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cronicas-->Mamonas em Tempos de Guerra -- 23/03/2003 - 15:07 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Mamonas em Tempos de Guerra

Carlos Eduardo Canhameiro

Ele descia correndo, com ar de assustado. Carregava um pedaço de pano branco na mão e gritava algo sobre rendição. Me lembro da cena com exatidão, a mesma com que baixei o braço e ordenei que meus homens atirassem. A primeira saraivada atingiu-o no tronco e sua expressão de espanto ao ver a camisa toda manchada pareceu-me cómica. Seus olhos foram se enchendo de lágrimas, abriu a boca e soltou um enorme grito. Não tive dúvida, exigi outro disparo, que foi certeiro e entrou goela abaixo. O golpe de misericórdia, para todos. Engasgado com a mamona que adentrara sua garganta, ele gritou ainda mais, dizendo que estávamos ferindo as regras da brincadeira. Os demais integrantes dos outros batalhões baixaram seus estilingues e se reuniram na rua. Eu permaneci com meus fiéis soldados e disparamos mais uma vez. Todos iniciaram uma ofensiva verbal, reclamando das manchas verdes nas roupas, do provável boicote das mães por essa sujeira e principalmente, da minha deslealdade ao ver uma bandeira branca sendo acenada. Pouco me importei com tal argumentação, carregamos os estilingues e lá se foram as mamonas cruzando o ar. Estávamos em guerra, não poderia dar ouvidos ao que dizia um bando de tecnocratas.
Minha carreira despótica acabaria em seguida, assim como meu interesse pelas artimanhas da guerra. Meu grupo se manteve fiel as minhas ordens e os demais, que se queixavam na rua, utilizaram um recurso baixo - ao menos tivessem se unido e lutado contra nós, seria mais louvável - chamaram minha mãe e fui obrigado a abandonar o posto, não sem antes atirar pela última vez. Minha mãe foi uma das vítimas do ataque derradeiro, o que considerei uma baixa da guerra, e isso levou a desintegração do meu batalhão e o fim do meu poder. Os dias nunca mais foram os mesmos daquelas tardes de guerras com mamonas.
Hoje estou num campo de batalha real, trajando um uniforme pastel com uma mochila com metade do meu peso nas costas. Caminho pelos locais indicados pelos superiores, somos uma fila de formigas perdidas em meio ao nada. Tenho uma tarefa simples, atirar em qualquer elemento suspeito. A formalidade da ordem tem feito alguns estragos em nosso próprio grupo, ouvimos notícias de helicópteros e caças abatidos por fogo amigo. Tenho evitado olhar para qualquer direção que não seja em frente, não quero me defrontar com um elemento suspeito.
Minha mãe envia correspondências com informações estranhas. Não consigo entender o bem que estamos fazendo que tanto ela exalta na carta. Parece que nosso inimigo não tem nem mesmo mamonas para se defender, e o máximo de armas de destruição em massa que encontramos até agora foi um soldado inimigo trajando uma camisa com esses dizeres, rimos muito antes de baleá-lo até a morte - não fui capaz de dar um tiro. Sou tido como um "bundão" por meus companheiros e dizem que jamais sairei do status de soldado-raso. Alguns colegas de rua, que estão aqui comigo, pedem a liderança de outrora, eu apenas disfarço com devaneios sobre mamonas e manchas nas roupas.
Encontramos uma trincheira inimiga, fizemos a movimentação costumeira dos exercícios militares, um balé desajeitado de fazer rir a bailarina mais inexperiente, talvez seja essa a arte da guerra. Temos todo tipo de munição, armas... Eu mesmo, carrego agora um lança-míssil, coisa que imaginava somente quando brincava com meus "Comandos em Ação". Estamos prontos e uma bandeira branca amarrada num pedaço de pau é acenada. Vejo o braço do meu superior baixando, devemos atirar. Penso no elemento suspeito e ensurdeço com os barulhos das armas. Procuro o bolso da calça, carrego comigo umas mamonas, estão secas devido ao tempo, mas não hesito em arremessá-las com toda a força em direção do inimigo. Silêncio, a brincadeira acabou.
Um buraco na terra, vários corpos estendidos, um deles, sem conseguir ao menos deitar para morrer, está ajoelhado, segurando a bandeira branca. Alguns disparos remanescente selam a morte mais rapidamente. Todos parecem felizes, contabilizando os acertos como fazíamos quando criança. No momento, eu só gostaria que minha mãe acabasse com a brincadeira, mas temo que ela seja um elemento suspeito.
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