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cronicas-->Áfricas e Recifes -- 04/04/2003 - 15:38 (Lucas Tenório) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Comecei a perceber o Recife quando das primeiras lembranças,
e o meu primeiro Recife, minha primeira comunidade, aquele da casa da Iputinga onde morei dos três aos sete anos. O ainda hoje meu cosmos por excelência: o grande quintal todo murado, com o pé de siriguela, abacate, os coqueiros, os gafanhotos, borboletas, louva-a-deus, zigueziques (pra quem dava os gafanhostos de comer, e "amestrava" com uma linha amarrada na cauda - sempre morriam depois), os combogós que davam vista pra uma casa vizinha esquisita, que achávamos que lá havia uma bruxa. A casa dos besouros do inverno, tanajuras, dos programas de rádio que ouvíamos cedo antes da escola, com as antigas propagandas e seus bordões indeléveis na memória.

Foi o Recife das casas simples, do primeiro educandário (Santo André), do primeiro contato com a igreja católica, das cantigas de roda, de passar o anel,
dos fogos de São João, dos passarinhos que me encantavam e me fizerem ansiar por um dia ter um viveiro - tinha os meus alçapões; do Carnaval com as bisnagas, os óculos d água, as bombas dos meninos mais velhos, e o mela-mela, moderado - talco e batom. As alaússas. O sonho de ter um Autorama. Da venda de seu Nino, onde comprávamos nosso arsenal, o papel de seda, os piões, as bolas de gude (nunca fui bom nos dois), as primeiras figurinhas dos nossos álbuns com os ídolos do futebol. Os chicletes e confeitos de amendoim, de mel não gostava. Pirulito zorro, peixe de chocolate coberto com papel metálico colorido, cigarros de chocolate e de erva cidreira. O jambeiro da vizinha e a hepatite.

Recife-Iputinga de Fernando Neguinho, moleque mais pobre
da vizinhança que construía, e eu invejava, os carros sofisticados de lata, os carros de rolimã, patinete, e nos vendia "chiés" do mangue - daí o meu fascínio até hoje pelos caranguejos, os saborosos guaiamuns. (Eu, nós, relativamente preservados
pela minha mãe, que nos impedia de tomar picolé em saquinho,
"dudu", por não saber da procedência da água.)

O derradeiro Recife-Iputinga da cheia de 1975 - mudamos da Iputinga em 1976 -, em que ficamos no estuque da casa com mais uma família. Isso foi uma festa pra gente e prenhe de significados.

Mas o Recife das séries Perdidos no Espaço, O Homem de Seis Milhões de Dólares, Kung Fu (aquele do Gafanhoto), Viagem ao
Fundo do Mar, Terra de Gigantes, a Pantera Cor de Rosa e
tantos outros desenhos animados, que teatralizávamos nas nossas outras brincadeiras de faz de conta. O Recife das primeiras, e talvez necessárias, alienações. O Recife das novelas da tupi.
Havia também o pega (com as várias modalidades), barra-bandeira, se esconder - não jogava ainda futebol.
E a África, qual meu primeiro contato. Lembramos, eu pouco, principalmente minha irmã mais velha, de "Negão", um ajudante de papai que fazia serviços diversos, capinava o quintal, conversava conosco e é uma referência dócil na nossa memória, de crianças que não viviam o sentido da diferença.
O próprio Fernando Neguinho, hábil artesão nas coisas de brincar, esperto, ágil, polissêmico. (Depois tantos outros, Tripa, virtuose da bola, esse já dos meus treze anos, quando ensaiava, tentava, algumas jogadas de efeito.)

A África dos primeiros livros de escola (não conhecia Frei Betto,
Leonardo Boff, Machado de Assis) que nos ensinavam que negritude era sinónimo de escravidão. Em determinada época achei que o escravo brasileiro foi escravo por ser negro. Imagine o impacto na formação incipiente do símbolo-identidade
do ethos afro-brasileiro. Não conhecia Milton Santos.
Logo depois o nosso mestre, Péle, e toda a sua mítica na epopéia antropofutebolística do nosso imaginário. Os nossos clubes: Náutico, Sport, Santa Cruz e América e seus grandes feitos.

A primeira África na voz de Maria Betània, parece-me, se não erro, "Ruanda", e a primeira embriaguez da ciranda, o embalo sinuoso e lúdico, a ciranda de Lia, de Itamaracá.
(Não conhecia os terreiros, ainda não os conheço, embora apreciador dos toques dos tambores - não conhecia Rita Amaral.)

A África do Véio Zuza, de Chico Anísio, dos velhos e velhas cachimbeiros da fantasia dos meninos. África das lavadeiras, das vendedoras de peixe frito, passarinha (dizem, a genuína, placenta da vaca frita). África dos borracheiros e a África dos primeiros badoques (estilingue), com que vim matar minha primeira lagartixa muito depois, depois de várias tentativas, e muitos arrependimentos depois.

Houve Áfricas depois, e houve Recifes. A partir de 1977. Conto em seguida.
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