O trabalho de estátua de rua enseja a aplicação de toda a criatividade de um artista. Para quem não sabe, este trabalho de estátua de rua a que me refiro é uma expressão artística milenar. Consiste na imitação, por um ator, de uma pose, permanecendo ali por tempo indeterminado. Há dois grandes desafios para o ator. O primeiro é o de semear na mente do assistente a dúvida genuína sobre sua verdadeira condição. Será o ator tão bom ator a ponto de parecer uma estátua? Ou terá o escultor dado vida à sua obra a ponto de parecer um ator? O outro desafio é transmitir, com sua pose cuidadosamente estudada, uma mensagem à população que passa. Algo como "Salve as baleias" ou "Cansei da escola e fugi pra Europa"
Quando digo imitando uma estátua, uso uma linguagem dos dias atuais. Na realidade deu-se ao contrário. As estátuas como hoje as conhecemos, derivam desta arte milenar de imitar estátuas que, na antiguidade, tinha outro nome. Este nome, infelizmente, se perdeu na esquina dos séculos. Nos últimos cinquenta anos esta arte vem sendo retomada ou resgatada, como está na moda dizer. Primeiro com brincadeiras infantis, depois com apelos juvenis e mais recentemente com a incorporação de atores adultos. No meu tempo de criança, dizia-se Mandrake e o pobre ouvinte era obrigado a parar, sem nada mexer até que fosse liberado. Parece cruel, mas esta simples brincadeira permitiu a revelação de toda uma geração de talentos na arte de imitar estátua. Foi o preço que tivemos que pagar.
Voltando à s origens, vale mencionar que algumas, não todas, das estátuas que hoje parecem reais, na realidade são situações limites da arte de imitar estátuas. O artista tanto se empenhou e tanto acreditou no seu sucesso que acabou petrificado. Por isso, em nenhuma hipótese faça cócegas em uma estátua, por mais que se pareça com pedra ou bronze. Pode-se ter ali um artista que, embora congelado para sempre, conserva alguns de seus reflexos naturais. Cócegas nas axilas de uma destas estátuas pode tornar-se um suplício injusto a quem dedicou sua vida a embelezar nossas praças. Há casos em que as estátuas tornam-se violentas e prendem o passante que aos poucos é incorporado à estátua, complementando sua pose. Mas não se preocupe, isto só ocorre com pessoas muito más e que maltratam muito as estátuas.
Com a evolução, esta arte vem se sofisticando tanto que já não basta o ator parar ali numa pose. Para que a idéia do ator possa ser compreendida é preciso lançar mão de artifícios adicionais, como placas explicativas do significado intrínseco daquela pose, com créditos para a produção e agradecimentos aos patrocinadores.
Assim, se uma estátua piscar pra você, retribua com um aceno ou um sorriso.
Escrito em 25.07.2000
Publicado na Seção Comentários do Cidade Virtual Brasília em 12.08.2000
