Hiponímia e Hiperonímia
O Português é uma das mais belas línguas do mundo. Quiçá, “a última flor do lácio inculta e bela” seja realmente a mais linda do mundo. A diversidade de seu vocabulário é imensa; com milhares de termos e uma infinidade de sinônimos que servem para dizer uma mesma coisa. A lindeza de nossa língua dá prazer ler, ou quando se escreve, sua variedade apresenta-se de tal forma que os pensamentos são expressos das mais variadas maneiras: erudita ou vulgar; isso depende de quem escreve.
Entretanto, tenho observado, com pesar, que nosso vocabulário vem se encolhendo bastante ao longo dos anos; restringindo-se a meia dúzia de palavras-chave, que se repetem e servem para tudo. São verdadeiros coringas, cujos significados muitas vezes são totalmente adulterados, como fez certo ministro do STF com a palavra qualquer; no jornalismo esportivo, agora inventaram MINUTAR para significar experiência, palavra esta que no passado significava rascunho de alguma coisa. Outrora, qualquer pessoa, mesmo as menos letradas, expressava-se, cada uma à sua maneira, de forma diversa, sem chavões, frases feitas, ou modismos surrados.
Porém, com o advento da globalização, principalmente com a influência da televisão que deixou de ser regional para ser nacional, isso tudo mudou. As pessoas passaram a imitar as falas de personagens de telenovelas, de locutores, apresentadores, atores, e de muita gente de parcos conhecimentos gramaticais; com influência também das propagandas com seu linguajar pífio e pobre, acreditando que seguindo os padrões normativos dos falantes está evoluindo e se comunicando eruditamente.
Nosso povo, de uma maneira geral, já sem muita cultura, sofrendo das consequências nefastas dos meios de comunicação; somando-se a isso a banalização do ensino, principalmente, do superior; quando governos esquerdistas começaram a atacar o conhecimento, sob a propaganda despudorada de que somente ricos podiam ter acesso às universidades; passou a nivelar todo o conhecimento por baixo, bem como criou uma espécie de Ministério da Verdade a exemplo do que se refere George Orwell, quando em seu livro 1984, no apêndice traz os princípios da “novilíngua” e fala sobre um idioma oficial da Oceania para atender as necessidade do Socing, ou Socialismo Inglês, criada com a finalidade de restringir o pensamento, reduzindo as palavras a um mínimo possível.
Todo esse pequeno preâmbulo, tem por finalidade mostrar que a mensagem de George Orwell vem sendo copiado por governos esquerdistas, não só aqui no Brasil, mas alhures, que na ânsia de controlar o povo, também limita seu vocabulário. Essa limitação vem ocorrendo há algum tempo, numa busca de controle social da sociedade. Já na década de 1970, embora não se usasse ainda o termo controle social; Carlos Eduardo Novais escreveu uma crônica sobre a palavra SÍNDROME. Como diria Belchior: “moda em 77”, quando do lançamento do filme Síndrome da China e a palavra passou a ser obrigatória em todas as conversas e textos jornalísticos.
Naquela crônica, ele escreve, escreve, escreve e ao final emprega a palavra SÍNDROME e pede desculpa; dizendo não saber se a palavra cabia naquela conjuntura – para não usar contexto -, mas como era moda, não poderia perder a oportunidade de empregá-la.
Há poucos dias vi uma aula da professora Lara Brenner sobre os termos HIPONÍMIA e HIPERONÍMIA. A primeira é um termo mais específico e restrito; enquanto a segunda é um termo mais amplo, mais genérico, mais abrangente. Por exemplo, felino é um hiperônimo de: gato, leão, tigre, onça...; enquanto, esses, ou seja, gato, leão, tigre, onça, são hipônimos. Dito isso, quero me referir ao que ocorre hoje no Brasil quando passamos a usar termos não específicos para cada coisa em particular, limitando nosso rico vocabulário a meia dúzia de palavras-chave.
Isso é bem fácil de ser observado. As festas acabaram-se, assim como os festivais, as confraternizações, os bailes, as reuniões, as palestras, etc. Tudo virou evento. Passageiros, consumidores de drogas, consumidores de um modo geral passaram a ser usuários. Protocolo passou a servir para tudo. O médico não dá mais uma receita, mas emite um protocolo. No passado, protocolo era o número de ordem e a data em que um requerimento ou processo fora registrado; significado registrado pelos dicionários. Demanda, talvez seja a pior delas atualmente. Se você compra qualquer coisa, é demanda; se vende também, se contrata um trabalho, fez uma demanda, se for cortar o cabelo, teve outra demanda, e por aí vai. Tudo é demanda.
Eu particularmente, recuso-me a usar este tipo de modismo; mas a contaminação é tão grande, que muitas vezes para me expressar faltam as palavras, porque somente se ouve termos surrados, já não aguento mais. Ao ler um artigo ou qualquer comentário em jornais, blog, seja lá o que for e vir os termos janela, sinalizar, protocolo, narrativa, socializar, impactar, projetar, segue, icônico, emblemático, especialista, entenda e muitas e muitas outras porcarias, o leitor, bem informado e com um pouco de censo crítico, deveria imediatamente para a leitura, pois dali nada de bom há de vir. Pois a falta de criatividade é total.
Com relação às palavras emblemático e icônico, são de uso obrigatório em tudo que se escreve ou se fala, para demonstrar a “erudição” da pessoa. Vendo parte do jogo Bolívia e Brasil, por exemplo; um jogador do Brasil deu um chutão para a frente, o atacante conseguiu pegar a bola, correu e chutou a gol. O comentarista imediatamente disse que foi uma jogada emblemática. Não entendi e nem quero entender...
Diante disso, para não desaprender o pouco que sei e que me deu e me dá muito trabalho aprender e manter até hoje; quando começo a ler qualquer coisa e deparo-me com a falta de criatividade do escrevente, usando chavões, bordões batidos, ditados como dizia-se no passado, eu imediatamente paro a leitura, pois a HIPERONÍMIA passou a ser a tônica no linguajar popular, em detrimento da HIPONÍMIA. Acho que detrimento não tem mais registro nos dicionários brasileiros, pois fora de uso, mas mesmo vou empregá-lo aqui, mesmo que HIPONÍMIA e HIPERONÍMIA sejam palavras gregas ou sânscritas para a maioria de nosso povo.
A maioria das pessoas não tem qualquer qualificação, mesmo com cursos superiores, isso porque noventa por cento não sabe escrever uma frase ou somar dois mais dois, mas por ter formação superior, quer mostrar erudição e em tudo que fala mete uma palavra sem sentido, sem cabimento. Até super recomendo a leitura da antiga crônica Síndrome da China, de Carlos Eduardo Novais.
Ah, o super recomendo foi de propósito, para entrar na moda das besteiras e parecer-me atualizado e moderno e peço mil desculpas caso os pronomes oblíquos tenham sido empregados corretamente, para não mostrar, claro, que não estou engajado na imbecilização. Opa! outra – engajado - .
Fortaleza, setembro/2025
Henrique César Pinheiro
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