Moravam sete pessoas no barraco de tábuas, imundo, às margens do córrego. Pai, mãe e cinco filhos.
Faltava de tudo, de cobertores a alimentos. O único luxo de que desfrutavam era o da televisão preto e branco e o fogão de quatro bocas, duas estragadas, achado no lixo.
Viviam como mendigos, era todos sadios mas faltavam-lhes coragem para a vida.
Eram pobres, materialmente e sobretudo: de espírito. Todos. Viviam de esmolas, do lixo e de pequenos furtos.
Eram acomodados. Daquele jeito estava bom, e assim iam levando a vida: empurrando um dia atrás do outro. Sem sonhos, esperança...
As crianças iam aprendendo a viver daquela maneira e sem afeto. Sentiam falta, mas trocavam esse sentimento por qualquer coisa mais concreta que desse prazer ou enchesse a barriga.
Um dia Joel, o garoto encostado no mais velho não dormiu em casa.
Não notaram sua falta, sobrou mais comida na panela para ser dividida entre os demais.
No dia seguinte o menino também não apareceu e o caçula se apossou furtivamente dos seus brinquedos.
No terceiro dia perceberam sua ausência. Lamentaram, e só.
Após uma semana o menino era só uma lembrança. Sua roupa e cama foram divididas silenciosamente.
A falta era mal sentida e substituída por outra coisa qualquer: um carrinho de rolimã, uma blusa de mangas compridas ou um bife a mais no prato.
Um dia, toda a família reunida, assistiam a novela das sete e viram no intervalo a foto do membro perdido num "Utilidade Pública".
Diziam:
-Joel Graciano dos Reis encontra-se à disposição dos reponsáveis no juizado da infância e juventude...
Ficaram todos perplexos, desconcertados, paralisados, até que o pai tomou as rédeas e disse:
-Tá relampeando e tá tarde, vamos desligar a televisão e dormir.
Ninguém objetou e todos se deitaram pela primeira e única vez antes das dez.
...mas não conseguiram dormir.
Nunca mais falaram de Joel. Ele não tinha mais lugar ali, nem mesmo nos corações miseráveis de seus parentes.