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Poesias-->SONETOS -- 24/09/2004 - 21:34 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






















Sonetos da Paixão

1988









































PRIMEIRO







Muitos anos depois tento alcançar

o que perdi em tantas horas tardas

e é impossível de recuperar-se.

A manhã era clara e o sol batia,

espalmado, em meu quarto, pelos olhos.

Fora, um jumento bufava de cansaço,

a ladeira descendo no serviço

de levar leite à lerda freguesia.

(Eles não pensam que o jerico existe,

é porque dormem mornos, enfastiados

das festas e banquetes e conquistas.)

Da natureza, o’ pobres renegados!...

Só meus olhos e planos não repousam:

- Procuram borboletas pelos prados.







SEGUNDO







Outro dia - era sábado de chuva -

cheguei, dormi cansado como o diabo,

da faina anterior (na plantação),

quando co`a que seria minha amada

plantei de milho, abóbora e feijão,

toda a rocinha ali detrás da casa.

É possível que tenha me deitado

sem pensar no domingo que viria

e que Rosinha, de vestido novo,

no povoado ia rezar a missa.

E convidar-me que com ela fosse

deixar um óbulo aos pés de sua santa.

E o gosto de suor dos nossos beijos,

daqueles dias, me embriaga e espanta.















TERCEIRO







De manhã, levantei-me espreguiçando.

E em seu fato de chita ela chegou.

De acanhamento, mal me deu bom dia,

que quase se escondeu e nem falou.

E eu me afligi, assim, despenteado,

pedi licença para um banho frio.

Diante da mesa, Rosa me esperava,

mas seu olhar jamais me censurou.

O resultado foi perder-se a missa

daquele dia, que era uma promessa

(ela depois, por longe, me falou).

Nosso castigo foi que adoeci

de varicela, e estando tão dodói,

cuidava ela de mim. Como cuidou!







QUARTO







Essas coisas cativam todo o mundo,

e assim grande paixão me apareceu.

Ela falou: «Seus olhos são bonitos».

«É mentira» - eu lhe disse - «são os seus».

A sorte cega, às vezes, nos aclara,

sei que fui cego, muitos anos, muitos,

vendo Rosa crescer, sem reparar

no seu rosto, no corpo, na sua alma,

feitos pra mim. Como se adivinhar?

Ou saber que Deus faz as criatura

e se encarrega o Demo de as juntar?

Se nos amamos antes do prazer,

se nos perdemos antes de chegar,

como haveria agora de saber?













QUINTO







Sabe você, amigo, em que falamos,

noutro domingo, até chegar à igreja,

e já saíam padre e sacristão?

Da burrinha, a gostosa montaria,

por mim apelidada «Burundanga».;

de quando nos banhávamos no açude,

nus e brincando de galinha d água.

Fazia apenas três anos atrás.

Rosa menina nem saber sabia

da vida que transforma e traz amor.

Eu vi nascer-lhe os peitos miudinhos

e ela dizia: «Pega aqui, tá grande?»

E eu pegava e dizia: «Não, tá não.»

Havia muita e mútua confiança.







SEXTO







Sinceramente é esta que me quer,

sabe da alegria e da tristeza,

da dor, da fome, e sabe do mister

que amor reclama: o fogo, aspereza.

Esporeei a mula pela estrada

e resolvi o que não se resolve

em um ano: falar com o senhor padre

para casar a gente logo-logo.

E ele? Não concordou com meu delírio.

- Assim como quem foge não se faz,

tem que «correr os banhos» e vestir-se.

E sob o olhar de Deus, o meu rapaz.

- Não, seu padre, não posso resistir!

- Filho, não caia aos pés de Satanás.









SÉTIMO







Foi assim que cortamos o destino

e na cidade próxima casamos

com dinheiro tomado a conhecido.

Já não tinha coragem de voltar.

Fui eu ficando a trabalhar no ofício:

- «Ajudado por Deus e por Rosinha,

a minha conta pagarei um dia.

Faço a fazenda do patrão crescer,

e ninguém sabe porque aqui se escondem

Rosinha e eu e a felicidade,

cantando esta canção só de nós dois.»

De mim ela gostava e eu gostei dela:

Guardava o gado do patrão - e ela,

o nosso rancho de manhã à noite.







