Antes de começar a pincelar essas mal traçadas linhas, contive-me. Normalmente o cronista é taxado como um insinuador dos defeitos alheios, um malogrador de governos e um oportunista das situações. Para ser tudo isso, se esconde atrás de uma tela de PC ou exercita o velho "catamilhar" no teclado de uma obsoleta Lettera 98. Portanto, antes que me amaldiçoem, antes de a KGB deslocar seus agentes do outro lado do mundo para me levar à corte marcial de um presídio de segurança máxima nos confins da Sibéria, peço desculpas antecipadas ao povo russo, especialmente aos familiares dos marinheiros largados à sorte nas profundezas do mar gelado do Ártico. Mas é impossível deixar de fazer comparações...
E se o trágico episódio da semana passada tivesse acontecido nos mares tupiniquins? É difícil deixar o assunto passar ileso. Para começar, fico imaginando a reunião dos militares para escolher o nome da embarcação.
- Pensamos em Apucarana! - diria o almirante da velha guarda.
- Hummm... Parece-me antigo - responderia o oficial pós-moderno. E se contratássemos uma agência de publicidade para dar nome ao submarino?
- Devemos preservar o conceito de usar um nome brasilianista à s nossas vedetes bélicas. Isso demonstrará nosso amor à Pátria - retrucaria outro representante velhaguardista.
- Urutu... Tucano... Isso não pega! - insistiria o comandante moderninho. E se fosse Apucarana Plus! A Classe Média e a Imprensa se amarram nesse negócio de Plus...
Enfim o ministro bateria o martelo em cima de Apucarana, pronto e acabou! E o povo com certeza acharia antiquado. O legal seria FT-5, Destroier, Explorer Maximum ou qualquer outro nome que denotasse modernidade.
E quando a notícia de que o submarino de bilhões de dólares tinha desaparecido num exercício rotineiro no Atlàntico chegasse à grande Imprensa, então? Os jornais estampariam na primeira página como uma bomba atómica: "Governo brasileiro se nega a receber ajuda da Argentina - nossos heróis suplicam por socorro no fundo do mar!" Uma parcela da população daria todo o apoio à decisão. Já pensou? Imagine na próxima Copa os narigudos tirando uma com a nossa cara..." A outra parte do povo se amontoaria nos sofás de couro, acompanhando o noticiário regular e os plantões da TV. Que música seria estilizada para acompanhar as imagens amadoras, em càmera lenta, dos jovens marinheiros embarcando e desembarcando no submarino da morte? As famílias se comoveriam e, diante da pressão popular, o governo aprovaria o apoio dos nossos vizinhos platinos após incansáveis reuniões com a cúpula do Mercosul. Desde que o Batistuta não faça parte do grupo de mergulhadores! - ordenaria o Presidente.
Após várias buscas pelo litoral do Sudeste, depois de semanas e semanas de procura, três especiais de TV e centenas de orações invocando todos os santos, o Apucarana surgiria triunfante nas águas calmas do litoral baiano em pleno mês de fevereiro. Seria escoltado por pequenas embarcações que participavam de uma procissão marítima. E os jovens marujos poderiam, enfim, curtir uma bela noitada nos bares do litoral, aproveitando a semana do carnaval.
- Os radares e o sistema de comunicação pifaram! Aposto que foi por causa da falta de peças para reposição. Sabe como é, né? O governo cortou nossas verbas - justificaria um marinheiro menos graduado, em entrevista à TV, sambando entre duas morenas estonteantes.
Bom seria se os marujos russos tivessem o mesmo final. Nem sei por quê escrevi esta história. Revendo as fotos dos tripulantes de sobrenome impronunciável com seus filhos, concluo que me arrependi. Essa crónica não tem a mínima graça.