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Contos-->ABOBRINHA em: O CURRAL -- 24/11/2003 - 22:51 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ABOBRINHA em: O CURRAL



Toda praça é margeada por duas ruas. Mesmo as que não são as pracinhas principais das cidadezinhas interioranas de Minas. Raras foram as vezes em que encontrei uma pracinha em um canto de margem com um único lado. Acontece que as ruas perdem seus nomes ao chegarem às praças. Em Esmeraldas, as duas ruas que margeiam a praça Getúlio Vargas, antes de tornarem-se parte integrante dela, iniciam-se na Ponte da Cerâmica sobre o ribeirão Felipão. Numa baixada onde a indústria de tijolos se instalara, à margem do rio e da estrada que leva aos distritos mais conhecidos de São José, Vargem do Bento da Costa e Campo Alegre.

Começa uma rua e depois se bifurca em uma mão direita que sobe o trânsito e outra que desce. A praça, entre as ruas, fica em ligeiro aclive, como toda a cidade que é contornada por montanhas. Uma curta travessa divide a praça em duas. Um grande jardim na parte inferior, antigamente com um chafariz e hoje com um coreto ao centro. Amendoeiras à margem sombreando os bancos de cimento, visitados diuturnamente por fofoqueiros e sem-o-que-fazer. No Interior, a fama da fofoca não é exclusividade das mulheres. E na parte superior a Igreja Matriz de Santa Quitéria com uma larga escadaria e portões de grade. Um orgulho para a cidade, contar com uma das maiores igrejas do interior de Minas.

À frente do gradil principal da Igreja Matriz, anualmente, os festeiros convidados pelo pároco, erguem uma grande barraca de madeira que cobre toda a extensão da travessa. Ao redor da barraca, um balcão se forma para os expectadores e jogadores de bingo, curiosos e fiéis que arrematam lotes de guloseimas, bolos e doces caseiros, biscoitos e pães, galinhas, patos, leitões e tudo que é doado pela paróquia. Por dentro da barraca, famílias se acomodam em mesas de metal gastando, bebendo e comendo. Tudo para o sustento das obras de Santa Quitéria. O barulho dos festeiros leiloando os lotes e cantando o bingo assistencial entra pela madrugada fria do inverno mineiro.

_Ô Abobra, nem um franguin assado a gente ganha nesse bingo.
Reclamou Tonico, injuriado. A turma se debruçava no balcão da barraca.

_ É, parece até castigo de Santa Quitéria.

_ Mas que mal nós fizemos à Santa. Estamos aqui bebendo e gastando nosso dinheirinho pra ajudar a paróquia. Bem que Ela podia nos agradar um pouquinho também. Pezão já se indignava.

_ O pior é que nem tem como a gente dá uma volta no cantador do bingo. Ele confere tudin sô! Buiú desistiu.

_ Calma gente. Daqui a pouco vai sobrar lote e faltar jogador.
Previu Abobrinha.

Em um canto da barraca um cercado separava a cozinha improvisada com fogareiros e congeladores. Festeiros serviam as mesas e os fiéis no balcão. Cozinheiras preparavam os petiscos, pratos de pasteis, mandioca frita, milhos cozidos, pipocas, filé acebolado, canjica com ou sem amendoim torrado, empadinhas, frango assado e quentão com canela. Madrugada caía e o bingo teve sua última cantada.

_ Saiu! A idade da loba; dois patinhos na lagoa; o número do veado; a idade de Cristo; um de ponta e outro de cabeça! Bingo!
O cantador pensava animar os fiéis.

_ Nós vamos ficar no prejuízo hoje.
Desistia Cuca.

_ Bebemos quase toda a cerveja da barraca e nem um prato de pastel ganhamos no bingo. Chiquinho resmungou a má sorte.

_ Também ninguém arrematou nada no leilão, nem um frango assado?! Barão reclamou da turma.

_ Pra quê arrematar? É melhor beber o dindin. Comer a gente come em casa.
Então Abobrinha toma seu último gole de quentão e chama a turma.

_ Já tão guardando os trem. Vamos pro bar do Zé Prequeté.

A turma rumou praça abaixo, injuriada com a má sorte. Já em tropeços desceram a
rua direita e sentaram na escada do bar do Zé Prequeté. Pediram duas cervejas que foram distribuídas nos copos e, observando a praça ficar deserta, Abobrinha lançou o desafio.

_ Óia turma, todo mundo ta indo embora. Só nós aqui fechando o bar. Bem que a gente podia dar uma lição nestes festeiros.

_ Quê qui ocê ta tramano Abobra? Perguntou Chiquinho.

_ Prestenção. Aquela barraquinha vazia num parece um curral no meio da praça?
Risadas.

_ Intão... Depois da ponte da cerâmica tem a fazenda dos Costa. Sempre tem umas vaquinhas pastando soltas à beira da estrada. Vamos tocar umas pra cá. Elas vão fazer tanta sujeira lá dentro que amanhã terão que lavar o chão da barraca.


Esperaram as portas do bar descerem certificando o sumiço do dono pela
madrugada. Desceram a rua da ponte em meio a gargalhadas abafadas para não acordarem as janelas. E os causos etílicos eram lembrados...

_ Foi nessa ponte que aqueles dois irmãos bebuns de Campo Alegre caíram e quase se afogaram. Quem sabe desta história? Perguntou Abobrinha.

_ Sei não sô. Que história é esta? Pediu Barão.

_ Dois irmãos bebuns que saíam de Campo Alegre toda noite de sábado pra beber em Esmeraldas. Andavam a pé as léguas desta estrada de terra, comendo poeira, pois não conseguiam nunca voltar a cavalo. Num certo sábado, trocando as pernas mais que o Buiú agora (pausa para gargalhadas), um pescador debaixo da ponte se assustou com a queda de dois homens no ribeirão. Estava raso, os dois caíram e após o silêncio do susto os dois resmungaram:

_ To morto!

E o outro:

_ To quase!

Abobrinha conclui já do outro lado da ponte:

_ A partir daí, dada a língua do pescador, os dois passaram a ser TO MORTO e TO QUASE.

Chegados à fazenda cortada pela estrada, sem cercas, se embrenharam pelo
pasto, brigando com os ramos e mosquitos tourearam oito vacas rua acima. Dividiam-se cercando a pequena manada. Uns atrás, outros nos lados e o Pezão na frente ditando o caminho. Tudo com a calma e sutileza que o silêncio da madrugada exigia. Na barraca, uma mesa de metal servia como portinhola na única entrada livre. Pezão correu à frente liberando a entrada e fizeram um corredor no gradil da Igreja para que as vacas, como num caminho de roça, uma a uma entrasse no “curral”.

Na manhã seguinte, Abobrinha acordava trombando nos beirais das portas e
encontra sua mãe na cozinha anunciando o sermão do Padre na missa matinal do domingo.

_ Ele estava indignado por terem feito a barraca de Nossa Senhora de Santa Quitéria de curral. Que além de desrespeito com a Santa e os festeiros, transformaram a praça principal da cidade em curral fedido. Mas que perdoava os infiéis, pois no mínimo estavam bêbados e possuídos pelo mal.

_ Uai mãe, se ele perdoou então ta perdoado, é só esquecer o assunto.
Encerrou Abobrinha disfarçando o riso amassado no inchaço da cara.

As vacas foram buscadas pelo fazendeiro e até hoje, literalmente, a cidade não sabia por obra de quem teriam chegado até o curral, digo, até a barraquinha de Santa Quitéria.

Fim.

Por: Edson Campolina
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