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Contos-->A FOFOQUEIRA -- 03/11/2000 - 22:32 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A FOFOQUEIRA

Paccelli M. Zahler

Olhou para o relógio da praça e apertou o passo. Faltavam quinze minutos para a reunião da diretoria da empresa, na qual fecharia um negócio de vinte milhões de dólares.
Um pouco nervoso, conseguia ver o edifício da empresa mas seu corpo não andava. Desviava automaticamente das pessoas na Avenida Central sem tirar os olhos do prédio. Seu coração batia descompassado e, naquele momento, bem que gostaria de ser o Super-Homem ou um passarinho. Tão concentrado estava que não ouvia o barulho dos carros e o burburinho das pessoas nos bares, cafés e lojas à sua volta.
Entrou correndo pela porta principal. O relógio da recepção lembrava-lhe que tinha apenas dez minutos para chegar ao vigésimo andar. Colocou o crachá na lapela e foi esperar pelo elevador.
O elevador não demorou muito. Algumas pessoas que se aglomeravam na espera pareciam querer entrar todas de uma vez. Consigo remoía um só pensamento: "Espero que ninguém entale na porta!"
Praticamente lotado, o elevador começou a subir. Alguém falava de política ( o coração quase a saltar-lhe pela boca). Duas senhoras vestidas com roupas finas comentavam as peripécias de seus "filhos" - dois cachorros dálmatas. Ao lado, alguém reclamava da gripe violenta que havia contraído por esses dias ( seus músculos enrijeceram em uma tentativa de defender-se da contaminação). Mais adiante, um espirro esguichou perdigotos por todos os lados, fazendo as pessoas se entreolharem com um expressão de repulsa e condenação.
Primeiro andar, segundo andar,...Oito minutos!
Um pisão no dedo do pé, acompanhado de um pedido de desculpas sem graça. O sapato parecia queimar-lhe a sola dos pés. O ventilador não funcionava adequadamente e um ar abafado circulava dentro daquela caixa de metal cheia de gente.
A luz fluorescente era fria e lembrava uma câmara frigorífica.
Um tremendo bafo-de-onça foi o responsável por outra reação de nojo. Aquele "com licença que eu preciso descer" cavernoso e putrefato, aliado ao seu nervosismo, fez seu estômago subir até a garganta, afinal de contas faltavam seis minutos para o início da reunião.
Décimo andar, décimo-primeiro andar,...E o elevador continuava lotado, quente e lento.
Décimo-segundo andar, décimo-terceiro andar,...Faltavam cinco minutos para a reunião.
Próximo ao décimo-quarto andar, as luzes se apagaram, o ventilador parou, vozes uníssonas exclamaram um "oh!" no exato momento em que alguém nervoso expeliu uma ventosidade inaudível porém com um odor fétido o suficiente para tornar o ar irrespirável. Algumas pessoas controlaram-se para não vomitar, o que iria piorar a situação. Claustrofobia, falta de ar, nojo e o tempo passando.
Seus dedos nervosos procuraram a luzinha do relógio digital. Faltavam apenas três minutos! Os músculos do pescoço doíam e o estômago embrulhava em meio ao ar irrespirável.
Gritos de socorro, batidas nas laterais do elevador, pisoteios, cotoveladas, espirros, mãos bobas, escuridão, reunião, cabeça girando, vinte milhões de dólares em jogo, demissão.
Uma voz lá fora avisou que houve pane em um dos geradores de eletricidade e pediu calma pois o conserto estava sendo providenciado.
As pessoas dentro do elevador ficaram mais tranqüilas até o momento em que uma voz avisou que necessitava ir ao sanitário com certa urgência. Foi inibida por outra mais forte emitida do fundo do elevador que ameaçou desfechar-lhe uma série combinada de sopapos em caso de descontrole intestinal.
O calor aumentou, o ar não circulava. Um pessimista colocou mais cinco pessoas em pânico dizendo que todos iriam morrer asfixiados. Um crente invocou a proteção do Senhor, uma beata começou a rezar fervorosamente e em voz alta, alguém começou a sentir vertigens.
Trinta minutos depois, as luzes se acenderam e o elevador voltou a funcionar. Todos desceram no décimo-quarto andar aliviados.
Subiu as escadas de dois em dois degraus. Já no vigésimo andar, entrou correndo na sala, pediu um copo d água e perguntou à secretária a respeito da reunião.
- Estão a sua espera, doutor, e já foram avisados sobre a pane no elevador social!
Duas horas depois, nem se lembrava do incidente. Apenas respirava aliviado por ter fechado o negócio. Na certa, seria promovido.
Tomou o elevador no vigésimo andar. Este parou no décimo-oitavo andar para que um senhor bem apessoado, carregando uma pasta 007, portando um crachá de visitante, entrasse. "Inexplicavelmente", o desconhecido desceu apressado no décimo-sétimo andar. A explicação veio segundos depois quando a porta se fechou e o elevador já estava em movimento e um odor fétido lembrou-lhe a pane ocorrida horas antes.
Para seu azar, Dona Quitéria, secretária do Doutor Ricardo, conhecida em toda a empresa pelo comprimento de sua língua ferina, tomou o elevador no décimo-sexto andar. Torcendo o nariz, olhou para ele atravessado, fez cara de nojo e balbuciou entre os dentes cerrados: "Relaxado, mal-educado, hum!"
Ele ficou vermelho e tentou explicar-se:"Mas não fui eu, Dona Quitéria, não fui eu!"
De nada adiantou. No décimo-quarto andar, o mal ficou completo. Dona Maroca, amiga íntima e confidente de Dona Quitéria, tomou o elevador e ainda teve tempo de aspirar o ar empestado. Ambas olharam-no de cima a baixo e começaram a cochichar.
Em menos de vinte e quatro horas, sua fama havia crescido. Ouvia gozação dos colegas de trabalho, tentava explicar-se e de nada adiantava.
Semanas depois, encontrou Dona Quitéria tomando o elevador no décimo-sexto andar e fez-lhe companhia. "Inexplicavelmente", desceu no décimo-quinto andar.
No dia seguinte, soube que Dona Quitéria havia se licenciado por dois meses para tratar-se de um problema nervoso. Havia sido surpreendida, no dia anterior, empestando o ar do elevador e pondo a culpa nos outros. Explicara, explicara, mas não convencera ninguém. Seus nervos não agüentaram!
Finalmente, conseguira vingar-se da língua ferina da Dona Quitéria.
Tinha sido uma ótima idéia ter comido aquela feijoada caprichada com batatas-doces durante o almoço.

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