalidade e individualidade.; 3º) pode explicitar o direito, a sociedade e o Estado a partir da idéia de liberdade em – si e para – si sem recorrer ao indivíduo e à liberdade subjetiva como princípios isolados ou abstraídos de um estado de natureza.; 4º) mantém o indivíduo e o princípio de liberdade subjetiva da modernidade como momentos necessários e compatíveis com os princípios lógicos da própria idéia de liberdade, na qual o indivíduo está contido, explicitando a liberdade subjetiva nas instituições sociais e políticas da eticidade”.

Podemos assim perceber como Hegel está interessado numa vontade destituída de desejos, inclinações... Ou seja, uma vontade livre. “ a vontade que existe em-si e para-si é verdadeiramente infinita, porque seu objeto é ela mesma e, portanto, (...), um ingresso a si”( Rph, 1997, & 22 ). É no objeto da realidade que o sujeito encontra a si mesmo.

No parágrafo 29 da Filosofia do Direito, Hegel afirma que o Direito se constitui “ no fato de uma existência em geral” ser a existência da vontade integrada com a objetividade. E esta integração da vontade com a objetividade constitui a vontade livre. “O direito é a existência do conceito absoluto, da liberdade consciente de si, e, por isso, é ele algo sagrado” (Rph, 1997, & 30, p. 61). A pergunta a ser feita é: Como se chega à concepção do direito como existência do conceito absoluto? Qual o caminho percorrido pela liberdade para que esta se torne consciente de si ?

Vimos na nota de rodapé nº 36, como Hegel distinguiu o direito num sentido mais restrito do direito num sentido mais elevado. Isto nos leva a crer que, para ser feita tal distinção, é necessário um processo pelo qual cada forma de direito se concretiza. Ainda no & 30 da Filosofia do direito Hegel nos deixa claro que “a variedade das formas do direito ( e, por conseqüência do dever) nasce da diferença que há no desenvolvimento do conceito de liberdade”(Rph, 1997, & 30, p. 61).

Tendo presente esta importância das diferenças existentes no real, Hegel definirá os desdobramentos da concretização do direito e, por conseguinte, da efetivação da Idéia de Liberdade na história. e “cada fase do desenvolvimento da idéia de liberdade tem o seu direito particular, porque é a existência da liberdade em uma das suas determinações particulares” (Rph, 1997, & 30 p. 61). As fases do desenvolvimento da idéia de liberdade a que Hegel se refere são, respectivamente: 1) Direito Abstrato, que trata da sobrevivência.; 2) Moralidade, que trata de analisar a intenção do sujeito na ação.; 3) Eticidade, que se refere ao direito universal. Isto é, ao direito em seu grau mais elevado de desenvolvimento. É por este caminho que a liberdade buscará sua autodeterminação e efetivação. E é o caminho destes desdobramentos, sobretudo no âmbito da moralidade e da eticidade, que nós também percorreremos para conhecer este processo e dissertarmos sobre nossa questão de fundo: a conciliação da vontade particular com a vontade universal sem a restrição de uma das partes. Deste modo, tendo presente todo o processo filosófico até aqui apresentado é que passamos às determinações da moralidade em sua lógica interna.

2.3 – Moralidade Subjetiva.

Na primeira parte da sua obra Filosofia do Direito, Hegel fala sobre o direito abstrato. O direito abstrato se refere ao direito do indivíduo de adquirir propriedade privada através de um contrato, tornando-se, pela sua ação, pessoa.

“Pessoa é o indivíduo com capacidade jurídica. É a manifestação mais abstrata e indeterminada, uma vez que todas as pessoas são portadoras de direitos e deveres. Sem essa abstração, não há igualdade possível entre os homens. O conceito abstrato de pessoa indica que o homem vale como homem”.

Sendo o indivíduo considerado como pessoa, é um sujeito de direito, o que o impossibilita de ser considerado como coisa. E isso o leva a, consciente de sua personalidade, reconhecer o outro também como pessoa. “Seja uma pessoa e respeite os demais como tal” (Rph, 1997, & 36, p. 70).

No direito abstrato, a liberdade consiste no fato da pessoa concretizar sua vontade livre num objeto exterior correspondente a si. Porém, se assim o podemos dizer, ocorre aqui uma manifestação ainda muito fraca da liberdade, pois o direito abstrato não consegue administrar os desvios da vontade livre.

“ A aplicação de uma pena, por exemplo, pode ser vista sempre como uma forma de vingança por quem a sofre. A própria lei que assim o determina, pode ser injusta. O abuso do poder pode provocar novas injustiças, uma vez que é exercido por pessoas que tem a finitude como constitutiva.”.

O direito abstrato é apenas um pequeno passo, numa longa jornada a ser trilhada até a efetivação da liberdade através dos vários desdobramentos da moralidade principalmente da eticidade, culminando na realização do Estado. Por isso, não se deve permanecer na abstração do direito, deve-se continuar o processo dialético. Isto não significa esquecer ou simplesmente superar e abandonar este primeiro momento. Pelo contrário, a partir da lógica, ele é o início da concretização real da idéia e portanto de grande importância. O que ocorre é uma superação do direito abstrato ficando ele como que guardado pela moralidade e na moralidade subjetiva .

O segundo passo a ser dado concerne ao momento de determinação do “para-si”, da vontade livre rumo à universalidade do conceito. Ou seja, a vontade há de reconhecer o que é seu, no outro. “(...) o ponto de vista moral é em sua forma o direito da vontade subjetiva. (...) a vontade só reconhece o que é seu e só existe naquilo em que se encontra como subjetiva.” (Rph, 1997, & 107, p. 114). O direito privado pressupôs a moralidade, e esta pressupõe a eticidade, pois age sobre o campo da eticidade ( tradições, costumes, política...). É a partir de sua subjetividade que a pessoa se torna capaz de buscar se inserir numa universalidade livremente posta. É nesta capacitação ao objetivo que atua a moralidade enquanto subjetiva.
“A vontade mortal vive da tensão entre o que ela é individualmente e o que ela crê ser a universalidade do conceito: trata-se do ponto de vista da relação ( Verhältnis ), do dever-ser (Sollen ) e da exigência ( Forderung ) ( Hegel, 1967, & 108 ). Logo, estas três determinações da vontade moral indicam que a vontade individual guarda ainda uma relação formal com a vontade universal (...)”

