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Contos-->À Sombra do Jatobá XXXI - Delfina mostra a sua raça -- 06/12/2003 - 00:59 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – XXXI – Delfina mostra sua raça.

Depois da morte de Dalva, Elvira caiu em depressão. Deixou de se lamentar, de chorar, mas entregou-se a uma grande tristeza, a um profundo silêncio. Nada a interessava; levantava-se muito tarde e, apenas o hábito fazia tomar o seu banho, mas não se arrumava mais com capricho, e mal se alimentava.

Delfina a analisava e lembrava o seu desespero na manhã em que ela descobrira que Ana havia partido. Em seguida veio a morte da mãe, que agravou o seu estado de quase desequilíbrio. Com o passar dos dias ela foi se entregando, cada vez mais, ao próprio abandono.

Deus preservara a vida de Arnaldo, mas ele estava lá, no sanatório, depois de ter alta no hospital de Fortaleza. Desvalido, esperando que o pulmão e as forças se recuperassem. Elvira o amava, ela afirmara e provara, tentando se apossar do filho dele, com a clara intenção de justificar o novamente ficarem juntos.

Esta situação de Elvira preocupava Delfina, que tinha sido alertada pelo Dr Januário sobre os riscos da manutenção, por muito tempo, do estado de depressão que se manifestava e que podia se agravar, com sérias conseqüências.

Naquele dia, Delfina decidiu que encontraria uma solução para o problema. Foi procurar padre Jesuíno, para consultá-lo, mas encontrou-o tão assoberbado que não teve ocasião nem coragem de falar-lhe. Não podia, no entanto, conforme seu gênio, voltar para casa sem ter resolvido o caso da irmã. Ora! Ela iria buscar Arnaldo e pronto!

Entre pensar e agir, não perdeu tempo. Na saída de Ribeira, tomou a estrada para o Sanatório São Francisco das Chagas. Depois que Arnaldo ali se internara ela tinha deixado de visitar aquela casa de saúde. Continuava a prestar seus auxílios aos doentes através de padre Jesuíno e Dr. Januário, mas fugia de encontrar-se com o cunhado.

Havia trabalhado muito junto aos detentos da prisão de Teobaldo, para que seu sacrifício fosse levado em conta de oração, para a recuperação de Arnaldo e, tinha certeza, que suas preces foram escutadas, livrando-o da morte. Tudo parecia entrar nos eixos; agora Elvira deveria ser “recuperada” e ela, Delfina, o faria, nem que fosse preciso abalar o mundo, escandalizar a família, ser criticada e posta de lado por Filó, Teobaldo, Ana, Chico, e os irmão e suas excelentíssimas esposas! Enfim, a cidade em peso! Padre Jesuíno e Dr Januário, não! Ficariam ao seu lado, assim como Miloca – tinha certeza absoluta – o resto que se dane...

Perdida em seus planos, não via a estrada correr sob as rodas de seu carro. Não via a barra dourar com o entardecer. Não percebia que a viagem chegava ao fim. Como que acordando de um sonho, onde tecia destinos, dirigiu a caminhonete para o prédio principal, e estacionou.

Pelo jardim, pelas alamedas sombreadas por oiticicas, espalhavam-se os doentes, homens e mulheres, com o corpo cansado, arrastando os passos e todos vestindo o abrigo do sanatório. Pareciam caminhar a esmo, despersonificados no uniforme azul. Entre eles estaria Arnaldo? Qual deles seria o seu cunhado? Delfina resolveu entrar no edifício e indagar. Foi conduzida ao refeitório, onde alguns enfermos lanchavam, ou apenas matavam a sede com sucos ou chás.

Junto a uma das janelas, sentado á mesa, um homem dava-lhe as costas e se inclinava sobre os talheres. Os ombros magros deixavam pender o roupão de algodão desbotado. Contornando a mesa, fitou-o demoradamente, escondendo o seu assombro: aquele não podia ser Arnaldo! As faces encovadas, a boca murcha que se fazia em bico para sorver, ruidosamente, o chá. As mãos secas e trêmulas, cujos dedos finos mal podiam segurar a xícara. Ao sentir-se observado, o homem levantou os olhos. Sim, era Arnaldo, naqueles olhos verdes, abertos, agora um tanto embaçados.

- Ah! Pedaço de verme... – pensou Delfina, dissecando com olhar frio o caco humano que restava de Arnaldo – se não fosse por minha irmã, eu o cobriria de terra! Deus me perdoe, por um pensamento tão baixo, mas, creia, pedaço de verme, eu o cobriria de terra e me afastaria, sem remorso, limpando as mãos de qualquer grão de areia...

Ao notar a presença da cunhada, ele depositou a xícara no pires e ficou completamente aturdido, dançando com os olhos na face de Delfina. Esta, constrangida, pediu licença para se sentar, no que foi atendida com um movimento de cabeça do doente.

A missão que havia se imposto parecia impossível agora. Delfina não atinava com a palavra certa para iniciar sua fala. Foi Arnaldo que, depois de rolar pequenas migalhas de pão na toalha da mesa, perguntou:

- Como está Elvira?

Estas palavras abriram um mundo de esperanças nos propósitos de Delfina que, calmamente, com segurança, foi se comunicando: queria levá-lo dali; queria tratá-lo em casa, ou melhor, Elvira cuidaria dele.

Os olhos de Arnaldo se marejaram e ele apenas perguntou:

- E ela vai me aceitar assim? Um trapo? Um traste?

