Às putas que não o esqueceram
A vida é repleta de surpresas. As mais inesperadas vêm de onde menos imaginamos. Essa é uma história real, de um grande amigo, um professor que por minha vida passou. Nomes não serão ditos por questões éticas. Afinal, sempre há aqueles que, diante da verdade, têm seus “pruridos morais” afetados pelo ego. Há uma frase do grande filósofo grego Sêneca, que diz: “Para ofender um homem forte, diga-lhe uma mentida. Para ofender um homem fraco, diga-lhe a verdade”. Vamos a ela.
Falecido há alguns anos, tive o privilégio de conhecer essa pessoa em um Centro Espírita. Um senhor negro, idoso, analfabeto (do ponto de vista das formalidades burocráticas), mas que aprendeu a ler e escrever sozinho. Agricultor por imposição, pedreiro por profissão. Um poço de sabedoria em vida. Há alguns anos antes de nos conhecermos, havia sido acometido por um quadro de trombose, que lhe rendeu a necessidade de amputação do dedo “mindinho” do pé (não me recordo se do direito ou esquerdo).
Ele ajudou a construir a casa de caridade à qual pertencia. Tijolo por tijolo ele conhecida toda a estrutura daquela alvenaria.
Junto com todos os que idealizaram um refúgio de paz e refrigério da alma dos momentos das mais tormentosas lutas diárias. Um verdadeiro trabalhador das lides de cáritas. Um sábio. Um transeunte aparentemente sem importância e significado, posto que destituído dos títulos e diplomas terrenos. Mas, na eternidade, um mestre, um mago, um curador, um xamã, um avohai.
Em sua pequena casa humilde, por ele mesmo construída, morou com sua esposa e companheira para o resto de sua vida. Casa simples e acolhedora, à qual muitas vezes recorri em busca de seus conselhos e sabedoria.
Acometido que fora pela enfermidade, buscou ajuda juntos aos médicos da humanidade. Operado, logo após fora internado.
Estando em seu leito de recuperação, qual não foi sua decepção ao ver que nenhum irmão de caminhada lhe fora visitar. Nem mesmo aquele que julgou ser seu melhor amigo e irmão da empreitada terrena.
Entretanto, foi surpreendido pelos pequenos milagres da vida. Qual não foi sua surpresa ao ver que na cabeceira de sua cama ajuntaram várias mulheres que, além do sorriso e do alento, lembraram de lhe levar um suculento alimento.
A presença dessas damas da noite alimentou mais do que suas esperanças. Alimentou-lhe a alma e a certeza de que é justamente nos momentos mais difíceis que se enfileiram ao nosso lado os excluídos e de inferiores, pela sociedade, taxados. Só entende a dor quem pela dor passou. Não há segredos. A vida é simples. São nos pequenos gestos que o Divino se manifesta, aspergindo luz e graça, amor e esperança, justiça e equilíbrio, a desmoronar nossas defesas do ego.
As putas, as que ganham a vida, sustentam seus filhos e familiares, e muitas vezes ajudam amigos, ao alto custo de sua dignidade, são as que se fazem presentes ao nosso lado, no momento da infelicidade.
Essa é a lição que fica meu caro leitor, minha cara leitora. O Divino está no improvável, no simples, no pequeno, no efêmero. Milagres especiais são aqueles que duram um segundo, mas que espraiam efeitos pela eternidade.
Atenção ao momento presente. Cada momento é único e irrepetível. Aproveite-o. Ele passa. Só a essência fica.
Às putas, meu total e profundo respeito.
Obs. Recomendo a leitura do texto ao som da música cujo link segue: https://www.youtube.com/watch?v=pL0bxewHbjo&list=RDpAL6sGxOWEs&index=7
Rodrigo Mendes Delgado
Advogado, jurista e escritor
28.IX.2025
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