É na moralidade que o indivíduo toma consciência do seu processo de determinação de si. Isso constitui uma liberdade subjetiva e nessa liberdade o sujeito, como agente consciente, se produz a si mesmo. Ora, aspirando ao universal e consciente de seu processo, o indivíduo é levado por uma vontade moral a participar da comunidade como membro e de forma reflexiva. Um primeiro e fundamental fator para a posterior efetivação do Estado é a autoconsciência dos indivíduos como livres.

Vimos acima que o indivíduo como pessoa deve reconhecer os outros como pessoa. Também no âmbito da moral o indivíduo como membro de uma comunidade deve igualmente
reconhecer o outro como membro. A partir da liberdade do outro cada um deverá reconhecer o que quer para si como princípio. Assim a liberdade é reconhecida como universal. Desta forma, como afirma Hegel “(...) a moralidade subjetiva representa no seu conjunto o lado real do conceito da liberdade” (Rph, 1997. & 106. p. 113).

Deve haver universalidade na vontade subjetiva. Isto é, se todos têm fins a realizar, é preciso coincidir as vontades subjetivas para tentar realizá-los. E isto resulta numa ação moral:

“ A expressão da vontade como subjetiva ou moral é a ação. Contém a ação as especificações indicadas: a) de que eu sou consciente de serem elas minhas quando passarem a serem exteriores.; b) a relação essencial a um conceito como obrigatório.; c) a ligação com a vontade de outrem”.

Vemos, assim, que a vontade subjetiva se manifesta na ação. Para que tal vontade seja moral, devo saber e reconhecer tal ação como minha.; relacioná-la a um dever ser e referi-la à vontade dos demais. Isto é necessário porque, diferente do direito abstrato, “na moralidade é central a investigação sobre a “autodeterminação da vontade” e dos propósitos e intenções que movem o indivíduo” (WEBER, 1993, p. 80.

Ocorre que a vontade só reconhece o que é seu, por isso se responsabiliza apenas pelos resultados que coincidem com a intenção proposta no seu ato. Mas, a quem responsabilizar pelas conseqüências não previstas no ato?

No campo da moral Hegel praticamente mantém a tradição kantiana. Ou seja, a moralidade acaba por restringir a responsabilidade, simplesmente ao querer e saber pessoal. Porém, Hegel está mais preocupado com os resultados das ações, inclusive os que não estavam previstos pelo sujeito agente. Para que haja moralidade, diz Hegel, é necessária a aceitação da norma jurídica.

O direito estabelece uma série de condições da responsabilidade legal as quais coincidem com as condições da responsabilidade moral. Para ser moral deve-se respeitar o que pelo direito é estabelecido. Deste modo, o indivíduo só é responsável por aquilo que é dado pelo direito. “ Quer dizer, o direito dá todos os conteúdos da moralidade” ( WEBER, 1993, p. 83 ) .

Hegel constitui o “direito da vontade moral” em três categorias: o propósito, a intenção e a idéia do bem. Nos é aqui necessária ao menos uma breve análise destes elementos para obtermos uma visão do todo no campo moral e, por conseguinte, termos subsídios suficientes para passarmos ao âmbito da eticidade.

O “projeto e a responsabilidade”, primeira seção da moralidade, como Hegel escreve na Filosofia do Direito, diz respeito a um ponto pressuposto pela moral. Isto é, a ação moral em sua realização previamente supõe um mundo em andamento, desenvolvido e caracterizado por inúmeras circunstâncias.

“ A finitude da vontade subjetiva na imediaticidade da conduta consiste imediatamente nisso de ela supor, para que seja efetiva, um objeto exterior diversamente condicionado. O ato introduz uma alteração nesta existência dada, e a vontade é responsável por aquilo que a realidade alterada contém do predicado abstrato de ser minha”.

Na sua efetivação, a vontade moral questiona-se sobre o seu estar aí e suas determinações. Deste modo, a vontade tem o direito de verificar o resultado da ação que estava em seu propósito. “(...) a vontade tem o direito de só reconhecer como sua ação aquilo que ela se representou e, portanto, de só considerar responsável por aquilo que sabe pertencer às condições em que atuou, por aquilo que estava nos seus propósitos” (Rph, 1997, & 117, p. 118).

A ação do indivíduo transforma a realidade e produz, evidentemente novas conseqüências. Ora, Hegel diz que estas conseqüências podem ser de dois tipos: conforme ao fim proposto ou estranhas a ele. No caso das conseqüências serem estranhas ao fim proposto, surge o problema da responsabilização do ato. A moralidade trata somente das responsabilidades subjetivas. Isto impede que o sujeito seja responsável por aquilo que não se propôs. Deste modo, a vontade moral permanece encerrada na sua indeterminação subjetiva. E se assim o for, não há possibilidades de haver uma verdadeira e completa determinação do princípio de liberdade.

“O enfoque moral do mundo torna-se, para Hegel, uma via que, nos seus impasses e contradições, indicam uma consideração da efetividade do mundo a partir de um conhecimento ( ainda a ser produzido ) do que é o processo de autodeterminação do real. Eis porque não sentiu a necessidade de construir uma “moral”, pois esta veio a ser a “ Moralidade”. Tal como se atualiza no âmago de uma “ eticidade” enfim “ posta” na sua verdade. A ação moral é, então, uma ação essencialmente política: se uma ação política menos preza a “moral”, afasta-se decididamente dos caminhos em que se produz a liberdade”.

Hegel admite que “ é difícil distinguir o que constitui resultado necessário e resultado contingente (...)” ( Rph, 1997, & 118. p. 118). Mas não se pode ignorar as conseqüências, porque elas constituem a própria ação. Por outro lado, muitos aspectos exteriores à própria ação se agregam a ela de modo contingente e não constituem diretamente a própria ação. Desta forma “ a pedra que saiu da mão está em poder do diabo”. Como então distinguir conseqüências que pertencem à natureza próprias da ação, das que não pertencem à ação ou que lhe são acrescidas de modo contingente?

Hegel tentará elucidar esta questão na segunda questão da moralidade: a passagem do propósito para a intenção.

É possível que eu não possa prever certas circunstâncias que poderiam ser evitadas, mas devo conhecer a natureza universal do fato particular. A responsabilidade vai além do simples propósito do sujeito agente.

“A particularidade dos interesses da vontade natural, reunida na sua simples totalidade, é o ser pessoal como vida. Possui esta no período supremo e no conflito com a propriedade jurídica de outro, um direito que pode fazer valer (não como concessão graciosa, mas como direito) na medida em que há de um lado, uma violação infinita do ser e, portanto uma ausência total de direito e, do outro, apenas a violação limitada da personalidade”.

