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Contos-->À Sombra do Jatobã - XXIX - A farmácia do Ludú -- 10/11/2003 - 18:30 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá XXIX A farmácia do Ludu

Pela primeira vez, depois de longa estiagem, forte chuva caiu sobre a Ribeira do Curú. Os galhos dos altos tamarindeiros, da praça da Matriz, se aprumaram para exibir seus verdes, murchos e amarelados.

Das casas que a cercavam saiam crianças correndo para aproveitar as enxurradas e, de braços abertos, giravam com as carinhas erguidas para o céu. Os velhos punham-se à janela para assistir suas estripulias. Seus olhos cansados adquiriam um brilho festivo, que se renovava a cada inverno. Quantos haviam saído de suas propriedades em época da seca, e conseguido criar seus filhos na cidade; agora, alegravam-se com os netos, mas ficara-lhes como que enraizado, o amor pelo sertão, de suas terras abandonadas. Continuavam a sofrer com as estiagens, a procurar sinais de chuvas que se esgarçavam; rezavam velhas orações.

Das casas comerciais começaram a sair os fregueses e as pessoas que nelas haviam se abrigado. Um ar festivo a todos contagiava.

Padre Jesuíno chegou à porta da igreja e, do alto da escadaria, admirou sua cidade, sua gente. Deu-lhe vontade de tocar os sinos do alto do campanário, cuja torre sobrepujava as árvores e poderia ser avistada por toda a redondeza.

A rua do Imperador, que terminava na praça da Matriz, era a mais larga da cidade, sombreada por algarobas, que protegiam suas casas comerciais. Em uma esquina, ficava a farmácia São Francisco, cujo proprietário, Luduvero – o Ludú – era o maior linguarudo e falador maledicente de Ribeira e, por estas características, juntava à sua volta um bando de ouvintes que se refestelava nos bancos de sua casa comercial. Ficava também em frente do hotel Realeza. Sua localização parecia de propósito, para espicaçar a curiosidade do Ludú e dar-lhe motivos de fofocas. Quem quer que chegasse à cidade, passava imediatamente sob o crivo do olhar do farmacêutico.

Donato, preto esganiçado, de pernas compridas e finas e os olhos enormes e sonsos, era o prático da farmácia e o leva–e-traz dos linguarudos e maldades que o Ludú urdia e espalhava.

Com a desculpa de comprar um comprimido, ou um remédio qualquer, eles iam se juntado, sentando pelos bancos, dispostos dentro e fora da farmácia. E os assuntos pegavam a rolar. Depois então que Teobaldo foi preso, uma onda de euforia os unia mais ainda. Delfina dava panos para as mangas:

- Daqui há pouco ela vem cuidar dos seus bichinhos...

- Já vivia enrolada com o padre e o médico, e agora com esses ordinários da cadeia!

- Tem o rabo quente!

- É uma boa mulher – apaziguava o Nagibe, que fazia questão de ser “do contra”, não só para não perder a freguesia feminina, como também para criar ou aumentar a discussão.

- Ah! Boa é mesmo! – caçoava o Ludú – ela põe é fogo naqueles coitados, que não vêem rabos de saia, fora o dela.

- Todos os dias vem ver o cunhado. Humm... Sei não... O delegado Gervásio está acoitando os dois – disse o Dr Praga que, entre a advocacia e a bebida, se entregara à última. – Aquilo está uma pouca vergonha! - apontou com o queixo a delegacia – os presos estão como querem: roubam, matam, estupram e depois vão descansar na cadeia. Vida mansa! Boa rede! Boa sombra! E ainda comem as frutas que a Delfina leva. Só falta pendurar cortina nas janelas.

Depois das gargalhadas, Jóca, dono da barbearia, comentou, com muita malícia:

- Dizem que o Arnaldo já está bom... Papau a sobrinha, levou um tiro. Para comer aquela belezinha, qualquer um se arriscava!

Dr Praga sentou no banco em frente da farmácia, empurrou o chapéu para a testa, encostou a cabeça na parede, esticou as pernas para o meio da calçada e, dando um gole na sua garrafa – que nunca abandonava – respondeu molemente:

- Aquela cadelinha estava pedindo isso. Toda pintada, colada no consultório do tio...

- Mas ela trabalhava com ele – acudiu o Nagibe.

- Trabalhava, sim – continuou o advogado, depois de um soluço – e como trabalhava bem! Com toda aquela saúde, ela fazia virar a cabeça do Arnaldo.

- Coitado, tão rezador...

- Cantador...

Jóca, quase explodiu de rir:

- Cantou direitinho a menina!

- E agora, que vai ser da criança que vai nascer? Perguntou Nagibe.

- Do bastardo? – juntou Dr Praga – A Delfina protege. Ela foi criada por Deus para proteger todo mundo.

Ficaram em silêncio, quando a caminhonete de Delfina surgiu no fim da rua.

- É falar no diabo... – murmurou o Jóca.

