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Contos-->A incapacidade diante da vida -- 17/02/2004 - 04:55 (DENIS RAFAEL ALBACH) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A incapacidade diante da vida

Sentia-se nada e vazio como os anos que o antecederam e não lhe acrescentaram nenhum futuro promissor e brilhante. As raízes de todas as amarguras e da infelicidade contida na sua essência, prendiam-no naquele mundo opressor de fantasmas que batiam na porta do seu coração. E envolviam-no no disparar dos instantes. Ao seu ouvido ouvia vozes que pintavam-lhe sensações disformes e obscuras. Era noite e o demônio do desalento e da falta de dignidade rondava-lhe o próprio ser.
Parecia-lhe aos seus olhos vaga a noite, mas ao mesmo tempo obscura e perigosa. Tinha um medo estarrecido como seria o de ser seqüestrado em pleno vôo noturno e levado para um lugar desconhecido. As ruas por onde se agitavam seus passos não era desconhecida. Fazia aquele caminho todos os fins de semana. Mas o silêncio das calçadas pouco iluminadas pelas lâmpadas do asfalto, traziam-lhe uma sensação de abandono como se fosse abandonado por seu Deus ou Deus o abandonasse.
Sentia-se inseguro. Vazio e só.
O desprezo recorrente dos dias anteriores a sua juventude vinha-lhe na memória nas horas em que não precisava dele. Não queria lembrar o desgosto desses dias passados. O que lhe atormentava no momento era aquele próprio instante de solidão. Medo e renúncia. Sim. Renunciava a tudo o que pudesse lhe ajudar no momento. Seus pensamentos depositavam nele uma desconfiança de isolamento e calafrio. Era noite e estava só. Lembrou-se que lera alguma vez um conto que se iniciava assim era noite e estava só. Ali, uma angústia lhe comia o espírito como se sua alma não expressasse nenhuma demonstração mais singela que sua insegurança em estar ali.
Estava com os passos presos como se os cordões do sapato estivessem amarrados um ao outro. Mas teria uma estrada a descer sozinho enquanto o vento da noite parecia uivar um som estranho como o de um presságio de que algo ruim lhe viria a acontecer.
Não havia ninguém por perto ou ninguém que fosse um motivo para sua ruína noturna. Pensou num assaltou. Na morte, talvez. Um seqüestro não lhe seria provável. Seu carro nunca comprado ainda estava na concessionária pago pelo dinheiro que nunca teve. A morte seria a revelação mais autêntica de que deveria acreditar em seus presságios e por isso teve medo.
De repente alguma coisa alterou seu pavor em descer ali. Ao dobrar de uma esquina, na terceira rua à direita, ao atravessar uma pequena ponte que dava para o asfalto mais largo e mais escuro, como se o alcançasse vindo daquele nada de antes um outro rapaz bem aparentado, vestindo-se bem, com cara de bonzinho a acompanhá-lo do outro lado da rua. Ambos desciam devagar olhando-se com os cantos do olhos como se suspeitassem de alguma coisa. Mas a pequena viagem a pé de retorno para casa foi tranqüila exteriormente. Até quando o outro o acompanharia? Ou seria ele um instrumento de Deus como sendo um anjo para protegê-lo do medo do nada? No instante em que acontecia o pensamento, voltou a lembrar-se do Deus que havia esquecido. E imaginou sua chegada em casa. Tranqüilo. Aliviado e agora feliz quando abrisse o portão e se enxergasse vivo e inteiro. E numa singela oração agradeceria a Deus por nada lhe ter acontecido. Mas no momento o medo ali era seu grande confidente. Voraz. Comia-lhe agora a alma na presença do outro. E a recordação de Deus voara como o vento que passou. Ao certo ele sabia que Deus não queria apenas futuros agradecimentos, mas saber que um homem cresce com seus próprios passos quando sofre e enfrenta os obstáculos. Era aquilo que lhe precisava para que viesse ao pensamento a verdade de que precisava crescer. E amadurecer. Deveria deixar de ser como um objeto sem valor controlado por um botão. Ele deveria ser o seu próprio botão. Ter seu botão de comando. Mas onde apertar esse botão?
