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Contos-->AMOR PERDIDO -- 02/12/2003 - 22:37 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AMOR PERDIDO


Sentado em posição que alguns chamam de “lótus”, tentava, com o livro no chão à frente, um método novo de meditação. Os ensinamentos budistas do livro diziam que devemos ser como uma porta. Uma porta sempre aberta. Pronta para receber todos os fluidos advindos deste mundo e de nossa transcendência, sem reter egoisticamente todo e qualquer aprendizado. Mas, contudo assimilando tudo que fosse do bem e repassando ao próximo.

O quarto do hotel era amplo, com espaço para duas camas de solteiro ou uma cama de casal. Somente a minha cama longa e estreita, uma escrivaninha com meus livros e papeis empilhados, um armário embutido e a televisão num suporte suspenso na parede. A janela ampla, com uma antiga persiana de madeira que era aberta e fechada por uma manivela lateral, propiciava uma vista direta a uma alameda arborizada. A idade do hotel podia ser presumida pelos detalhes das janelas. Talvez uns 50 anos.

Em meio ao exercício de respiração e esvaziamento mental, de olhos cerrados, o silêncio daquela tarde quente de sábado foi cortado pela campainha do telefone.

_ Senhor, uma ligação de Belo Horizonte.

_ Tudo bem. Pode passar.
Dando com os ombros como se na obrigação de atender e na expectativa, imaginava ser uma das minhas ex-mulheres com algum assunto desagradável. Era a única coisa que poderia esperar delas naquele momento de nossos relacionamentos.

_ Alô? Sou eu, a Cibele!

_ Não acredito! Como você me encontrou aqui? Há tanto tempo sem nos falar, sem nos ver. Que surpresa boa!

_ Eu liguei para um antigo número do seu trabalho. Precisei falar em mais uns três lugares até me dizerem que você estava aí. Tive que contar minha história para que me dessem o telefone do hotel.

_ É surpreendente, pois não costumam passar nenhum telefone de contato, principalmente de casa. E qual história você contou para que lhe dessem o número?

_ Pois é. Estou ligando para despedir-me de você. Vou embora para os Estados Unidos.
Ela iniciou o assunto mudando o tom de voz para uma melancolia. Parecia não satisfeita com o destino.

_ Estados Unidos? Vai mudar pra lá?
Surpreso, buscava uma explicação. Meu coração acelerou bruscamente, o estomago deu um nó, e sentei-me, um pouco enfraquecido, na cama. Sentia que mais uma vez perdia a Cibele. Não que da primeira vez pudesse considerar uma perda. Uma saudade que não se manifestava sem motivo que a aguçasse abateu-me repentinamente.

_ Não é bem mudar. Preciso sair um pouco. Tenho muitas dúvidas sobre o que fazer. Será bom que aprimorarei meu inglês. O tempo que ficar lá, longe da influência do meu pai e minha mãe, e também do Cássio, servirá para que tome minhas decisões. Vou por um intercâmbio, mas com visto de turista, por seis meses tomarei conta de uma criança de seis anos. Vou morar com esta família, que foi muito bem recomendada. A cidade é pequena, chama-se Charleston.

_ Cássio é o seu noivo?
A última notícia que tive é que ficara noiva de um nissei.

_ Sim. Ele não está gostando nada disto. Acho que está inseguro. Mas preciso de um tempo. Afinal de contas o Cássio é meu segundo namorado. O primeiro foi você. Sabe disso né?

_ Sério? Já faz tanto tempo Cibele. Então vocês já namoram há pelo menos uns 13 anos.
Sentia que a conversa se encaminharia para um terreno sutil e perigoso. Redobrei minha atenção e deitei-me na cama ajeitando o travesseiro atrás da cabeça.

_ Não queria viajar sem despedir-me de você. Nunca te esqueci. Apesar de termos nos encontrado tão poucas vezes e também nos telefonado quase que nunca, sempre lembro de seu aniversário e de você nos finais de ano. Poderia até não conseguir falar com algum amigo meu, mas ficaria muito chateada se não conseguisse falar com você.

Senti sua voz trêmula. Parecia chorar. Não imaginava ter toda esta importância que declarava naquele instante. Afinal cortejara primeiramente sua amiga naquele carnaval em Esmeraldas. Sem querer entrar em disputa com os outros pretendentes, voltei minha atenção para a Cibele. Baixinha, elétrica e com uma voz meio rouca que sempre achei sensual nas mulheres. Fora minha primeira namoradinha. O primeiro amor de adolescente. E agora ela estava pronta pra se declarar, após tantos anos. Fiquei sem o que dizer. Um certo arrependimento me invadiu.