Diferentemente de Kant, poder-se-ia dizer que este é o direito que cada indivíduo tem de abrir uma exceção a seu favor em caso de extrema necessidade. Em caso de perigo extremo e em conflito com a propriedade jurídica de outro, escreve Hegel, a vida tem um “ direito de emergência”. ( ex., roubar para não morrer de fome.). O necessário é viver agora.; o futuro não é absoluto e está entregue à contingência. Por isso, a necessidade do presente imediato pode justificar uma ação injusta, pois, com sua omissão se cometeria, por sua vez, uma injustiça, e na verdade a maior injustiça, a total negação da liberdade.

O propósito é estritamente individual. A intenção aparece como que a necessidade da universalização. Pois, é dever conhecer o universal dentro do qual minha ação se situa. A intenção consiste em não permanecer na individualidade, mas em querer também o universal. Consiste da universalidade, na intenção o sujeito é responsável também pelos resultados e conseqüências do seu ato.


Hegel não nega a busca da própria satisfação na ação do indivíduo. Ao contrário do que queria Kant, Hegel não cogita a possibilidade de uma ação desinteressada. O universal não se apresenta separado do particular. É da vontade natural do indivíduo buscar a sua satisfação. Mas, para se concretizar a realidade não se deve permanecer na imediaticidade da vontade natural. Daí, Hegel emprega a categoria de “bem-estar”, pela qual o indivíduo eleva a sua vontade natural ao universal sem perder o direito de satisfazer a sua particularidade. “Refletido em si e infinito, tem o subjetivo, ao mesmo tempo que um conteúdo particular de bem-estar, uma relação com o universal, (...).O bem-estar de muitos outros indivíduos também, então, fim essencial e direito da subjetividade.” ( Rph, 1997, & 125, p. 123.).

Pelo “bem-estar” estabelece-se uma relação universal. O direito moral do indivíduo é direito de todos, por isso, o “bem-estar” de alguém é particular por satisfazer seus próprios desejos.; mas torna-se universal pelo fato deste alguém reconhecer-se como igual aos demais.

A Idéia do Bem é o resultado de um movimento que torna universal a particularidade. E é pelo “Bem” que a vontade moral descobre sua tendência ao universal.

“O bem é a idéia como unidade do conceito da vontade e da vontade particular, nela o direito abstrato assim como o bem-estar, a subjetividade do saber e a contingência da existência exterior são ultrapassados como independentes para – si, mas mantendo-se e continuando, ao mesmo tempo, em sua essência. É a liberdade realizada, o fim último e absoluto do mundo”.

Pela idéia do bem adquirimos a noção do “dever”. Mas, como já vimos no capítulo anterior, não trata-se de um “dever pelo dever” como queria Kant. O que entende Hegel por dever? “ (...) agirmos em conformidade com o direito e preocupemo-nos com o bem-estar que é, simultaneamente, individual e bem estar na sua determinação universal, o bem-estar de todos”(Rph, 1997, & 134, p. 128).

Ocorre que o Bem ainda se situa no plano da universalidade abstrata. Portanto, requer determinação. A idéia deve se determinar objetivamente. Para isso, superamos este momento da subjetividade (moralidade) e passamos para o último estágio de concretização da idéia objetiva: a eticidade.

2. 4 – Moralidade Objetiva

No âmbito da moralidade objetiva (eticidade), Hegel supera o nível em que permaneceu Kant (moralidade), buscando, assim, determinar o caráter normativo do agir humano. Ou seja, procura-se a adequação ao conceito.

“A moralidade objetiva é a idéia da liberdade enquanto bem vivente, que tem na consciência de si o seu saber e o seu querer que, por meio de sua ação, tem a sua realidade. Esta ação tem o seu fundamento em si e para si, e a sua finalidade motora na existência moral objetiva. É o conceito da liberdade convertida em mundo real que adquiriu a natureza da consciência de si”.

É na eticidade que a liberdade efetua seu movimento de concretização objetiva. Sendo que tal concretização inclui limitação da vontade. Pois, trata-se de vários indivíduos que procuram mediar as diferenças e decidir sobre elas. Nesta decisão, a vontade de um indivíduo se “ determina frente a outro” (Rph, 1997, & 13). Sendo que tal escolha sempre é determinada pela historicidade em que estes indivíduos estão inseridos.

Para além da vontade subjetiva, a eticidade refere-se ao conceito da liberdade em seu processo de desdobramento e concretização nas instituições sociais. Ela, (a eticidade), possui uma “estabilidade que mantém as leis e instituições, que existem em si e para si” (Rph, 1997, &144, p. 149).

O que, a partir de agora, determina o agir do indivíduo não é simplesmente seu aspecto subjetivo. Ao contrário, o indivíduo é considerado como membro de uma comunidade ética e, portanto, é responsável pelos resultados e conseqüências dos seus atos. Não se está assim restringindo a liberdade do indivíduo? Como é possível a realização da liberdade nas instituições sociais?

Na sua praticidade, o indivíduo se determina, põe uma diferença. Hegel, na esfera da eticidade, procura conciliar as diferenças que surgem entre vontade particular e vontade universal. Há, sim, uma restrição na vontade particular, bem como há uma restrição na vontade universal. De que forma:? Ora, diria Hegel: “no plano moral objetivo, tem o homem deveres na medida em que tem direitos e direitos na medida em que tem deveres” ( Rph, 1997, & 155, p. 154 – 155). Assim se realiza a liberdade na sua mediação social.

A limitação que ocorre na liberdade refere-se apenas à “liberdade abstrata” que pertence ainda à vontade natural, a uma “subjetividade indeterminada”. Pelo dever, o indivíduo alcança a liberdade substancial.

“ O movimente de supressão das determinações próprias do livre – arbítrio, convertendo cada indivíduo em elemento mediador do todo, faz com que cada um comece a reconhecer em outrem, e nas instituições que lhe são comuns, o surgimento de uma relação igualitária e livre”

É condição de possibilidade de convivência, a relação entre indivíduo e comunidade. Ambos estão unidos e a realização da liberdade não será possível se absolutizarmos um desses elementos. “Não há realização plena de liberdade como subjetiva em si mesma, pois conviver é conviver” (WEBER, 1993, p. 98). Outro elemento importante para que se possa viver eticamente é a superação da “vontade meramente natural” pela “segunda natureza”, onde o ético aparece como costume. Hegel diz que o espiritual deve substituir o natural.