- Arnaldo, vocês vão se reencontrar, e vão se apoiar. O destino, só o futuro dirá. Agora me parece que o passo mais certo a ser dado é aproveitar a oportunidade presente de se entenderem, quando os dois estão carentes de cuidados. Estamos no mesmo barco, Arnaldo, e, se o sofrimento que nos atingiu não nos servir de guia, então...

A frase ficou no ar, e com ela a resposta do doente. Delfina era-lhe um enigma. Suas reações jamais poderiam ser previstas. Assim como agia violentamente, diante de qualquer afronta, era capaz de atitudes fora do comum de desprendimento. Atitude como esta, de ir buscá-lo, sobrepondo-se a qualquer sentimento de desprezo, ou vingança, pelas tragédias que ele desencadeara na família.

Elvira sofria, precisava dele, e isto bastava para que a cunhada pusesse uma pedra sobre o passado e fizesse valer o presente, como um marco de partida para a próxima caminhada.

Assim agiu Delfina, sem titubear, sem recriminá-lo sequer com o olhar, sem demonstrar pena ou repulsa pelo seu estado miserável.

O restabelecimento de Arnaldo e Elvira seria longo, mas era um novo desafio a ser conquistado, uma nova meta a ser alcançada, na restauração da família, pela busca do equilíbrio abalado por erros de tantos!

Delfina tornaria a tentar emendar o fio da meada. Pouco importava que fosse incompreendida; seus irmãos e sobrinhos não vinham ao caso agora: ”eles estava com a vida ganha”. Importava, isto sim, restabelecer o equilíbrio de Elvira, e depois fazer com que o casal se afastasse para bem longe, onde pudesse viver a própria vida.

Quando Delfina e Arnaldo chegaram na fazenda já era noite fechada e Elvira já estava dormindo. Haviam demorado no sanatório mais tempo do que ela imaginara, porque tivera que localizar o médico responsável pelo doente, afim de obter a autorização de saída. Apesar da dificuldade, não desistiu: levaria o cunhado para casa naquela noite.

Assinados os papeis, nos quais se responsabilizava pela assistência ao paciente, levou-o com seus poucos pertences até a caminhonete e, fazendo-o reclinar-se no banco traseiro, partiu para fazenda. Haveriam de restaurar aquele molambo de gente e que esta luta reerguesse as forças de Elvira, que lhe desse motivo de vida.

Miloca, que esperava por ela, sentada na varanda, correu para ajudá-la e tirar o tio da caminhonete. Nada falou, mas seu olhar para a mãe dizia bem da sua aprovação.

Ao vê-lo fraquejar as pernas, na subida dos poucos degraus do alpendre, Delfina amparou-o e o tocou pela primeira vez. Sentiu nas mãos os ossos despidos de músculos, daquele corpo outrora vigoroso, cheio de empáfia. Ficou penalizada e, ao mesmo tempo, se conscientizou que a tarefa que tinha pela frente não seria fácil.

Deitado em quarto bem arejado, envolvido em lençóis de linho branco, Arnaldo dormiu. Sonhou, a princípio, que viajava por mar e aproveitava a brisa agradável, o luar que se espalhava sobre as ondas e deliciava-se com o balançar suave do pequeno barco, com a sensação de liberdade e paz que o momento lhe trazia. O barco, em determinada hora, foi se acercando do litoral, foi entrando por um rio e, dai para igarapés, cada vez mais estreitos, mais ramalhudos e fechados. Lutava para livrar-se dos galhos e cipós que atravancavam o seu caminho. Imensos pássaros gritavam das árvores e tiravam vôos rasantes de sua embarcação, atingindo a sua cabeça com as garras afiadas. Defendia-se com os braços, enquanto o barco se desgovernava.

Acordou alagado de suor e, ao abrir os olhos, viu-se perdido: o quarto girava, tudo dançava em volta dele, e um grito de pavor partiu de sua garganta.

Delfina prontamente correu para atendê-lo, quando Elvira chegou à porta do quarto. Esta, completamente assustada com o grito, ficou ainda mais desnorteada quando deparou com Arnaldo, que, ainda sem acordar totalmente, se debatia, dizendo:

- Os pássaros! Os pássaros! Eles vão virar o barco! Eu vou morrer! Eu vou morrer!

Delfina correu abrir a janela e permitiu que os primeiros raios de sol entrassem, dançassem aos pés da cama do cunhado e, sem se alterar, sem dar conhecimento ao doente de que se inteirava do seu pesadelo, exclamou:

- Que bom que você acordou cedo; os primeiros raios do sol são os melhores do dia – e dirigindo-se para o paciente que já a fitava mais senhor da situação, completou – Elvira vai trazer seu alimento e, logo depois, vamos tirar suas medidas para comprar-lhe algumas roupas. Isto aqui não é sanatório, e eu quero vê-lo bem arrumado, passeando lá fora.

Ao ouvir o nome da esposa, Arnaldo buscou-a com os olhos e encontrou-a abismada, aparvalhada como diante de um fantasma. Ficaram se olhando, se analisando, desnorteados com o absurdo da situação. Ela desleixada, descabelada ainda em seu roupão; ele estremunhado, magro como um prisioneiro de campo de concentração. Mudos, tentavam encontrar uma saída para aquele momento ridículo e incerto.

- Vo... Vo... Você está com fome? - Gaguejou, constrangida.

- Mu... Muita – respondeu ele, e voltou a se afundar no travesseiro, exaurido pela emoção.



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