Desabafos de Adriano Casal Ribeiro De pobre a milionário De milionário a infeliz...
Sentámo-nos os dois a conversar num dos salões do Casino Solverde. O contacto foi-me proporcionado porque a sua triste história, que é sem dúvida um autêntico fadário, interessava à redacção do "faTum". Não precisei de interrogar. Limitei-me a ligar um pequeno gravador portátil, bebi entretanto três cafés e fumei, pasme-se, oito cigarros em pouco mais de uma hora. O Adriano tomou um copo de água com uma rodela de limão e açucar. Ouvi o pormenorizado desfio de um rosário de remorsos.
Em Agosto de 2001, a esperança de Adriano Casal Ribeiro, que na altura ganhava a vida na arrumação de carros, ultrapassou em peso e medida a maior das espectativas: a sorte grande caíu-lhe miraculosamente nos bolsos, cerca de 400 mil euros provenientes de um felicíssimo acerto nos seis almejados números do totoloto.
À data, com quarenta 48 anos de idade, Adriano arrastava-se numa vida plena de infortúnios. Em 1979 perdeu o pai num grave acidente de viação, tendo daí também resultado a sua invalidez permanente, o que lhe determinou o definitivo abandono da profissão de serralheiro. A pouco e pouco, com o desaparecimento dos familiares mais próximos, a ruptura com a sua companheira, dada a progressiva deterioração de suas condições de vida, consumou-se.
Sozinho, com apenas cerca de 200 euros mensais advindos da pensão de inválido, Adriano, farto de passar fome, em 1996, decidiu sobreviver arrumando carros nas zonas mais frequentadas de Espinho, cidade de onde é natural.
Não teve dificuldades em integrar-se e angariar amizades entre os seus novos companheiros de lide, espécie de mundo "submerso-imerso" onde transita em permanência a mais esconsa das vertigens. Todavia, Adriano conseguiu sustentar-se à margem dos vícios do álcool e da droga, até ao dia em que a fortuna lhe abriu os braços. Enfim, o esplendor da existência afagava um homem que já no derradeiro patamar da vida lograva a recompensa justa para fruir um futuro seguro e risonho.
Em princípio, o paraíso do "jogo, mulheres e vinho" justificar-se-ia para, como é soer dizer-se, limpar as teias de aranha que o corpo e a alma foram acumulando ao longo dos penosos anos passados. A outra trindade da vida, "saúde, dinheiro e amor" ficaria para tratar nos tempos a seguir.
No entanto o inverosímil ocorreu num ápice. Ingénua e imbecilmente, Adriano tinha-se livrado de "uma" em câmara lenta para cair "numa" outra em velocidade vertiginosa.
Não tardou que o ácido deslumbramento da decepção aflorasse enegrecido sobre o que foi o promissor horizonte de Adriano. Um "não-sabe-como" sai-lhe dos lábios entre o espanto triste dos olhos quietos que recusam fechar-se para não ver a vergonha interior sobre os escombros da incrível derrocada.
Assediado por mulheres fáceis e amigos de ocasião, que encheu de benesses e dinheiro, o milionário do acaso até esqueceu os colegas, muito mais necessitados, que tempos atrás o tinham ajudado a perpassar amarguras e dificuldades. Emprestou apreciáveis quantias a indivíduos que sistematicamente o foram burlando e por aí lhe abriram na vida, agora, uma cavernosa existência.
Antes de regressar ao periclitante lugar de onde tinha partido sem olhar para trás, decorridos cerca de trinta meses de "boa-vai-ela", Adriano chegou a pensar em suicidar-se. Rapidamente o futuro desabava sobre si pesando insuportáveis toneladas de vergonha, de opróbrio, e de miséria em desesperante situação.
Agarrado a uma bengala, ainda com os esmerados óculos dourados, o corte de cabelo e o bigode bem aparado, espólio sobrante do aprazível vendaval do desmiolo, Adriano, quando se encontrou comigo, tinha acabado de sair da tabacaria onde tinha ido registar um boletim do totoloto com algumas das moedas, como outrora, mendigadas aos automobilistas qua estacionam as viaturas no centro da cidade de Espinho. Quiçã a sorte resolva novamente proporcionar-lhe mais um feliz momento, ensejo que de facto não merecerá nunca mais: 400.000 mil euros, 1 milhão e 200 mil reais...
Ai... Adriano... Adriano...
Quem de si algo confia Ao mundo desconhecido Sequer descobre o sentido Por onde não voltaria...