“Na simples identidade com a realidade dos indivíduos, a moralidade objetiva aparece como o seu comportamento geral, como costume. O hábito que se adquire é como que uma segunda natureza situada no lugar da vontade primitiva puramente natural, e que é a alma, a significação e a realidade da sua existência. É o espírito dado como o mundo cuja substância se eleva assim pela primeira vez ao plano do espírito “.

Para que o indivíduo alcance seus direitos ele deve tornar-se cidadão do Estado por isso, deve superar aquela primeira natureza e passar a uma segunda natureza, onde está incluída a concretização da sua liberdade numa comunidade ética. A segunda natureza “é a história ética do indivíduo, isto é, a história do movimento ativo dos indivíduos chegando à consciência de si mesmos como membros de uma comunidade” (ROSENFIELD, 1983, p. 143).

O ético é a idéia da liberdade concretizada na forma de organização social. O indivíduo não perde seus direitos particulares, mas os vê como “ Aufgehoben” (superados e guardados) na substancialidade ética. É claro porém, que o exercício destes direitos implica uma coincidência com o exercício dos deveres. Devem haver direitos na medida em que há deveres e vice – versa. É necessária esta mútua restrição para a efetivação da substancialidade ética. Como acontece esta conciliação entre direitos e deveres?
Também a eticidade é dotada de uma estrutura que comporta a sua realização. Trata-se da “Família”, da “Sociedade-Civil” e do “Estado”. Estes são os movimentos que possibilitam o “ espírito como algo real e consciente de si na objetivação de si mesmo” (Rph, 1997, & 157, p. 155).

2.4.1 – “Substancialidade imediata”.

A família é a “substancialidade imediata do espírito”. Gerada e motivada pelo amor, “ Consciência própria da individualidade nessa unidade que é essência em si e para si” (Rph, 1997, &158, p. 155 – 156), a família é o primeiro momento que possibilita a mediação das vontades na eticidade. Isso porque no outro me é permitido reconhecer a mim mesmo. “Eu sou eu na medida em que me objetivo no outro” (WEBER, 1993, p. 103).

Dada a unidade interna que a constitui, a família, pode ser vista como uma só pessoa, ou uma pequena comunidade ética entre as demais. A realização da família, por sua vez, se dá em três momentos: Casamento, na sua “Existência exterior” (propriedades, bens, ...), na educação dos filhos e na própria dissolução da família.

O casamento se faz necessário para que haja, além da perpetuação da espécie, a perpetuação ética. “O elemento moral objetivo do casamento consiste na consciência desta unidade como fim essencial”. (Rph, 1997, & 163, p, 158). Esta consciência consiste no fato de cada um dos cônjuges renunciar um pouco da sua subjetividade para levar uma vida a dois. Portanto, é preciso superar os elementos naturais (contingência das paixões e desejos momentâneos) para que o casamento se efetive. Além disso, os cônjuges não devem ser consangüíneos e o casamento deve ser realizado publicamente para que haja o reconhecimento das famílias, de toda a comunidade e do Estado. É essencialmente monogâmico e em raros casos, pode haver o divórcio, sendo que este só será concedido pelo Estado.

Ora, é necessário, porém, algo que garanta a sobrevivência da família. E se ela pode ser considerada como “ pessoa jurídica”, tem direito à propriedade. A propriedade apresenta-se como um bem pertencente a todos. Cada membro da família tem um direito relativo sobre a propriedade familiar. Cabe ao pai providenciar a economia, a aquisição de bens e a representação externa da família como unidade ética.

O resultado, a síntese do amor dos pais é o filho. “Os pais amam os filhos como seu amor e existência substancial”. (Rph, 1997, &173, p. 163). A objetivação do amor dos pais e a concretude da família se dá nos filhos. Surge agora um dever dos pais para com os filhos, o dever de discipliná-los e educá-los. A educação é de grande importância, pois prepara os filhos à convivência social.

“ A educação divide-se em dois momentos, um positivo e outro negativo: a) a determinação positiva consiste na introdução da vida ética imediata sob a forma do amor, da convivência, da obediência.; b) a determinação negativa é a educação que tende à autonomia das crianças em direção à criação de uma nova unidade familiar”.

As crianças após seu desenvolvimento natural, após terem recebido a educação que lhes é devida, tornam-se preparados, agora na idade adulta, a deixar a família a que pertenciam e iniciar a formação de uma nova família.

“ A dissolução moral da família provém do fato de os filhos, ao assumirem a personalidade livre, ao atingirem a maioridade, serem reconhecidos como pessoas jurídicas e tornarem-se capazes, por um lado, de livremente possuírem a sua propriedade particular e, por outro lado, de constituírem família”.

A esse movimento Hegel chama de “dissolução ética da família”. O que ocorre mesmo havendo a separação entre os cônjuges. Pois, neste caso, suas obrigações para com os filhos continuam sendo as mesmas. Obrigações estas, asseguradas pelo Estado.
Após a dissolução da família, o indivíduo torna-se independente e passa a atuar diretamente na sociedade civil:
“ A independência da pessoa só é alcançada com a dissolução da família. Esse novo espaço, que então se abre, é preenchido pela sociedade civil, que tem na sua base pessoas concretas e independentes, reconhecidas como tais pela sua maioridade”.

Na sociedade civil, o indivíduo busca a satisfação dos interesses pessoais. Ele supera aquela eticidade natural presente na família e busca a eticidade substancial na sociedade civil. Porém, esta eticidade, apenas aparece na sociedade civil, pois ainda é forte o individualismo dos sujeitos. Propriamente, neste ponto inicia o grande conflito entre a vontade particular e a vontade substancial. Como conciliá-las? Se aqui inicia o conflito, aqui iniciará também a solução deste, a partir dos desdobramentos últimos da eticidade e com sua concretização efetiva no Estado.

2.4.2 – “Estado de necessidades”

O indivíduo deixa a família a que pertencia e ingressa à sociedade civil procurando realizar sua vontade particular. Ocorre que, na sociedade civil, se defronta com inúmeros outros indivíduos que também buscam a realização das suas vontades particulares. Surge então, uma luta pela própria sobrevivência, onde cada um executa e põe em prática suas habilidades para satisfazer seus próprios interesses. Se faz necessário, então, para que haja ordem e espaço para todos na sociedade civil, a mediação das vontades que, dentro de cada circunstância, exige o reconhecimento recíproco dos indivíduos.

