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Contos-->VOYEUR DA MADRUGADA -- 01/11/2003 - 21:56 (Edison Gasparim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu estava distraído...
Muito distraído... A ponto de não me dar conta de que, perto de mim, várias pessoas conversavam, mas o som das vozes era algo apenas sonoro e constante, não conseguindo me tirar daquele estado de abstração física e mental. Talvez até tenha contribuído, e eu diria que soava como um mantra, favorecendo ainda mais.
Também havia música no ambiente; uma música suave e bem propícia para o que parecia se tratar de pura meditação. Mas não era mesmo. O mais curioso é que nem eu consigo me lembrar o que estava pensando quando senti no pescoço aquele toque e percebi que me sopravam ao ouvido.
Num átimo de segundo, eu estava de volta do meu transe. As pessoas, as vozes, a música pareciam agora ser uma confusão aos meus sentidos ao mesmo tempo em que eu me dava conta de que fora a cortina que me tocara os ombros, lançada pelo vento através da janela às minhas costas.
A cabeça se vira num gesto puramente mecânico, e quando os olhos vislumbram a cena, tudo desaparece de novo. As vozes, as pessoas, a música, a sala e o momento...
E o que ficou é algo difícil de se descrever. Temo que me faltem detalhes, tamanha a beleza do quadro que se apresentou.
Era uma cortina rendada com motivos florais, mas que por estar muito próxima, meus olhos não se aperceberam deles imediatamente, pois parecia a ampliação de um grande véu turvando um pouco a visão. Mas ao longe, no fim do corredor e aonde o olhar encontrava o foco perfeito, debaixo de uma luz que a iluminava por inteiro, estava ela; lindamente distraída como eu há poucos instantes.
Senti-me um voyeur, um canalha, um ladrão, mas não desprezei a oportunidade de observar-lhe as formas, os gestos, sua fisionomia que se transmudou entre vários semblantes de diferentes emoções. Breves instantes que nunca mais vou esquecer. Tudo muito rápido. Eu tinha que ser rápido na espionagem porque pressentia que não ia durar muito.
Mas durou. Durou toda a eternidade de cada um daqueles segundos. E pude comparar a cor de sua roupa em contraste com o ocre da cortina... A velocidade do vento em minha face, pelo balançar dos seus cabelos... Sua tez aveludada realçada pela luz... Seu colo, suas sardas.
Sentia-me protegido pela cortina como se não houvessem os pequeninos furos da renda a me revelar também pelo lado oposto. Não me importava mais saber se era correto ou não meu comportamento. Aquele instante era só meu. Eu a tinha inteira, ainda que apenas como um observador fascinado.
Vi seu olhar vagando pelas paredes como se lhes observasse a cor, mas na verdade não as via como anteparos de bloco, cimento e tinta. Assim como eu, que estivera nesse estado, ela via as paredes como um quadro vivo a lhe mostrar o motivo de sua alienação.
Um pequeno sorriso involuntário, e outra vez comparei o seu menear de lábios com as formas graciosas da cortina no balançar da brisa.
Aqueles olhos se mostravam perturbados revelando uma inquietação estranha; quase um desconforto e nesse momento como que despertando do transe eles buscaram na minha direção a causa direta da perturbação.
Algumas doutrinas religiosas, alguma seita e até mesmo a ciência certamente têm uma explicação para isso — Como é que as pessoas percebem que estão sendo observadas? — mas, fato é, que fui revelado e imediatamente tratei de dissimular lançando meu olhar para além.
Olhei para o céu e sentia que ela me olhava...
Olhei para o chão e percebia a mesma coisa...
Segurei a cortina como a observar seus desenhos, mas nem esse escudo me salvou daquele olhar fixo, atento e... simpático.
Quanto tempo se passou? Aonde foi todo mundo? Não saberia responder...
Segundos que valeram horas. Decisivos... iguais aos que fazem surgir um recorde ou uma vitória.
Segundos que me fizeram vitorioso. Valeu a pena toda ousadia.
Então, aquilo que antes era furtivo, agora se tornava ousado, melhor dizendo; assintoso. Eu a olhava sem preocupação porque existia correspondência naquele olhar. Ao me descobrir, ela simplesmente sorriu e ao invés de se aborrecer, fixou melhor suas observações femininas neste que agora se sentia realmente contemplado.
O vento — este que me segredou a oportunidade da minha espreita, ainda fazia com que a cortina de renda separasse nossos olhares — e deixava para mim a real impressão de uma cena de encantamento. Algo fascinante quanto uma boa peça de teatro, onde trocávamos seguidamente as vezes de ator e espectador.
Aproveitei então e observei também o palco das nossas atuações para poder aqui relatar tudo como de fato acontecia sem perder um detalhe sequer. Foi nesse instante que pude ver os desenhos da renda e a cor da esvoaçante cortina; a música, não me recorda e só posso garantir que era suave e propícia.
Quando voltei o interesse para sua figura, notei que minha vista se turvara, pois o foco não era nítido e fiquei um pouco atrapalhado tentando enxergar com clareza aquelas formas que eu já havia decorado. Retirei o tecido da frente dos olhos e... Meu Deus!
Não era à toa... minha vista estava boa, sim! O desfocado era porque ela se aproximava.
Esses segundos então foram os mais esplendidos! Dois... três... seis? Sim, acho que até ela me alcançar, não se passaram mais que seis segundos. O suficiente para minha mente tecer todas as possibilidades de poder falar com ela, de ouví-la, abraçar, beijar, sei lá se deu tempo pra tudo...
Dentre essas inúmeras e sucessivas idéias sempre existe uma da qual não gostamos de pensar; que sempre nos deixa muito chateados porque sabemos que, se acontecer tudo estará perdido.
Mas me comprometi a revelar tudo que me lembro... e não vou esconder esse fato, sob pena de me sentir envergonhado caso eu o encontre um dia tendo que ouvir e aceitar o seu comentário.
Como dizia, eu vibrava, pois uma mulher muito bonita, de olhar... – acho que me lembro algo mais sobre seus olhos – escuros, de desenho que lembram os olhos das deusas egípcias, com um leve toque de pintura que lhe emprestavam um tom de fèmme fatal e que, acima de tudo, me inquiriam em que interesse eu tinha neles. Curioso é imaginar que eu também perguntava a eles a mesma coisa. Para representar melhor e de maneira figurada, me valho da frase de uma canção maravilhosa:
“Ah... se eu pudesse entender o que dizem os teus olhos!”.
Ela chegou! Estava ali, bem diante de mim! Eu... mudo, é claro! Quase perplexo, diante da exuberância. Inebriado com a fragrância de um perfume que me envolveu por completo.
Os sons desse momento não eram mais que o ruído sutil das nossas respirações, se bem que a minha parecia mais sufocada e, nesse exato instante, o tal pensamento que poria tudo a perder.
Para ser sincero, isso nunca me ocorrera antes. O fato de uma mulher linda, que flagra meu olhar curioso sobre ela... não se incomoda e mais, se mostra simpática, vindo ao meu encontro, fez escapar de mim dentre tantos pensamentos, um único do qual eu me arrependo sinceramente.
“— Isto até parece um sonho!”.
Droga!!!
Mil vezes droga! Não é que eu acordei?

Edison Gasparim – fevereiro/2003

O QUE SE SABE DAQUILO QUE NÃO SABEMOS? Agora leia este texto e, acredite... Somos capazes de sonhar acordados.
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