- Bem, vou entrar para a farmácia – disse Ludú, apressado.

- Eu não – esbravejou,rompante, o advogado –eu vou ficar aqui mesmo. Quero que ela me veja, também. Não tenho medo deles, sou testemunha destas safadezas! É por isto que este Brasil não vai pra frente! Gastam as nossas verbas, servindo a esses safados; ordinários! Um causídico é afastado do seu direito de advogar porque bebe espo...espo...esporadicamente, eles continuam aí, nesses desmandos, nessas sem-vergonhices.

Enquanto falava, os companheiros se afastavam, porque sabiam que o álcool ia destilar as frustrações do Dr Praga. Ele se levantou, cambaleando, aprumou o corpo e continuou, apontando a delegacia:

- Filhos da puta! Todos filhos da puta! Tiram os direitos de um cidadão honesto de advogar, para esconder as suas falcatruas... Mas isto não fica assim! Eu irei aos jornais. Eu sacudirei esta cidade adormecida!

O bêbado já esgoelava, olhando com olhos vermelhos para a casa amarela.

- Seus ordinários! Gervásio! Você é um alcoviteiro! Cafetão! Salafrário!

Dois soldados, à mando do delegado, atravessaram a rua e, sem esforço, pegaram o gritalhão sob os braços e o levaram para a delegacia.

Donato surgiu na porta da farmácia e anunciou para o Ludú:

- Lá vai o Dr, Praga novamente curtir a bebedeira na cadeia.

Dando a volta na praça da Matriz, Delfina olhou para o lado da igreja, avistou padre Jesuíno e lhe acenou, sorrindo. O padre respondeu-lhe o cumprimento.

Delfina respirou fundo. As coisas se arrumavam: já não sentia o coração apertado ao entrar na cadeia, para visitar o cunhado. Já possuía a consciência tranqüila, por lhe ter dado melhores condições para suportar sua prisão; transformara em ambientes limpos e habitáveis, as estreitas celas e arranjara trabalho e atendimento médico aos prisioneiros. Em frente da casa amarela ela estacionou.

Dr Gervásio cumprimentou-a, com gentileza, e demonstrando grande satisfação, comunicou-lhe:

- Estou para receber o laudo médico que declara que Arnaldo está fora de perigo de vida. Por outro lado será retirada a queixa de agressão. Com isto, o processo será arquivado e Teobaldo ficará livre.

- Estava esperando esta notícia há dias, Dr Gervásio! Não sei como agradecer!

- A mim não, Delfina. Aos médicos que o salvaram e a ele, que se comportou como um homem de brio e de caráter! – Sorrindo, acrescento – vai me fazer falta na secretaria e, creio, que também sentirei falta das suas visitas.

- Isto não. Não esquecerei os amigos que arranjei aqui e continuarei a visitá-los. Agora, desculpe-me, mas tenho que comentar as boas notícias com o meu cunhado – e saiu para a sala visinha, onde Teobaldo trabalhava.

Olhando-o com orgulho, ela lhe falou, como para o secretário do delegado:

- Então, o seu prisioneiro parece que vai ser solto! Nem sei como dizer isto para Filó. Vai ficar numa alegria tamanha que não terá paciência de esperar mais nem um dia!

Um grande silêncio ficou parado entre os dois.

Teobaldo, meio encabulado, fitava a cunhada e foi num ímpeto que falou:

- Delfina, eu sempre achei você prepotente, mandona, e orgulhosa. Não aceitava ver você sempre tomando conta da família, como se todos dependessem da sua orientação e, principalmente, da sua maneira de desafiar o mundo...

- Teobaldo, eu não admito... – quis interromper Delfina, já sentindo seu rosto afogueando.

- Admite sim. Agora vai admitir que eu tinha o direito de achá-la insuportável, já que estou admitindo que pequei, por não conhece-la melhor. Nunca é tarde para reconhecer um erro. Eu andei me afastando de você. Detestava vê-la se metendo na vida dos irmãos, principalmente dando palpites na vida da Filó. E se concordei com a ida da Ana para a casa da Elvira, foi pelo prazer em contrariar você. Só Deus sabe o quanto me arrependo. Mesmo agora, estando metido na prisão você aliviou os meus dias, dando-me trabalho, fazendo-me útil para estes desgraçados. Eu precisava dizer-lhe estas coisas, mas sei que você já me perdoou...

Delfina ficou muda, constrangida, com o desabafo do cunhado. Olhando-o meio espantada, e muito comovida, se retirou , murmurando:

- Ora! Que besteira!

Lá fora, o sol iluminava a praça, as pessoas, até os cachorros vadios que perambulavam pelas ruas. Delfina abençoou a liberdade. Estava ainda sufocada pelas palavra de Teobaldo e sentia-se feliz.Naquele momento, tudo se lhe apresentava radioso. Parecia-lhe que era o virar definitivo de uma página triste.






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