Carnaval de interior tem sempre uma pitada de folclore. Em Esmeraldas, grotão de Minas, figuras típicas do folclore local faziam a festa da criançada. Os tempos evoluíram e com a chegada do “Axé-Music” e do “Samba-forró” a mocidade ignorou as tradições.
Lembro das mães que, ao ninar seus filhinhos, evocavam a figura do Boi da Manta, assim como evocamos em cantiga a Cuca e o Boi da Cara Preta. Fazia parte do folclore da comunidade alterosa um boi que, semelhanças com o Boi-Bumbá à parte, percorria as praças da cidade ameaçando chifradas nos pedestres. Sobre uma armação de arames que formavam o corpo e a cabeça, pendurados nos ombros do folião, sobrepunha-se uma manta com as pinturas do focinho à frente e presa pelos chifres ligados na base com solda em ferro.
A cada dia do carnaval um folião, incógnito, assumia a brincadeira e tinha a liberdade de molestar qualquer um que lhe dispensasse atenção. Todos respeitavam a identidade do Boi. Histórias de Bois da Manta eram contadas às criancinhas e jovens, passando a tradição pelas gerações, sem que seus protagonistas debaixo da manta fossem revelados.
_ Êeee Boi! Era o chamado para a carreira nas praças.
Num determinado ano, início da década de 80, a turma reuniu-se e decidiu que fariam o Boi da Manta naquele ano. A cada dia dois deles vestiriam a armação e à noite elegeriam o Boi que mais se destacasse em suas estripulias. À noite a praça era tomada pela folia.
A terça-feira chegara e Abobrinha assumiu a brincadeira. Reunida no bar do Frangão, na praça principal da cidade, a turma consumia sua cota diária de alcoólicos. O Boi descia a praça num zanzado frenético tentando chifradas na criançada.
_ Êeee Boi! Gritava em coro a turma no bar do Frangão.
O Boi da Manta se aproximou, apontou o chifre afiado para os bebuns que se espremiam no balcão à beira da entrada e parou.
_ Êeee Boi! Quer uma branquinha?
_ Êeee Boi! Quer molhar a garganta?
E o Boi não se manifestava.
_ Lambe os beiço Boi da Manta!
E o Boi, imóvel, observava a turma.
As chacotas tinham sentido para a turma, pois sabiam quem naquela tarde disputava a melhor estripulia. O Boi se agachou. Bufou baixando e levantando a cabeça. Simulou um mugido e, após uma última investida dos chifres na turma, saiu em disparada.
_ Vejam só o que aquele disgramado do Boi da Manta fez aqui?!
Bradou surpreso o Tonico.
Entre as mesas espalhadas na calçada, fedia um montinho de merda depositado pelo Boi da Manta. A turma, indignada, saiu em busca do Boi até o fim da tarde. Abobrinha entrara na casa da avó que, sobressaltada, e sem explicações recebidas, o acolhera até a noite.