Na seqüência dos minutos que não passavam tinha já andado horas e não chegava ao seu lugar. Mil pensamentos lhe viriam. Alguns bons até se desse evasão a eles. Não tinha coragem de se queixar da vida e da sorte que não fez. Deixou escapar as oportunidades. Todas elas se perderam como pássaros mal amados nas gaiolas que um dia abertas jamais retornariam ao lugar em que viveram. Sentia algo confuso. Medo. Seu pior inimigo.
Uma vez tinha acreditado que os pensamentos concretizavam na real tudo o que atraía. E pensar em desgosto trazia-lhe a tristeza. Pensava no medo e o medo atrairia pensamentos de morte.
Chegaram a avistar algumas pessoas subindo. Mas o obscuro da noite ofuscava a imagem delas. Seriam homens valentes, bandidos, traiçoeiros que lhe poderiam fazer-lhe mal? Qual mal maior que o do próprio receio que já o matava ao iniciar a primeira esquina? Morrera aos poucos sem saber. Estava morto e o olhava daquele jeito andando com medo do inesperado. Por que continuar? Logo as pessoas aproximaram-se e mais perto, iluminadas pelas luzes de alguns caminhões que passavam, puderam ser vistas como algumas crianças em meio a mulheres com seus maridos. Um ar de alívio relâmpago consolou seu coração. Eles não lhe fariam nada de ruim. E assim passaram normalmente entre os mesmos como desconhecidos que não se cumprimentam. E já faltava pouco para encontrar a rua estreita que o levaria para sua casa.
Ensaiava algumas palavras de sua futura prece de agradecimento por nada ter lhe custado a vida. E Deus permitisse que ele chegasse salvo. Foi quando encolheu mais seus passos para que o rapaz do outro lado da rua continuasse seguindo na sua frente e ele liberto dobrasse a rua e fosse sozinho até o portão de casa. Mas quanto mais seus passos diminuíam, mais o outro andava devagar. Ai percebeu que alguma coisa estranha estava de esquisito entre eles. O outro pela primeira vez lhe dobrou o rosto e deu-lhe um sorriso que não era bem um sorriso. Algo como um sorriso de deboche e ao mesmo tempo de malícia. De espanto e de ilusão. De alegria e de morte. E os seus lábios poderiam gemer a Deus qualquer prece. Então percebeu sua incapacidade diante da vida.
A sirene da polícia que indubitavelmente cercava a noite atravessaria-se por meio dos dois e seria o instante de pedir socorro. E o barulho aproximava-se lentamente até que o farol do carro dos policiais esperava um aceno para que parasse. A mão do homem amedrontado não conseguiu erguer-se e os guardas noturnos passaram sem mais voltar. O homem ao outro lado da rua não disfarçava aquele sorriso que não era um sorriso saudável.
Com pouca luz na estrada seus pensamentos se ofuscaram como se alguma vez estivessem iluminados e procurou em algumas tentativas recordar os instantes que lhe marcaram a vida. E pensou consigo mesmo que só se leva do mundo as lembranças que ficam na memória.
Estava já quase fora da adolescência quando teve o primeiro medo de morrer.
- Sabe para onde vão as pessoas que morrem? Perguntou um primo mais velho e maldoso que sempre lhe fazia algum tipo de brincadeira intrigante para provocar os seus sentidos.
- Para onde? Respondeu perguntando com receio...
- Para o inferno. Um lugar de fogo quente e devorador.
- Todos?
- Não... apenas alguns.... mas esses alguns são muita gente. E você pode ser um deles!
- Como sabes disso?
- No último domingo não fostes à igreja. O padre narrou isso em seu sermão.
- E as outras vão para onde?
- Para um outro lugar diferente do inferno. Ele disse que tudo está escrito naquele livro preto de capa dura que fica sobre o altar.
No dia seguinte foram antes da hora da missa até à frente do altar. Não havia nenhum fiel aquelas horas e seria-lhe fácil folhear a bíblia e encontrar nas Escrituras a resposta que procurava.
