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Contos-->Solidão -- 02/12/2003 - 20:19 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Solidão

Limpando o pigarro, a velha começou:

- Eu era menina mas me lembro dos banhos que eles tomavam, juntos, no açude, os três. Das brincadeiras e correrias pela fazenda, dos visgos que punham nos galhos das árvores mode pegar passarinho, as rolinhas. Eu era a menorzinha, ficava só de longe assuntando. Damião, Helena e Mariano quando eram tudo menino, brincavam e se embolavam como borboletas ao redor das flores.

Depois foram crescendo, foram crescendo e pegando seu rumo: Damião mais Helena na escola, no estudo; Mariano, com os olhos grandes, olhando de longe pras bandas onde os dois estudavam. Ele corria feliz quando Helena pedia um copo d’água ou que fosse buscar isto ou mais aquilo.

Neuza, que escutava o relato de Donana, embevecida, deixou fugir a presença da velha e, com os olhos parados, cismadores, criava em sua mente a figura de uma Helena linda, envolvida na paixão do negro e na do primo. A voz de Donana corria suave e penetrava
em seus sentidos:

Numa tarde, eu também banhava no açude, quando Helena chegou e, como sempre fazia, entrou na água com aquela alegria que estava sempre nela. Logo depois chegou Damião e mergulhou bonito e apareceu, com a cara brilhando, do lado dela e começaram a brincar. Helena viu Mariano que espiava, de longe e chamou:

- Mariano, vem banhar! A água está boa!

O negro ficou se rindo de gosto e veio correndo, se atirou no açude e entrou na brincadeira. De repente, não sei o que aconteceu, só escutei Helena gritar e Damião assentar um tapa na cara de Mariano, xingando ele:

- Vê se te enxerga, negro vagabundo!

Mariano saiu d’água e foi s’embora. Nunca mais entrou na casa da fazenda, nunca mais falou com Helena ou Damião. Cuidava dos animais, limpava o terreiro e, quando Helena mais o primo estudavam debaixo das árvores, ficava de longe, escondido, espiando os dois. Eu via como Helena judiava dele.Ela sabia que o negro andava rondando e, por isso, enchia Damião de dengos. Juntava a sua cabeça na dele para ler no seu livro, ria de qualquer coisa que ele dizia.

Mas eu via também que dentro de casa ela judiava do primo. Não deixava que ele se achegasse, se trancava no quarto e se divertia porque sabia que Damião estava rondando a sua porta. Se no quintal ela começava a agradar o primo, eu sou capaz de jurar que era só para Mariano sentir ciúme. Assim maltratava os dois: o
negro no quintal e o branco dentro de casa.

Um dia, mãe Jacinta, a cozinheira, contou que escutou Helena dizer para Mariano:

- Tu não sabe que perna de moça branca não foi feita para negro botar a mão?

Diz que Mariano jurou:

- Não fui eu não! Eu não ia fazer uma coisa dessas! Juro!

Diz que Helena riu desavergonhada e respondeu:

- Se aborreça não, Mariano, eu até que gostei!

Mas continuou a judiar dos dois como gato judia de rato.

Numa tarde eu vi quando ela mais Damião saíram a cavalo lá para as bandas da cachoeira. Iam lindos os dois: Helena num vestido rodado e chapéu largo, de palha, amarrado por uma fita. Eu vi também quando Mariano pegou o seu cavalo e saiu escondido, no meio do mato, atrás deles.

O tempo foi passando e eles não voltaram.

Naquela noite procuraram os três pela fazenda. Todos levavam facho aceso e se espalharam procurando, procurando...

Encontraram Helena morta, nuinha, junto da cachoeira. Mas as roupas dela estavam dobradas,
arrumadas em cima dos sapatos e até os pentes e as fitas do cabelo guardados dentro do chapéu. Estava nua porque quis! Damião caído de bruços perto dela, era uma sangueira só, todo furado; mais adiante o negro Mariano com a faca enterrada até o cabo, na barriga, lá nele! Que se passou qualquer um pode imaginar...

É o que eu digo, a solidão é má companheira. Mariano era muito, muito sozinho e está mais sozinho ainda naqueles descampados. Quando eles trouxeram o corpo do negro, eu xinguei aquela desgraçada que fez ele endoidar. Quiseram queimar o corpo dele, imagine! Seu Inácio, pai da Helena não deixou mas mandou enterrar ele no meio do campo. Sozinho, sozinho... Mas a natureza fez brotar em cima da cova dele um pé-de-pau forte e rijo, um belo pau-d’arco de flores amarelas. A árvore foi crescendo estrumada no
sangue dele. Está lá, bonita e assovia no vento. Assovio choroso que chega nas lonjuras; gemido de Mariano penando seus ais! A gente fica ouvindo e pensando nas voltas que o mundo dá...







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