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Contos-->O QUINTAL - Parte II - O Velho Oeste -- 17/11/2003 - 01:26 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O QUINTAL – Parte II – O Velho Oeste




A cerca dos fundos do nosso quintal separava-nos de uma faixa de terra ainda inexplorada. Era um matagal que, cortado por uma rua de terra, divisava com o terreno da Escola Estadual Santa Quitéria, chamávamos simplesmente de colégio. Meus irmãos e irmãs maiores não usavam a rua frontal de casa para irem às aulas. Atravessavam o quintal, pulavam a cerca e em poucos metros já estavam em sala de aula.

Na extremidade esquerda, quase no canto da cerca, um centenário jacarandá. Muito alto, era impossível de ser escalado. Sombreava os cantos do nosso quintal e do quintal do vizinho, tão grande como o nosso. Usávamos suas sementes caídas como moeda em nosso velho oeste imaginário. À direita um pé de angá e urucum, mantidos intactos, guardavam um pequeno espaço no terreno sem plantações, era como uma clareira no final das fileiras de mandioca, milho e feijão.

Os pés de milho com todas suas longas folhas verdes e o feijão se alastrando pelo chão, subindo nos caules da mandioca e do milho, formavam uma densa floresta. Olhando por baixo não conseguíamos ver nada. A pequena clareira nos fundos tornava-se um esconderijo quando fugíamos dos castigos de nossos pais. Ocupados com os afazeres domésticos, sabiam que retornaríamos mais tarde e não escaparíamos dos puxões de orelha ou palmadas na bunda.

Nas épocas de seca, antes dos plantios, preparávamos o terreno. Um trabalhão só. Ressecado pelo sol, arávamos com picaretas, revirando a terra e adubando com os estrumes dos nossos porcos e galinhas. Buscávamos estrume de cavalos e vacas nos pastos das fazendolas próximas. Enchíamos sacos de linhagem e voltávamos pelos fundos do quintal, evitando ruas por vergonha. Amontoávamos no centro do quintal vazio à espera se secar. Depois pegávamos varas de pau e batíamos para esfarelar. Subia uma poeira que impregnava em nossos narizes.

Molhávamos a terra com baldes e regadores, até que meu pai puxou uma irrigação improvisada, com apenas um cano d’água. Pelo menos não precisávamos descer todo o quintal para reabastecer os regadores. Com as sementes selecionadas, o trabalho em equipe era bonito de se ver. Nosso pai e o Magela na frente furando as covas. Três covinhas juntas, um passo largo e repete. Eu, Cláudio e o Ângelo semeando e, com os pés, empurrando a terra para as covas. Tudo enfileirado e com distâncias medidas em passos.

_ São três grãos de milho, três de feijão e duas manaíbas de mandioca. Presta a atenção!
Nosso pai alertava.

Após o plantio vinha a capina. Era preciso manter a plantação livre de ervas e gramas daninhas. O bate-enxada ficava por nossa conta. Nosso pai só supervisionava, precisava trabalhar. Cada filho com sua pequena gleba de terra para cuidar.

Com feijão colhido, somente as folhas restavam entrelaçadas nos caules. Preparávamos a colheita do milharal seco. Um trabalhão! Só não era pior que a debulha das espigas. Mas sabíamos que com isto o nosso velho oeste em breve estaria ressurgindo. Restaria uma faixa de pés de mandioca no início do terreno. Todo o resto estaria liberado para as brincadeiras. Era então juntar os pés de milho secos, ramos de feijão, folhas de bananeira, bambus e cipós do jacarandá e do pé de angá.

As armações das cabanas eram de bambus verdes inteiriços. Geralmente amarradas com cipós. Taquaras eram amarradas entre um bambu e outro para suportar o enchimento das paredes com os pés de milho secos. O telhado com folhas de bananeira, folhagem de feijão e chuchu, papelão e tudo o mais que pudéssemos conseguir. Invariavelmente, uma ou outra invasão secreta nos quintais vizinhos era necessária para o suprimento dos nossos insumos. Seu Bené, vizinho da direita, com um quintal cheio de árvores frutíferas, um bananal e muita cana de açúcar era vítima constante.

As cabanas eram muito bem armadas, duravam os tempos entre as colheitas e as novas plantações. Justamente em nosso período de férias no final do ano, o quintal todo a nosso dispor. Algumas com dois ou três cômodos, varanda, janelas e até móveis improvisados com tocos e pedras. E segurava chuva! No calor de Dezembro e Janeiro, a sombra das cabanas era aconchegante e usávamos até para os estudos esporádicos.

Os cavalos de pau, revólveres de madeira velha, amarrados na cintura, cocares de penas de galinha e pato, chapéus de palha com abas dobradas, cigarros de cipó de chuchu, fumados escondidos, formavam nossa indumentária de mocinhos, bandidos e índios. Com a penca de irmãos, não me lembro de algum amigo da escola ou rua ter brincado conosco, éramos nossos melhores amigos, mesmo em tempo de guerra entre o Paladino do Oeste, Durango Kid e os chefes Jerônimo e Touro Sentado. Em algumas ocasiões a turma dividia-se entre a cavalaria e a tribo. Arcos e flechas de taquaras de bambu, lanças de pau, e bodoques eram armas fabricadas por nós e testadas nas bananeiras, mamoeiros e mangas. Não tinha como esconder as marcas, um limite era imposto para que a planta não morresse ou ficássemos sem mangas para amadurecer.

Episódios de saques, roubo de mulheres, roubo de colheitas, bandidos assassinos, brigas de Saloons e roubo de cavalos eram combinados previamente. Os vencedores tornavam-se perdedores nos próximos. Até que nosso pai anunciava o epílogo.

_ É hora de preparar o terreno pra plantar.
Decretava.

A guerra era declarada. Agora pra valer. Ora amarrávamos uma corda nas cabanas e puxávamos com os cavalos de pau, ora incendiávamos. Os incêndios chamavam a atenção da vizinhança. A fumaça subia alto. Vez ou outra fomos obrigados a apagar o fogo sob os olhares de nosso pai. Colocava em risco a cerca de bambu do quintal e os galhos do jacarandá, do pé de angá ou de urucum.

As armas eram guardadas, quebradas ou perdidas, assim como nossos episódios do velho oeste se perderiam até a próxima colheita, ou até a nossa adolescência.

Por: Edson Campolina
http://www.mineirosdoriodejaneiro.kit.net/mineirosdorio
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