- A bíblia está aberta na página certa. Basta ler, disse-lhe o primo.
Os minutos se passaram como a falta de coragem de ler a solução. O primo lhe insistiu entre um sorriso que não era bem um sorriso, mas como se fosse uma peça que queria lhe pregar.
- Vai, abre e lê!
- Por que não lê tu?
- Porque não sou eu quem quero saber.
- Deixa... o padre pode desconfiar. Já tem gente entrando para a missa.
E foi assim que a dúvida lhe atormentou por muitos anos até que saísse da adolescência e se tornasse jovem e descobrisse que existia um céu.
Veio-lhe à mente aquele pensamento esquisito, em relâmpagos, enquanto o outro o observava a sua frente e ele o espreitava também. Será que teria alguma escapatória? O outro era um pouco maior, mais forte e não tinha medo. E seria capaz de qualquer aventura àquelas horas.
Na rapidez de um gesto desalmado, abriu sua camisa xadrez e mostrou na cintura uma pequena arma de fogo.
- Não tire-me a vida, por favor! Pode levar tudo de mim, mas não me mate.
Os olhos de medo do homem desarmado nem lacrimejavam nem fugiam do ar de espanto. Em dois minutos teria partido para outro lugar. Veio-lhe de súbito, mas repetidas vezes a frase do primo malvado: “Sabe para onde vão as pessoas que morrem?”, “Sabe para onde vão as pessoas que morrem?”, Sabe para onde vão as pessoas que morrem?”... E o eco das últimas palavras tomava conta de sua audição ... as pessoas que morrem...”.
- Creio que és um medroso – disse-lhe o assaltante, e mesmo com uma arma na mão seria incapaz de matar uma formiga.
E, com um gesto de bondade diante da intranqüilidade que o outro manifestava, o bandido tirou das costas, ainda escondida pela camisa, outra arma de fogo e deu ao homem que não se mexia.
- Se queres saber quem sou, chamo-me João. Mas pode me dar o nome que quiseres. E tu, como te chamas?
Intacto e cauteloso, sentiu um imenso calafrio quando o rapaz que disse se chamar João aproximou-se e num gesto de piedade lhe entregou a outra arma.
Frente a frente os dois homens com a arma nas mãos se entreolharam mais outra vez. Ao passo que a respiração desenfreada do homem impotente roubava o silêncio da noite, João lhe sugeriu para que o outro levantasse e mirasse a arma nele. O homem receoso então ergueu a arma e apontou para João ao mesmo passo que João fez o mesmo nele.
- Que pensas homem?
O homem pensava em tantas coisas. Seria ele um assassino se atirasse em João e livrasse sua vida da morte? Ou morreria como um homem covarde? Com a arma trêmula nas mãos e o bandido com aquele olhar de assassino apontando-lhe o revólver, o rapaz balbuciava a prece que já não era mais de agradecimento mas sim de sufoco. Como se soubesse de seus pensamentos, João lhe disse que não bastava rezar naquela hora porque Deus já lhe dera todas as oportunidades para não estar ali, naquele momento.
- Que pensas homem?
O homem permaneceu mudo. Quieto, nem a prece dizia mais. Foi quando João propôs:
- Daremos dez passos cada um e quando eu contar até três daremos um tiro.
Os dois homens se puseram de costas, deram dez passos cada um em direção contrária e ao contar até três ambos viraram-se um para o outro. E João disse:
- Não adianta atirar, bobão! Sua arma está sem balas.
E com uma gargalhada irônica João apontou o revólver e disparou a arma, mas nenhuma bala saiu. Aflito e apavorado, percebeu-se um idiota por ter dado para o homem amedrontado a arma errada, ou seja, a arma que tinha as balas.
- Meu Deus! Exclamou o bandido, Tu vais me matar agora, é esta a arma que tem a bala.
O bandido permaneceu quase sem forças e sem movimento por ver a arma do outro apontada para sua cabeça a dez passos de distância.
- Não poderei atirar-lhe, disse o outro, eu não sei onde aperta o botão!

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