I
Por obra da humanidade
à benquista luz da esperança
quem bem faça a relação,
verá que em realidade
tal e qual uma criança
também nasce uma nação.
II
Amor-raiz pelo chão
de gatinhas, passo a passo
até sentir por inteiro
a excelsa sensação
ante-após, laço-regaço,
e nada é mais verdadeiro.
III
Afonso Henriques, primeiro
rei-sábio, Conquistador,
reuniu Portus a Calle
e Dom Sancho, seu herdeiro,
guerreiro, Povoador,
continuou Portugal...
IV
Para exemplo crucial
face ao inimigo esconso
pondo seu pai em memória,
fecundo além do legal
Dom Sancho gerou Afonso,
o Gordo da lusa-história...
V
Pela linha sucessória
reina Dom Sancho-segundo,
o Capelo, régio e crente,
irmão do terço em glória,
também Afonso pró mundo,
o Bolonhês sapiente...
VI
Segue avante a lusa-gente
sob um reinado feliz
que mais e mais se levanta
na gestão eficiente
do Lavrador Dom Dinis
casado com uma Santa...
VII
Mais um Bravo se implanta,
el-rei Dom Afonso-quarto,
folgazão assaz guerreiro,
pai do rei que nos encanta
em tempo curto mas farto,
Dom Pedro, o Justiceiro...
VIII
Emfim o rei derradeiro
da primeira-dinastia
Dom Fernando, o Formoso,
de grandes males carteiro
por ter dado a primazia
a casamento maldoso.
IX
Cai o Povo desgostoso,
preso ao jugo traiçoeiro
de Leonor e Beatriz,
mas guerreiro astucioso,
atento ao lance matreiro
estava o Mestre de Aviz...
X
Milagre de bis-a-bis
ante a iminente derrota
a batalha é inolvidável,
peleja que Deus bem quis
consagrar Aljubarrota
ao seu Santo Condestável...
XI
Quiçá no mais agradável
momento à luz da História
em permanente luzeiro,
surge a geração notável
do rei de Boa Memória
que foi Dom João-primeiro...
XII
Dom Henrique timoneiro,
Mor Infante da expansão
em Sagres, porta do mar,
enviou ao mundo inteiro
navegadores de eleição
sem medo de naufragar...
XIII
Em façanhas de pasmar
o sonho engravidou
com denodo providente
na arte de bem cavalgar
a toda a sela passou
Dom Duarte, o Eloquente... |
XIV
Passa o negro continente
defronte ao chão lusitano
batucando a lusa-testa
do rei audaz e valente,
Dom Afonso, o Africano,
o quinto da lança-gesta...
XV
Tudo pronto, o olhar assesta
no horizonte a preceito
para dar cartas ao mundo;
proclama o Povo em festa:
viva o Príncipe Perfeito
el-rei Dom João-segundo...
XVI
Mais além do mar profundo,
Bojador, Índia, Brasil,
navegam as caravelas;
Gil Eanes passa a fundo,
Gama, Cabral e aos mil
os sonhos todos vão nelas...
XVII
Sob os astros e as estrelas,
morre o rei, não há herdeiro,
mas arcano auspicioso
no sopro das mesmas velas
põe Dom Manuel-primeiro
em governo Venturoso...
XVIII
Sucede-lhe o Piadoso
el-rei Dom João-terceiro
a maus tempos destinado,
pai de filho desastroso,
Dom Sebastião coveiro
do eterno Desejado...
XIX
No sonho em vão esfumado
por Alcácer-Quibir
fenece a Pátria escrita:
Dom Henrique, mal testado,
rei Casto sem advir
e Camões morre em desdita...
XX
Aos portugueses sem dita
em tristeza desactivos
os maus ventos castelhanos
impõem em comandita
três Filipes sucessivos
por sessenta longos anos...
XXI
Enganos e desenganos,
miséria, submissão,
vida dura, amargurada,
sob os faustos desumanos,
tirania e a perdição
da Invencível Armada...
XXII
Pouco a pouco a alvorada
desenhou-se na paisagem
acoitada no segredo
da esperança atormentada
entre os cumes da coragem
e os abismos do medo...
XXIII
Entre as malhas do enredo
em Évora explodiu
impante a rebelião
a três anos, mas já cedo
do dia que coloriu
de sol a Restauração...
XXIV
Dona Luísa de Gusmão
anunciando a aurora
pra Dom João, decidida,
disse mais valer então
ser rainha uma hora
que duquesa toda a vida...
XXV
Com Lisboa adormecida
os conjurados cercaram
o Paço estremunhado
e em voo de saída
pela janela lançaram
um traidor apunhalado...
XXVI
Foi depois aclamado
Dom João-quarto, senhor
e soberano real
por haver reconquistado
e ser o Restaurador
da coroa de Portugal... |