“Na sua realização condicionada desse modo pela universalidade, o fim egoísta é a base de um sistema de dependências recíprocas no qual a substância, o bem estar e a existência jurídica do indivíduo, ligados à subsistência, ao bem estar e á existência de todos, em todos assentam e somente são reais e assegurados nessa dependência”.
O que caracteriza a sociedade civil é o fato de ela ser “ o campo de batalha dos interesses individuais de todos contra todos” ( Rph, 1997, & 289, p. 242). É um “ estado de necessidades”, onde os indivíduos não podem realizar seus interesses sem relacionar-se com os demais. É possível a realização de todos os interesses?

Sobre isso, afirma Hegel:
“Como cidadãos deste estado, os indivíduos são pessoas privadas que têm como fim o seu próprio interesse. Como este só é obtido por meio do universal, que assim aparece como meio, aquele fim só poderá ser alcançado quando os indivíduos determinarem o seu saber, a sua vontade e a sua ação de sua conformidade com um modo universal e se transformarem em elos da cadeia que constitui o conjunto”.

Aparece, então, a concepção de que seja organizada a sociedade civil, esse meio onde há mediação das vontades para se chegar à eticidade no Estado. Na sociedade civil há uma conformidade entre os costumes, mas também surgem novas normas de condutas estabelecidas pelos indivíduos que nela se encontram. A mediação das vontades se dá nas diferentes classes sociais e nas corporações (estas visam às satisfação dos interesses comuns, são associações de professores, advogados...).

Hegel afirma havere três tipos de classes sociais das quais cada indivíduo pode escolher uma para dela fazer parte. “(...) as classes se dividem em substancial ou imediata, reflexiva ou formal e, finalmente, em classe universal” (Rph, 1997, & 202, p, 17). Os indivíduos que escolhem trabalhar o produto natural pertencem á classe substancial, que é agricultura. Uma segunda classe transforma o produto natural, é classe industrial, dita por Hegel como reflexiva. Por fim, vem aquela classe que se ocupa dos interesses gerais da sociedade, é a classe universal.

São diversos os fatores que proporcionam a divisão das classes:

“Os meios infinitamente variados, assim como os movimentos que o determina pela produção e pela troca recíprocas, conduzem, por causa da universalidade imanente que possuem, a uma conjugação e a uma diferenciação em grupos gerais. Esta totalidade adquire, então a figura de um organismo vivo formado por sistemas particulares de carências, técnicas e trabalhos, modos de satisfazer as carências, cultura teórica e prática, sistemas entre os quais se repartem os indivíduos, assim se estabelecendo as diferenças e classes”.

O indivíduo entra na sociedade civil com suas habilidades e seu patrimônio. Isso também gera desigualdade social. Porém, é um fator natural, mas não impede que o indivíduo desenvolva suas habilidades e patrimônio de acordo com a classe à qual quer pertencer. De acordo com o “sistema das suas necessidades” e a sua satisfação, os indivíduos unem-se e formam as corporações. É nas corporações que se dá a mediação dos interesses e se trabalha os conflitos. A corporação é como que a segunda família, a “segunda raiz moral do Estado”. “ se não for membro de uma corporação legítima (e só quando uma corporação é legítima pode dela nascer uma comunidade), o indivíduo não tem honra profissional. O isolamento o reduz ao aspecto egoísta da indústria” (Rph, 1997, & 253, p. 203).

Como membro de uma corporação, o indivíduo realiza o substancial. Nela o indivíduo tem espaço para nos outros reconhecer a si. Na corporação, o indivíduo realiza a mediação de seus interesses com os outros membros desta corporação e participa, assim, como quer Hegel, para a realização do universal, de uma comunidade ética. A questão que se levanta é: como se solucionam os conflitos que poderão surgir entre as corporações. “O domínio da sociedade civil conduz, pois, ao Estado” (Rph, 1997, & 256, p. 204).

No estado ocorre a síntese entre família e sociedade civil. A eticidade natural, os momentos contingentes ( sentimentos ) da família e os demais momentos característicos presentes na família e na sociedade civil serão superados e guardados ( aufgehoben) no Estado. Isso não permite que seja formado um estado totalitário, mas que seja possível a efetivação real da idéia de liberdade. “ (...) o estado é, em geral, o primeiro. No intrínseco dele, a família desenvolve-se em sociedade civil, e o que há nestes dois momentos é a própria idéia do estado”. ( Rph, 1997, & 256, p. 204).

Agora, na formação do Estado, podemos dizer que há, a partir da família e da sociedade civil, a coabitação entre forma e conteúdo que Hegel exigiu de Kant, como vimos no primeiro capítulo deste trabalho. Portanto aqui, “no movimento dialético da mediação das vontades dos sujeitos agentes, na família, nas corporações e no estado” (WEBER, 1999, p. 132), é que se torna possível a universalidade das leis morais.

2.4.3 – “Realidade efetiva da liberdade concreta”.

A necessidade do Estado se dá pelo fato de que a família e a sociedade civil mesmo sendo “raízes éticas”, não se justificam por si mesmas. Ora, Hegel pretende mostrar as condições de possibilidade da realização da liberdade. E, por não serem os momentos da família e sociedade civil o suficiente para tal realização, Hegel apresenta o estado como aquele onde se dá tal realização, o “verdadeiro fundamento”.

“O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si: nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que, em serem membros do estado, têm o seu mais elevado dever”.

A essência do Estado é a família e a sociedade civil. Cabe a ele preservar essa universalidade, integrando os interesses particulares com o interesse universal. Mas, para que o Estado possa se manter politicamente forte não pode encarregar-se da justiça, administração pública, economia... pode intervir nestas relações, mas cabe às instituições sociais administrá-las. O Estado apenas supervisiona seus momentos para garantir a efetivação da substancialidade ética.

O Estado é a idéia ética como pensamento realizado. Ela já está presente nos momentos anteriores, mas os indivíduos ainda não estão realmente conscientes desta idéia.
“O homem privado age, mas sua ação não visa o universal que, contudo, ele realiza: o membro da sociedade trabalha e, trabalhando para ele mesmo, trabalha para todo o mundo.; mas ele ignora que seu trabalho seja o universal, e por conseqüência o mundo do trabalho é um mundo exterior a seus habitantes, um mundo que se faz sem valorizar o fazer”.