OITAVO







Quando eu uso o presente, meu amigo,

é porque vivo ainda no passado.

Essa maneira de sofrer o antigo

fez-me obtuso, misterioso e alado.

Uma ilusão que dura internamente

como se fosse o próprio coração,

voltando os nossos passos do presente

ao que se foi, buscando tempo e chão.

Ninguém saber da nossa vida ali.

Nosso mundo pequeno como o quê,

banhado em cantos, risos e suor,

por testemunha - a porta (e a janela).

Mas, que pena! A Rosinha se danou.

E eu me danei também e larguei dela.















NONO







Fiz farras e morri já muitas vezes,

mas voltei à casinha de meus pais.

Se me lembro de Rosa? Lembro, sim.

A vida é uma coisa por demais

destinada ao sofrer só para amar.

Mesmo a sorrir diante do que jaz

ou a zombar dos mundos abstratos,

e consolar-se em sonhos e palavras.

E neste passo, eu vivo com meus bichos,

com os vizinhos todos, lado a lado,

que às pessoas dou-me em pouco agrado.

Quem me consola e anima é a natureza:

Renasço com as manhãs de sol no campo

e morro, à tarde, à sombra da tristeza.







DÉCIMO







O mugido das vacas nos currais

assume proporção, em meu sentir,

capaz de recordar e esquecer

da igreja, do sino e de Rosinha,

que não me deu o desejado filho.

Nem não pode sorrir à dor materna,

para tomar vergonha e ser melhor

que no passado e ainda no porvir.

Ah, o céu chove um pote de tristeza,

nestes dias de chumbo e inchação

dentro de mim - também na natureza.

E se faz sol como naqueles tempos

de namoro e casório (e mais distante),

me sinto forte e do portal me esqueço.



















DÉCIMO PRIMEIRO







Tenho paixão, porém, por essa lua

banhando a terra e o cabelo em prata,

que a nossa fuga já vai tão distante

e a minha fuga não vai mais passar.

Aquela noite livre é quem me mata:

Poeira e amor na estrada resolvidos

em alvoroço, escuridão, silêncio,

pio das aves, agouros, arrepios.

Mas onde o medo, se o amor resiste

e, selvagem, campeia nosso corpo?

Como pensar o leite, o vinho, o ópio?

Ao céu, o chão de lua me elevava,

e o céu da lua até meu corpo vinha.

Oh que estranho mistério eu cavalgava!







DÉCIMO SEGUNDO







Mas de que vale agora arrepender-me?

Se encontrasse Rosinha, me ajuntava

(com aquela lua e noite) inda uma vez.

Embriaguei-me na paixão mais crua,

na dor violenta de quem não quis crer

nos limites do amor sem amarguras.

E os meus fracassos, eu que não sou velho,

vou contando a quem vai e a quem vem,

mesmo as mais simples, reles aventuras.

Pergunta, então, quem bebe, o amargor

do cálice que na goela vai descer?

Não sei direito, sei que desta história

preciso saborear sem ter, embora,

nenhum direito de me aborrecer.



















DÉCIMO TERCEIRO







Ela não volta, eu sei, não pode ser.

Morte de amor não dá ressurreição.

Envelheceu em noites mal dormidas,

como as sombras perdidas pelo chão,

se abismando de lodo e fantasia.

Sou carente de amor e de ternura,

por isto tenho medo sem querer

e, de outras vezes, mostro cara dura.

Meu feijão afervento com toucinho,

minha roupa que seque nos arames,

a rede armada ali, no meu cantinho.

Chorar não choro, rir também não rio.

Mas uma coisa (ou dez)? sobe-me à goela:

- Será angústia, solidão ou frio?







DÉCIMO QUARTO







Enfim, de homem logrado é minha história,

de homem sem pose e só, e muito estranho.

A semente perdida dos desejos

que a paixão lá esconde atrás do pano.

Que seiva, que mistério me sustenta,

sem ilusão da própria trajetória?

De que vivo? De um fio de esperança

que me liga ao passado, na memória?

Crestada árvore, nem quero vingança:

- Quero um túmulo em lájea mamórea.

Mas «navegar preciso pra viver...»

E que a morte - vitória do fracasso,

humildade com orgulho num abraço,

possua totalmente o que é meu ser.



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