_ Até hoje você não me explicou o por quê. Sei que no carnaval seguinte você conheceu sua primeira esposa. Talvez por ela ser mais velha e mais madura tenha te seduzido. Na idade que tínhamos a descoberta do sexo deve ter pesado muito. Mas não tenho raiva ou mágoa. Até entendo. Prefiro lembrar das vezes que você esteve em Belo Horizonte para namorarmos. Da sessão de cinema no Cine Palladium que depois você não quis me levar em casa, me deixando com meus amigos. Das vezes que nos encontramos em Esmeraldas nos feriados.

Ela entrara numa nostalgia, lembrando nossos encontros e criticando meu comportamento ao mesmo tempo. Fatos e detalhes de nosso curto namoro. Até das fofocas das colegas na fileira de poltronas atrás de nós no cinema. Do filme que víramos. Do herpes bucal que tivera e que ignoramos com nossos beijos. Tudo. Nunca tivéramos um diálogo como aquele. Parecia querer acertar tudo. Em todos os outros poucos telefonemas nos limitávamos a perguntar o que um ou o outro estava fazendo, onde estava morando e como iam os relacionamentos amorosos. Compreendia naquele momento que apenas não queríamos perder o contato definitivamente.

_ Também nunca te esqueci Cibele. Sempre que posso ouço o disco do Flashdance. E me dá muitas saudades de você. Mas sempre sou eu que procuro lhe telefonar. Ainda tenho o telefone de sua casa memorizado. Não me esqueço como ele me foi passado pelo Nordezu, gesticulando os números do outro lado da sala de aula.

_ Mas você está sempre mudando de telefone. Agora só vive viajando. Também pra mim é mais complicado. Nunca sei se você está casado ou não. Sempre imagino que nem sempre você poderá atender, sua esposa pode ser ciumenta.
Risos.

_ Quando é que você viaja?
Senti uma grande necessidade de despedir-me pessoalmente. Seria uma possibilidade de reviver nossa adolescência. Sem qualquer remorso e sem querer ser cafajeste pelo seu noivado. O momento era propício.

_ Amanhã à noite.

_ Já!? E só agora você me liga? Na véspera?

_ Foi muito difícil te localizar. Eu queria muito despedir pessoalmente de você. Acho que nos devemos ainda alguma coisa. Mas você está tão longe. É uma pena. Promete que me escreverá. Já tenho meu endereço nos Estados Unidos.

_ Cibele, não é tão longe assim. Posso pegar um ônibus agora e em três horas estarei em Belo Horizonte. Podemos nos encontrar e passarmos juntos esta noite.

Desesperava-me ligeiramente. Avaliei até a possibilidade de um carro emprestado. Ali não conseguiria alugar um. Não poderia deixa-la partir sem que a tivesse em meus braços como nunca a tivera.

_ Não. É melhor assim. Tenho medo de minha reação nesse encontro.

Senti toda sua fragilidade nesta recusa. A sensibilidade e a emoção deixavam sua voz ainda mais rouca. Eu imaginava sua face, seu corpo, sua pele branca, seus cabelos ruivos, seus lábios carnudos. E, chorando, ela completou:

_ Não teria como me desculpar com o Cássio. Não quero magoá-lo. É melhor que não nos encontremos. Acho que também preservaremos o que sentimos um pelo outro.

_ Tudo bem. Se você prefere assim. Prometo que lhe escreverei. Promete que também me escreverá. Sei que todos seus amigos estarão lhe escrevendo. Mas procure me responder.

_ É claro que vou.

_ Também serão apenas seis meses. Não se esqueça de me procurar quando voltar. Não fique triste. Você sabe que será bom pra você. E quando sentir saudades lembre-se que, apesar da distância, estaremos sob o mesmo sol, mesma lua e mesmas estrelas. Procure o litoral, entre no mar e imagine que, por extensão, estaremos ligados pelas águas do mar. Estarei aqui, lhe esperando.

Tentei nos consolar. Emocionava-me. Ao mesmo tempo sentia um grande alívio por saber que aquele primeiro amor não se apagara. Reconfortei-me. Despedimo-nos com beijos, abraços e recomendações via telefone.

Recebi um belo cartão-postal da cidade de Charleston mostrando a influência européia em sua arquitetura. Parecia um lugar agradável e pelas notícias nele contidas, o primeiro mês fora vencido facilmente. Nenhuma foto da Cibele ou carta acompanhava o cartão. Respondi com uma carta onde externava saudades e indagava sobre a rotina em Charleston. Aproveitei para ressaltar meus endereços possíveis. Não recebi resposta.

Não sabia que estava próximo de conhecer a Beatriz. Do hotel, meu novo endereço seria seu apartamento em Belo Horizonte. Um ano se passara. Um telefonema de Natal para a casa de seus pais e a notícia de seu retorno e casamento com o Cássio. Nossas vidas continuam girando em rumos diversos. Espero que ela ainda se lembre de que vemos o mesmo sol, a mesma lua e as mesmas estrelas. Ou já não farei mais parte de sua vida.

Fim.

Por: Edson Campolina
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