No Estado, há a superação das contingências, ficando o necessário interiorizado pelos indivíduos através do seu processo de concretização e objetivação no universal. Porém, devemos entender esta forma de Estado com o Estado absoluto não ainda realizado. Ou seja, é o Estado ideal proposto por Hegel. Sendo que os Estados Históricos (Estados reais) são apenas realizações parciais desta idéia de Estado absoluto. Isto significa dizer que não é possível a realização do Estado absoluto?

Pelo contrário, os Estados históricos visam o Estado absoluto e estão continuamente de acordo com o processo histórico em que se encontram, marchando rumo ao Estado ideal. O que também não significa dizer que haja um Estado absoluto. Quando Hegel afirma que o real é o racional não está querendo dizer que o racional necessariamente já esteja efetivado. O real é o ideal enquanto possibilidade deste, mas não que já o seja. Sabendo como deve ser o real e olhando para o real como ele é, sei que não é o que deve ser, por isso, em suas múltiplas possibilidades exerço minha liberdade, escolhendo um caminho e buscando o ideal.


É importante percebermos como Hegel não elimina a existência das diversidades para concretizar o estado substancial. A diversidade não pode ser consumida na necessidade. Ela deve estar presente como superada e guardada. Há, sim, uma limitação do particular, do contingente.; mas este permanece na necessidade. Poderíamos, aqui, como exemplo desta presença da contingência na necessidade, remontar ao momento da família. Na família, há uma superação das vontades naturais de cada um dos cônjuges para a concretização da mesma como comunidade ética, mas permanece aquela contingência, o sentimento que caracteriza a individualidade.; inclusive, possibilitando o divórcio com o consentimento do Estado.

“Todos estamos convictos de um mínimo necessário, para que a convivência seja possível. Mas essa necessidade não pode limitar as possibilidades a tal ponto de inviabilizar a criatividade e as iniciativas dos indivíduos. A verdadeira Alfhebung é aquela na qual a necessidade e a contingência estão como que superadas e guardadas, nas mesmas proporções, na síntese”.

O indivíduo não renuncia a sua individualidade para viver no Estado. No Estado, ele é cidadão e, como tal, deve estar consciente das suas mediações nas determinações que o formam. Ele não deve simplesmente obedecer por obedecer às ordens do Estado. Mas, é dever do indivíduo “pôr em funcionamento o conjunto das determinações que constituem o cidadão que é, simultaneamente, homem jurídico, moral, membro da família, da sociedade e do Estado”. (ROSENFIELD, 1995, p. 226).

É de extrema importância a consciência e ação do indivíduo no Estado, pois sem elas o conceito de Estado em si não tem possibilidades de se realizar. O Estado, para ser melhor ou pior, depende dos indivíduos e suas ações conscientes, é pela consciência que o cidadão determina sua liberdade. O indivíduo tem o seu direito de dizer não ao ser-aí do Estado como se apresenta. Isso o possibilita a buscar o Estado absoluto. “O exercício do direito, a atividade do pensamento e o pesar do cidadão perfazem e desenvolvem o conceito de estado” (ROSENFIELD, 1993, p. 23).

Devemos ter clara esta relação entre sociedade civil e Estado, para não cairmos no erro de considerarmos este último como soberano sobre a primeira. A sociedade civil refere-se às esferas particulares, através das quais os indivíduos se associam e formam grupos para realizar seus interesses particulares. O estado, por sua vez, é a organização do poder político que visa à universalidade como fim, principalmente a sobrevivência da comunidade popular.

Aliás, segundo Hegel, a forma de governo melhor é uma forma evoluída. Tal forma, no seu sistema, corresponde ao momento em que Estado e sociedade civil estão compenetrados. Isto é, “a sociedade civil é plenamente desenvolvida e o Estado, que a regula, reflete-lhe a complexidade na distinção e na articulação de seus órgãos, e, regulando-a, conserva-lhe a autonomia dentro dos limites do fim último do Estado, que é a unidade do todo” (BOBBIO, 1995, p. 152).
Todos participam dos assuntos públicos e o Estado, se apropriando da noção do público sobre os assuntos tratados, determina o que é publicamente permitido, promovendo a realização da liberdade pública. Lembremos que há diversos Estados particulares e que depende de como em cada um deles os indivíduos agem para que este se aproxime do Estado ideal. Porém, também é necessário enfatizarmos que, embora cada Estado tenha a sua história particular, todos estão unidos pela figura da história universal, assim como o estado ideal é objetivo de todos os particulares.

Quanto ao conceito de Estado, Hegel é claro ao afirmar, na Filosofia do Direito que:

“É o Estado a realidade da liberdade concreta. A liberdade concreta consiste em a individualidade pessoal, como os seus particulares, de tal modo possuir o seu pleno desenvolvimento e reconhecimento dos seus próprios direitos (...). Disto provém que nem o universal tem valor e é realizado sem o interesse, a consciência e a vontade particulares, nem os indivíduos vivem como pessoas privadas unicamente orientadas pelo seu interesse e sem relação com a vontade universal, deste fim são conscientes de sua atividade individual”.

Hegel não está tentando formular um Estado totalitário, isso fica muito bem explícito quando afirma que o indivíduo tem direitos na medida em que tem deveres e vice – versa. “O Estado é, por um lado, necessidade externa e poder superior, subordinam-se-lhe as leis e os interesses daqueles domínios, mas, por outro lado, é para eles fim imanente”. (Rph, & 1997, p. 212). Há um reconhecimento do indivíduo como tal no Estado. Como membro do Estado, o indivíduo é por ele protegido bem como protegida será sua propriedade, ele adquire “consciência e orgulho de ser membro do conjunto” (Rph, & 261, p. 213).

Através desta concepção de Estado, Hegel pretende resolver aquele problema da conciliação entre a vontade particular e a vontade substancial. Se houver a devida relação entre sociedade civil e Estado, certamente haverá uma perfeita integração das vontades particulares e universais, bem como perfeita será a realização da liberdade. O universal e o particular vivem unidos um em função do outro. É esta a forma de Estado proposta por Hegel, “Um Estado Novo”.

O povo produz, pela sua razão, a constituição e a ela adaptam sua conduta. E não há possibilidades do indivíduo ser livre fora de uma constituição e, consequentemente, de um Estado, pois, “a constituição política, como organismo do Estado, é a realização da idéia na forma de “poderes e suas tarefas” (WEBER, 1993, p. 144).

Saibamos porém, que a constituição feita pelo povo não se refere a uma constituição propriamente escrita a um determinado momento da história. Ao contrário, é a história em seu processo que produz a constituição. Ela é a expressão do “espírito de um povo”, sua cultura, costumes etc... Bem porque Hegel entende o “povo” como sendo uma totalidade orgânica”.

