A descida de vinte andares de elevador no horário de almoço sempre enseja motivos para reflexão. Outro dia, caso raro, eu descia quase que sozinho quando lá pelo nono andar entrou um passageiro que, educadamente, olhou o relógio e cumprimentou com um boa-tarde.
Muito simpática a atitude do colega de viagem, mas não pude deixar de contestar. Dei bom-dia e apressei-me a explicar que eu ainda não almoçara o que, para mim significava que ainda era manhã. Todos sabem que pela manhã diz-se bom dia e não boa manhã. Seguiu-se uma breve conversa sobre a questão e o nobre colega, a esta altura já amigo, concordou que o critério que adoto é mais razoável, mais humano, menos ligado aos números e mais aos sentimentos. Para ele, após as 12:00h, ou meio dia como se diz, já seria boa-tarde. Confesso que não lembro os brilhantes argumentos que usei para convencê-lo mas é certo que sensibilizaram o amigo de descida. Ele concordou comigo, mas ao sair deixou no ar uma pergunta aparentemente sem resposta. Engano dele.
- E se não almoçar. É bom-dia o dia todo?
Não deu tempo de responder. Contudo, refletindo sobre a questão resulta óbvio que a manhã e a tarde tem como ponto de inflexão, como divisor de águas, o almoço. Mesmo que seja só uma saladinha ou um pão com manteiga. Deve-se cumprimentar com bom-dia enquanto houver perspectiva ou esperança de vir a almoçar antes que a noite caia. Assim, se lá pela dez horas da manhã você decide pelo cancelamento do almoço, já está autorizado a usar o boa-tarde.
Esta questão é importante porque o simples cumprimento, por si só já um ato civilizado, mais que sinalizar um horário, avisa ao interlocutor sobre seu estado de espírito, seu modo de encarar a vida. Alguém que depois das dezesseis horas dê bom dia por certo é um otimista. Tem o coração cheio de esperança e persiste em seus objetivos. Já, quem dê boa-tarde à s onze é um afoito, apressado, talvez angustiado com o que está por vir. Talvez um guloso inveterado.
Desnecessário dizer que a noite inicia quando escurece e a manhã quando se acorda. Já a madruga é dúbia. Para uns é o período do dia que vai do despertar até o nascer do sol, quando então começa a manhã. Para outros, é o período entre o nascer do sol e a hora em que vai dormir. De qualquer forma, o importante é o cumprimento, o desejo de que o próximo período seja proveitoso.
Assim, se você não gosta daquele silencio que se faz quando está no elevador, dê boa-tarde. Sempre há a possibilidade de que alguém retruque dizendo que ainda não almoçou.
Escrito em 02.08.2000
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