Ele era como os outros... Cantava no coro dos pássaros, como quase todos de sua idade.
Um dia, na aula de disciplina filosofal que o maestro costumava ministrar, Pássaro Verde estava com o olhar absorto, e parecia não ouvir o que o mestre dizia. A sua atenção só voltou, quando Bico Fino, um dos seus colegas, perguntou ao professor:
_ Mestre, onde é que fica o terceiro céu?
_ Esse não é o momento de falar desse assunto!... – disse o maestro um pouco irritado.
_ Mas o senhor não disse que devemos tirar todas as dúvidas aqui, já que nós estamos do lado da verdade?
_ Disse, mas esse não é o momento!... Posso continuar o que interessa?!... – disse o mestre já com jeito irritado.
_ Outra pergunta, mestre: Existe tempo de esconder a verdade? – perguntou Bico Fino com ironia.
O mestre só o olhou enraivecido com a ironia e o riso da classe, mas não respondeu. Mas estava difícil se livrar, porque o jovem pássaro apoiado pela atenção dos outros insistia nas perguntas. Então o professor disse:
_ Olha meu jovem, cada coisa precisa ser tratada no momento certo. Eu já programei para falarmos daqui a alguns dias a respeito do terceiro céu... Posso adiantar que é um lugar misterioso, e que todos os que voam até ele, ficam digamos, perturbados. Isso quando conseguem voltar... E são poucos os que não acabam totalmente enlouquecidos.
Como o curioso aluno calou-se, voltaram ao assunto da aula, e aos ensaios do coro.
Depois da aula, Pássaro Verde chegou perto de Bico Fino, e disse:
_ Conheço um pássaro que pode dar informações seguras sobre o terceiro céu...
Ele voltou-se surpreso, e perguntou depois de analisar o informante por um momento:
_ E onde posso encontrar esse?...
_ Não é fácil, porque ele é invisível.
_ Pássaro invisível?... Você sabe mais alguma coisa sobre ele?
_ Sei que voou até o terceiro céu, e ficou invisível...
_ Mas voltou?
_ Voltou, mas não é visto pelos outros, e é por isso que dizem que ninguém volta do terceiro céu...
Os dois saíram voando pela mata, tentando obter informações sobre o Pássaro Invisível. Mas procuraram e não encontraram. Então Bico Fino perguntou a Pássaro Verde:
_ Você sabe como é que se pode chegar ao terceiro céu?
_ Pra que é que você quer saber?
_ Quero ir até lá...
_ Eu também... Esse é meu sonho de muito tempo, mas sempre tive medo de ir sozinho... O Pássaro Invisível diz que todos os que querem de fato, chegam lá, mas nunca consegui, acho que por causa do medo...
Nesse momento, sentiram um vento forte, e um barulho parecido com o de asas batendo, e ficaram assustados. Olharam ao redor e não viram nada, a não ser a ação do vento na vegetação. O vento era cada vez mais forte como de tempestade... Era como se um enorme pássaro se aproximasse deles, mas continuavam sem saber de onde é que vinha o vento.
Estremeceram quando ouviram uma voz forte atrás chamando seus nomes, e se viraram rápidos para ver quem é que falava, e viram quando um pássaro muito maior que eles tomava forma como a aparição de um fantasma no meio da folhagem. Não disseram nada, porque estavam assustados com o que viam. A enorme ave tinha as penas resplandecentes e a sua presença inspirava um misto de encanto e medo nos dois companheiros.
_ Não tenham medo!... – disse o pássaro com um vozeirão que mais parecia um canto de muitos corais de pássaros. – Eu vim para dizer a vocês dos segredos que estão escondidos de todos aqueles que pensam que conhecem a Verdade... – os dois amigos se encantavam com o que presenciavam. Então a enorme ave continuou: - A Verdade está em todos os lugares, mas são poucos que a conhecem. Quase todos pensam conhecê-la, mas a maioria só ouviu falar a respeito dela... E ninguém conhece alguém de quem só ouviu falar...