“Um povo não é uma soma de indivíduos, mas uma totalidade orgânica caracterizada por um modo particular de viver e de pensar, por um sistema determinado de regras de conduta, a que Hegel justamente dá o nome de eticidade. O povo é uma “totalidade ética”. Enquanto totalidade ética, não é mais um artefato, o produto artificial de indivíduos esparsos e separados que se reúnem em sociedade por vontade deliberada, mas um fato natural, um produto da história ( ... )cujos obscuros e muitas vezes inconscientes executores são os indivíduos”.

Ora, mais que organizar-se e regular-se juridicamente, o povo é um “organismo vivo”, portanto, movimento e, como tal, história. Daí que depende da consciência de cada povo, de sua liberdade subjetiva, a realidade de sua constituição. “Cada povo tem, por conseguinte, a constituição que lhe convém e lhe é adequada” (Rph, 1997, & 274, p. 231). A constituição se forma pelo processo histórico da própria formação da “consciência do racional”. Ora, sendo estabelecida (a constituição), então, pelo racional, cabe ao indivíduo em sua liberdade seguir o que já é determinado. Mas isso não restringe sua iniciativa e criatividade, pois mesmo havendo, no transcurso histórico um estreitamento das alternativas, o processo continua e mantém em si a contingência.

O Estado é a expressão máxima da universalidade e, como vimos acima, cabe a ele supervisionar as instituições e não administrá-las. Tal supervisão, no entanto, é realizada pelas diferentes substâncias estatais:

“Divide-se o Estado político nas seguintes diferenças substanciais: a) capacidade para definir e estabelecer o universal – poder legislativo.; b) integração no geral dos domínios particulares e dos casos individuais – poder do governo.; c) a subjetividade como decisão suprema da vontade – poder do príncipe. Neste se reúnem os poderes separados numa unidade individual, que é a cúpula e o começo do todo que constitui a monarquia constitucional”.

Hegel tem uma visão progressiva da história, daí que, quando se refere à monarquia como forma de governo, não está se referindo à monarquia tal qual foi entendida até então. Para Hegel, a monarquia é a mais indicada forma constitucional para o desenvolvimento político dos indivíduos, pois permite a participação de todos nos assuntos comuns a todos. A monarquia proposta por Hegel deve ser vista após a Revolução Francesa, ou seja, está ela marcada por mais uma e diferente experiência realizada pela história.

A monarquia constitucional pretende realizar no universal a vontade do particular:

“ Na monarquia constitucional, o príncipe vive da atividade dos cidadãos e a divisão dos poderes expressa condensação de cada poder nos demais, pois o seu fundamento é o mesmo: a intervenção consciente dos cidadãos nos assuntos públicos, verdadeira culminação dessa divisão”.

Conclui-se, então, que a monarquia constitucional não visa apenas à liberdade de um só, mas de todos. Esta melhor distinção poderemos perceber no como se integram os diferentes poderes que constituem a monarquia constitucional.
Hegel compreende o Estado como uma totalidade orgânica. Sendo assim cada parte exerce uma função no todo. Por isso, a formulação dos diversos poderes.
Na figura do príncipe está a personificação da soberania. E “soberania significa, então, que cada um dos atos dos membros do Estado, e também os atos deste, vão encaminhados a um fim que é o bem estar do Estado mesmo” (VALCÁRCEL, 1988, p. 419). Assim como na família o pai é a representação, o chefe daquela comunidade ética, agora, no Estado, o mesmo papel é assumido pelo príncipe.

“O poder do príncipe contém em si os três elementos da totalidade, a universalidade da constituição e das leis, a deliberação como relação do particular ao universal, e o momento da decisão suprema como determinação de si. (...) esta determinação absoluta de si constitui o princípio característico do poder do príncipe”.

Tendo presente a realidade como um todo, e a ação consciente dos indivíduos como constitutiva das leis de cada povo, não cabe ao monarca decidir sobre as leis. Ele é a representação desta união das vontades e como tal, seu consentimento nas leis serve apenas para mostrar que tal lei, tal constituição, expressa a universalidade e nele está efetivada e concretizada a liberdade dos indivíduos.

Submisso ao poder do príncipe está o poder do governo. No governo, para manter a ordem geral, há divisão de tarefas. O poder do monarca é dado hereditariamente, mas do governo, por concurso público. Ao assumir um cargo público, o indivíduo deve agir eticamente pois, “ é da conduta dos funcionários do estado que depende a satisfação e confiança dos cidadãos no governo” ( WEBER, 1993, p. 161).

O poder legislativo é formado pelos representantes das comunas, corporações, enfim, procuram representar o povo junto ao Estado. O poder legislativo realiza esta mediação entre o povo e o governo. É uma instituição representativa.

“(...) seu destino próprio é o de conferir direito ao fator de liberdade formal dos membros da sociedade civil que não participam no governo, informando-os sobre os assuntos públicos e, sobre eles, convidando-os a deliberar – aplica-se tal exigência de informação universal mediante a publicidade das deliberações das assembléias”

A opinião pública é de muita importância.; pois o povo está vivendo a realidade e dela percebe as necessidades. Porém, deve-se tomar cuidado com esta opinião, pois está ainda manchada por interesses puramente particulares ou más interpretações da realidade. Portanto, não se deve considerar totalmente correto o dizer: “A voz do povo é a voz de Deus”. Pois, na opinião pública “a infinita verdade e o infinito erro tão diretamente se unem” (Rph, 1997, & 317, p. 259). Os que formam o poder legislativo são todos como que interpretes desta opinião pública e o povo neles confia como mediadores de sua vontade junto ao povo.

Com esta breve apresentação da divisão de poderes, forma de governo, enfim, a estrutura do Estado, procuramos demonstrar justamente como se dá a lógica que o constitui. Nos foi possível perceber como o Estado pode ser considerado como universalidade máxima. Mas, ao mesmo tempo, individualizado na figura do príncipe. E a responsável por transformar o universal, do Estado, em individual, na figura do príncipe, é a História.

Os Estados históricos traduzem o espírito de um povo. A História universal, traduz o espírito do mundo e dele é juízo. “História é, segundo o conceito de sua liberdade, o desenvolvimento necessário dos momentos da razão, da consciência de si e da liberdade do espírito, a interpretação e a realização do espírito universal” (Rph, 199, & 342, p. 272).

