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Cartas-->Guerra inspiradora de carta e crônica -- 05/04/2003 - 12:51 (Linda Cidade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
From: Afrodite
To: Affonso
Sent: Saturday, April 05, 2003 10:14 AM
Subject: Sobre suas crônicas e nossa sensação de platéia de ringue

Querido Affonso, gostei de ambas crônicas e já as separei pra divulgação e pra incorporar na minha próxima coleção para os guris de 5a a 8a, nunca foi tão necessário recuperar-se uma história do Oriente (sem o pastiche do Orientalismo engendrado pelo XIX e por essa aberração que se tornou a cultura norte-americana, em mãos tão assassinas).

Como historiadora, sempre, ao ler sobre o colonialismo do XIX ou sobre o avanço nazista na Europa das décadas de 30 e 40, sentia calafrios, mas tentava buscar explicações sobre como os cidadãos do mundo acompanham tais fatos e mesmo assim o permitiam, se envolviam e endossavam governantes tão cruéis. Em ambos os casos as notícias demoravam a chegar, não havia o tempo real (com imagens montadas como o fez o fotógrafo do NY Times, semana passada, ou as narrações a "la campeonato de futebol" como faz a CNN), então tentava compreender como é que o nacionalismo exacerbado, um racismo sem precedentes ganharam tanta força, fazendo milhões destes sujeitos do passado perderem a razão e permitirem colonialistas ingleses, franceses, Stalins, Hitlers, Francos e afins espalharem-se pelo mundo.

Hoje, como sujeito histórico deste período tão negro e recrudescido à barbárie, ouvindo os conservadores, que me provocam embrulho no estômago, se pronunciarem abertamente como "representantes do mundo", de "Deus" ou de qualquer outra entidade inventada" , mesmo que os "representados" --uma parcela expressiva do mundo-- digam não a este estado de terror, consigo me aproximar da impotência imediata que os cidadãos comuns daqueles contextos que eram contrários a este estado de barbarie sentiam.

Minha filha que acaba de fazer 7 anos perguntava-me o que era essa guerra, depois de explicar (em uma metáfora próxima a de sua crônica de amanhã) eu questionei: não é de fato assustador, Marina? ela disse: não mãe, para mim é aterrorizante.

Uma criança de 7 anos compreende que soltar bombas-clusters e pacotes de alimentos da mesma cor é criminoso, que tentar enfiar goela abaixo uma nova ordem internacional, finaciada com petróleo alheio, destruir pra lucrar, literalmente, às custas do sangue alheio é no mínimo burrice associada à arrogância e ao cinismo.

Somos platéia indignada deste ringue, pena que os governantes deste milênio pós-moderno, não ajam como os "homens de honra" das cortes francesas que resolviam suas diferenças em um duelo pessoal, dando tapa na cara um do outro, e ainda com o desafiante tendo a hombridade de deixar ao desafiado a escolhas das armas. Pena que a covardia de Bush e Sadam não tenha limites.
beijos estarrecidos

Frô

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Affonso Romano de Sant`anna , in O Globo: Rio, 5 de Abril de 2003

Uma guerra pós-moderna

Todo mundo sabe o que é uma guerra. Mas nem todo mundo sabe o que é pós-modernismo. Bush, por exemplo, é pós-moderno, sem o saber. E se você não sabe exatamente o que é pós-moderno, não se avexe. Os teóricos também não estão muito seguros sobre isto. É comum encontrarmos nos bons ensaios a respeito (por exemplo, “Poética do pós-modernismo”, de Linda Hutcheon, ed. Imago), a afirmação: “O pós-moderno é um fenômeno contraditório, que usa e abusa, instala e depois subverte, os próprios conceitos que desafia”.

Esse termo — pós-modernismo — começou a ser usado mais insistentemente nas últimas décadas do século passado. Vinha da arquitetura que reaproveitava formas clássicas. Em breve, o termo transbordou, atingiu tudo: das artes plásticas à literatura, e passou a ser usado para explicar a ideologia dominante, a cultura contemporânea e a era da globalização. Logo logo estudos sobre pós-modernismo viraram moda universitária, começaram a render bolsas de estudo e pesquisa, e autores, que precisam de rótulos para aparecerem, começaram a se auto-intitularem pós-modernos.