Os pequenos pássaros se entreolharam com a mesma pergunta no coração, porque ouviam falar da Verdade como se fosse um ser ou uma pessoa. Mas não disseram nada, mesmo porque o enorme pássaro continuou como que ouvindo as perguntas que passavam nos corações dos dois:
_ Não estranhem se digo da Verdade como uma Pessoa... Ela estava desde o princípio com aquele que criou todas as coisas... Sou agora um mensageiro do Terceiro Céu, mas só falo àqueles que tem os corações puros e são capazes de crer que a Verdade existe... E tenho a missão de convidar e conduzir todos os que desejam visitar esse lugar mais alto que a mais elevada das nuvens, mais puro que os anseios da crianças e mais misterioso que todos os caminhos das estrelas... Ouvi quando disseram que querem ir até lá, e eu os conduzirei se assim desejarem. Na verdade esse não é propriamente um lugar, mas um estado de espírito, reservado a todos os que amam tudo que é mais elevado e sublime. A escolha foi de vocês, e nunca mais serão os mesmos depois desse momento... A menos que queiram desistir como o fazem todos os que o medo tosa as asas de seus espíritos. Mas se quiserem prosseguir, serão considerados como loucos pelos outros, porque a Sabedoria conduzirá suas almas, e as suas cabeças estarão mais elevadas do que as cabeças de todos os pássaros, por mais alto que consigam voar. A compreensão de vocês será maior que as dos outros, mas o que entenderem, será um segredo que não poderá ser revelado... Só poderão revelar se receberem uma ordem do maior dos pássaros invisíveis, que habita mais alto que as maiores alturas de todos os céus dos céus.
Os dois pássaros se entreolharam, e um deles perguntou:
_ E que é que faremos para prosseguir?
_ Ouçam somente... De agora em diante, vocês pertencerão a um mundo, onde só se alimenta pelo ouvido, e só se bebe pela alma. Mas verão a cada dia a mesa do banquete posta diante dos seus olhos, e sentirão que o alimento correrá como um sangue que circula pelas veias... O segredo será a segurança e o tesouro que terão. Se o revelarem a quem não seja permitido, ele se tornará como um alimento tão podre que não será possível suportar o mau cheiro... Mas se guardarem em segredo aquilo que lhes é confiado, verão que a todo instante se juntarão a vocês todos aqueles que guardam nos corações e nas almas a mesma fome e a mesma sede... E terão a alegria e o prazer de repartirem do que receberem, e será esse o dia da concepção, porque os filhos do terceiro céu concebem seus filhos à medida que repartem o alimento. E o momento exato do nascimento de vocês é quando entenderem do que é que estou falando...
Os pequenos pássaros olharam um para o outro, e viram que estavam diferentes... Ficaram transparentes... Mas conseguiam ver todos os movimentos do outro, e percebiam até o pulsar da alma, e o respirar do coração... Então abriram seus bicos, e quiseram falar, mas suas vozes saíam como que em um cântico entoado pelos cantores celestes. E então suas linguagens eram cânticos que parecia dueto... E ouviram que se juntou às suas vozes uma outra, formando um trio... E enquanto falavam, ou melhor cantavam, outras vozes se juntaram às suas e num instante já eram de um enorme coro que cantavam os cânticos lindos que são as melodias cantadas no Terceiro Céu...
Toda a floresta ficou amedrontada quando ouviu um estrondo como de profundos trovões, mas só os três sabiam das vozes dos outros pássaros invisíveis se juntando às suas, e entoarem um cântico que dizia:
"Voemos acima das nuvens
E que o Céus dos Céus nos preservem acima desse céu que se vê
Empunhemos nosso facho de fogo
E cavalguemos além das estrelas da terra...
Porque o céu da terra é terra
Mas a terra do céu é céu..."
Desse dia em diante, os dois pássaros não foram mais vistos. E correu uma notícia entre os outros, que andavam com estranhas idéias até que foram engolidos pela terra num dia de tempestade depois de um estalo de trovão...
Estou contando esta história, porque não faz muito tempo que os dois passaram por aqui cantando e acenando pra mim...