A História procura trazer à consciência a necessidade da efetivação do espírito em si, do conceito. Sendo que esta não deve ser buscada fora, porque desde sempre esteve presente, porém desconhecido o seu próprio processo de autodeterminação, esteve inconsciente no ser. O processo lógico leva, pelos desdobramentos e concretização do conceito, à revelação do espírito absoluto.

“Se a essência do espírito é ser livre, a história é a realização desta liberdade. Realização pressupõe, porém, a consciência da liberdade. A consciência da liberdade é condição para a sua efetiva realização. Enquanto o homem não chegar a tal consciência, não pode ser efetivamente livre”.

Neste sentido de conscientização de sua própria liberdade, o indivíduo age livremente. A independência é o primeiro fato histórico de um povo, afirma Hegel no parágrafo 222 da Filosofia do Direito. Como exemplo disso, Hegel mostra parte do processo histórico em que o povo toma tal consciência. Ele fala inicialmente do império oriental, onde um só era livre. Os gregos, por serem conscientes de sua liberdade, consideravam-se livres. No império romano, a liberdade dos indivíduos é sacrificada em vista do fim universal. Por fim, Hegel cita os povos germânicos, onde todos os homens, por terem consciência de sua liberdade são livres.

Na História se dá a realização da liberdade. É uma realização plena? Não. Porque nela está presente a contingência e a necessidade, e isto impede que chegue o momento em que a liberdade se realize plenamente. Pois, se na história se dá a realização da liberdade pela efetivação e concretização da idéia, e esta for plenamente realizada, interrompe-se também o processo dialético da História e a própria História. A dialética é a “alma própria do conteúdo, de onde, organicamente, crescem os ramos e os frutos” (Rph, 1997, & 31, p. 62.).

“Conceber aquilo que é, eis a tarefa da filosofia.; pois, aquilo que é, é razão. Quanto ao indivíduo, cada um é filho do seu tempo.; do mesmo modo a filosofia resume o seu tempo no pensamento”.

A racionalidade permanente na história deve ser clareada, mostrada. O racional se mostra no real, e devemos analisar o real para compreender o racional. Este, fez-se como necessário em todos os momentos da História. Tanto no Estado quanto na História,
podemos vê-los como a pedra lançada na água cuja ação forma círculos concêntricos. Nesta imagem nos é permitido ver como um sucede ao outro, formando um todo, e que cada círculo em relação ao anterior é universal, mas em relação ao posterior é singular e particular. Assim é o processo da História, da concretização da liberdade e da efetivação da eticidade. Não se refere a uma repetição de fatos, mas a um progresso, a uma maturidade consciente do desenvolvimento dos indivíduos.

































Conclusão

A racionalidade que fundamenta nossa moralidade é o nosso próprio pensamento. Ser moral significa ser livre. Mas esta liberdade impõe limites, na medida em que o indivíduo se conscientiza e se reconhece como membro da sociedade, alcançando no Estado o equilíbrio da vontade subjetiva (imediata) com a vontade substancial (universal), sendo agora reconhecido como cidadão e homem livre.



As liberdades individuais sofrem limitação, na medida em que um indivíduo se relaciona com o outro e, nesta mediação social que se dá nas instituições, a vontade particular é levada a um nível superior: a eticidade. Na eticidade não é eliminada a subjetividade, mas nela se dá a concretização do meu agir num modo de atuação universal.


Portanto, para que possa haver uma conciliação entre as vontades imediatas e a vontade substancial, é preciso haver o sacrifício de uma das partes. Este ocorre no âmbito das vontades particulares. Não é um sacrifício que elimina as vontades particulares, mas que as concretiza na vontade substancial, para que assim possa haver a harmonia entre os indivíduos num determinado Estado e num determinado momento histórico. Nisso ocorre a concretização da Idéia de Liberdade posta por Hegel.


Ainda na introdução deste trabalho, afirmávamos que o mundo atual passa por um cenário de crise, não como o contexto alemão no final do século XVIII, início do século XIX, mas talvez igualmente motivado. Daí nossa preocupação em resgatar um pouco o sentido do racionalismo fundante de um agir livre e moral (ético). Numa limitada contextualização da filosofia hegeliana no mundo contemporâneo, podemos perceber tal cenário de crise. Vejamos, por exemplo, o mundo liberal, onde há uma nítida primazia da economia sobre a política. Ou seja, não ocorre a devida ligação entre o universal empírico e o universal cultural, como propôs Hegel na relação entre Estado e sociedade civil.


Outro fator a ser notado é a tentativa de sistematização entre a liberdade individual e coletiva (estatal, cultural...). Percebemos, neste caso, a importância da conciliação entre as vontades particulares e a vontade universal. Ocorre que, numa falsa compreensão de liberdade, num exercício de liberdade fundado pura e simplesmente na vontade natural (desejos, inclinações...), não há qualquer moralidade (eticidade), porque não há uma verdadeira liberdade. Vivemos numa sociedade contrária ao Direito e, como afirma Hegel na Propedêudica filosófia: “Uma conduta contrária ao Direito é a que não respeita o homem enquanto pessoa, ou o que invade o domínio de sua liberdade”. Ora, como poderemos viver bem entre pessoas que apenas exigem direitos, (há, porém, algumas pessoas que estão tão distantes da realidade que nem sequer seus direitos conhecem), sem cumprir nenhum dever para com os outros? É uma incógnita que se faz presente, enquanto não houver um princípio de liberdade que questione e desestruture todas as formas de sociedades desumanas.


Falta-nos, hoje, a capacidade de aprendermos com a História. A História, como Hegel a compreende, se apresenta como progresso que se exprime em vários níveis de consciência e o objeto desta consciência é a Liberdade. Não podemos negar que passamos a buscar, na leitura da História, aquelas categorias interpretativas que nos levam a uma resignificação de certezas, valores, saberes da nossa vida social e política. É sim necessário resgatarmos alguns conceitos ou até mesmo formularmos novos, desde que seja em vista de uma reestruturação da sociedade em bases racionais, para que haja um reajuste à liberdade e aos interesses dos indivíduos.


O tema discutido neste trabalho não pode ser dado por encerrado. É preciso que sempre estejamos revendo nossos conceitos, questionando, se preciso o for, o que já fora questionado, principalmente se Hegel estiver certo ao afirmar que “não é a verdade que é histórica, mas a História que é verdadeira”.





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11 - _________ Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 1986. Trad. De Paulo Quimtela

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