Bush, como lhes disse, é pós-moderno sem o saber. Não sei que curso ele fez lá no Texas. (Dizem que antes da Casa Branca ele nunca tinha ido à Europa). Por que ele seria pós-moderno? Porque um dos traços da malfadada pós-modernidade é o pastiche. Em arte se diz: fulano fez um pastiche de sicrano. Quer dizer: copiou, aproveitou o que já existia, escondeu sob a máscara do outro a sua precária criatividade. Pois Bush filho é primeiramente o pastiche do Bush pai. O pastiche é a impotência travestida de potência. A vontade de ser aquilo que não se é. O pastiche é o oposto da paródia, esta sim, uma revivificação da linguagem. Enfim, a arte das últimas décadas, confessadamente, vive recorrendo ao pastiche como outros recorrem ao viagra.

Algumas charges, ilustrações e textos na imprensa mostram como Bush é pastiche também de um César levando a pax romana (ou guerra?) a todas as províncias do império. Nessa linha, Norman Mailer escreveu que Bush quer prolongar o sonho imperial americano para o século XXI. Mas como quem quer repetir a História acaba fazendo História de segunda mão, ou pastiche, os americanos estão reencenando o neocolonialismo do século XIX e exercendo um imperialismo tardio. Bush e Blair pensam estar repetindo Roosevelt e Churchill, mas estão mais próximos de Franco, Mussolini e há quem bote neles o bigodinho de Hitler.

Na verdade, essa guerra no Iraque é o conflito entre o pós-moderno (Bush) e o pós-antigo (Saddam). Ambos são um blefe, são pastiche. Assim como Bush pensa ser César, Saddam pensa ser Nabudonosor. Bush estupidificou a democracia. Saddam barbarizou a Mesopotâmia.

Outra característica da pós-modernidade é a “desterritorialização” dos indivíduos e povos. Pessoas e culturas perdem suas raízes e ficam num delírio deambulatório pelos shoppings e outros espelhos sem alma. E a globalização quer isto. Que sejamos todos um mesmo e único mercado. Pessoas convertidas em consumidores, a abolição da consciência crítica, a conversão de todos em objetos. Então, dando seqüência a essa ideologia, Bush acha que pode cortar as raízes de um povo que começou na Mesopotâmia, que teve em seu território a localização do Éden bíblico, da Torre de Babel, dos Jardins Suspensos da Babilônia, etc. Aí, você lê os jornais e vê os militares americanos, perplexos, dizendo: “Uai!

Nos preparamos para lutar de um determinado jeito e esse povo aqui quer lutar de outro!”. Ou seja: você pega seus planos de guerra feitos nas salas de ar-refrigerado do Pentágono e quer que funcionem no deserto iraquiano. Nisto a ideologia americana está ilustrando um outro item da pós-modernidade, que ignora o “contexto” em favor de uma ingênua “descontextualização”. Acredita-se, como ocorre em alguns exemplos artísticos, que você pode “descontextualizar” um país e “recontextualizá-lo” ao seu modo. Ou, que podem chegar lá com uma “democracia” pronta, como um hambúrger, e isto vai descer pela goela iraquiana. Como diria Fredric Jameson, isto é acreditar que o conteúdo pode ser definitivamente suprimido em favor da forma, como se as culturas vivessem em livre flutuação. Daí a surpresa de outro soldado confessando que essa guerra não é o “passeio” que lhe prometeram, e que não é “tão fácil conquistar uma nação”.

Diante da “mãe de todas as bombas” — que lança fragmentos (e a fragmentação é outra irônica sindrome pós-moderna), estão os “homens-bomba”. A grande e a pequena fragmentação. A máquina e a impessoalidade contra o indivíduo e sua crença. A irracionalidade pós-moderna, versus a irracionalidade pós-antiga.

Por essas e por outras é que deveriam dar mais cursos de História, de antropologia e de arte contemporânea nos quartéis americanos. Uma das tolices do século XX foi, através de silogismos fascinantes, anunciar a morte da História, a morte da arte, a morte do homem. Pois a História está renascendo, a arte está renascendo, o homem está renascendo no cemitério de mortes anunciadas do finado século. Essa guerra, pelo avesso, pode ser a contestação e o princípio do fim da globalização e da cultura pós-moderna que se comprazem no pastiche, na repetição inócua, na valorização da quantidade sobre a qualidade, no culto à imagem e ao simulacro em detrimento do real. Essa pós-modernidade que descontextualiza as pessoas e desterritorializa as culturas.

Enfim, nessa batalha de textos e contextos, em que a pós-modernidade, autofagicamente, desmoraliza os próprios conceitos que cria, devo convir que talvez a pós-modernidade nem exista. Que, como disse o corajoso Michael Moore na festa do Oscar, estamos diante de um presidente fictício que crê numa guerra fictícia. Talvez a pós-modernidade realmente não exista. E embora eu tenha falado de um conflito entre o pós-moderno (Bush) e o pós-antigo (Saddam), essa guerra, como todas as guerras, insere-se mesmo é no pré-arcaico.
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