O relógio indicava o inevitável atraso. Horário de rush, o trânsito flui vagarosamente. O sinal vermelho à frente impeliu-me a virar rapidamente na primeira entrada à direita. Isso evitaria que eu perdesse alguns minutos no semáforo. Poucos metros adiante, sem que pudesse realmente adiantar meu percurso, avistei uma carroça vindo na contra-mão. “Ora! Já não bastam os carros estacionados indevidamente na avenida? Agora ainda vou ter que ficar presa por causa de uma carroça?”
Antes de continuar a maldizer o caos do trânsito de Recife, olhei para a carroça e o carroceiro. Não havia cavalo nem jumento. Um homem de pele morena queimada de sol ocupava o lugar do animal. Meu carro impedia sua passagem. Fitei-o mais uma vez de soslaio. Suado, sujo, cansado. A carroça apinhada de sucatas. Pesada. O homem soltou as mãos do apoio e passou-as no rosto. Senti um nó sufocar minha garganta. Em poucos segundos, imaginei o dia daquele desconhecido. Talvez tenha juntado aquelas bugigangas durante toda a manhã e tarde, puxando sua carroça de lixão em lixão. Asfalto quente. Calor escaldante. Talvez aquele homem tenha uma esposa. Talvez até filhos. Provavelmente, sua renda advenha de puxar aquele trambolho. E eu ali parada, atrapalhando seu caminho.
A cidade grande expele suas impurezas pelos poros. Você finge que não vê a degradação social até que ela o surpreende vindo na contra-mão.
“Vi mais debaixo do sol: no lugar do juízo, impiedade; e no lugar da justiça, impiedade ainda.” Ec 3.16.