Restaurante Museum, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O ambiente é agradabilíssimo. Grandes janelões não deixam alternativa à claridade senão a de tomar conta integral do salão. Olhando-se para fora vê-se o verde exuberante dos jardins do Palácio. Algumas pombas arrulham lá fora.
Sinto-me bem. Sei que o local é freqüentado por intelectuais, homens de negócios, artistas e escritores. Por uma hora ou duas farei parte desse mundo. Quero comer devagarinho. A comida é saborosa e a apresentação dos pratos faz jus ao ambiente; é uma obra de arte.
Vejo numa mesa ao lado o consagrado escritor José Heitor Ribeiro. Já li alguns livros dele, inclusive o último “Sob o olhar dos moais”. Seu texto é cativante. O prazer de vê-lo pessoalmente é grande. Faço de conta, porém, que ele é o mais comum dos mortais.
Ele está acompanhado de uma bela mulher, alguns anos mais jovem do que ele. Está muito seguro de si. Ela, no entanto, parece constrangida. Não consigo resistir. Sintonizo meus ouvidos.
Diz ele:
-- Nada disso é verdade, querida. Como você pode pensar que as situações vividas pelo personagem do meu último romance foram situações vividas por mim mesmo? Elas foram apenas o resultado da minha imaginação, do meu esforço criativo. Se assim não fosse, que escritor seria eu?
Ela retrucou:
-- Acontece que li ontem uma entrevista sua a um jornal aqui do Rio. Nessa entrevista, perguntado como teria surgido seu último romance, você comentou que, na maioria das vezes, um fato real ocorrido era o mote para desencadear a ficção. Fora o caso desse seu último livro. A idéia surgira ao você observar a alegria contagiante de uma mulher ao desembarcar do avião naquela viagem que você fez no ano passado à Ilha da Páscoa.
Ela continuou:
-- Você disse ainda ao jornalista que a observação feita por você foi repassada ao personagem masculino do romance, mas que o personagem foi em frente, quis mais do que simplesmente acompanhar de longe a alegria da moça. E você aproveitou o cenário maravilhoso da ilha para situar o desenvolvimento da trama.
-- Quem me garante que você ficou restrito à observação inicial? Que as peripécias do personagem descritas por você no livro foram só fruto da sua imaginação? Em uma semana que você ficou na ilha, bem que poderia ter acontecido de fato tudo ou quase tudo o que você descreveu no romance.
Ele tomou um gole de cerveja e disse:
-- Que mais posso fazer? Já disse e garanto a você que nada do que está pensando aconteceu. Você precisa acreditar em mim.
A moça, com lágrimas nos olhos, pediu licença e foi ao banheiro.
Nesse meio tempo, entra no restaurante uma mulher bonita, alta e morena. Instantaneamente, todos os olhares se voltam para ela. A alegria estampada no seu rosto é visível. Lembrei-me da mulher do romance. Deu-me vontade de compartilhar com a moça que acabara de chegar essa alegria.
A mulher viu o escritor e dirigiu-se até ele. Tive o pressentimento de que seria ela o pivô da crise de ciúmes que eu presenciara. Tive a certeza quando ela chegou até ele, beijou-lhe e disse:
-- Esperei tanto seu telefonema após aqueles dias maravilhosos que passamos na Ilha da Páscoa. Por quê você não ligou?
Eu não quis ficar para assistir o desfecho. O tempo iria fechar. Paguei rapidamente a conta e saí. Nosso escritor não era tão inocente, nem tão criativo – pelo menos na ficção – quanto dissera.