O gosto doce nao lhe era bem vindo. O cheiro acre que suas lembranças exalavam, inundava suas narinas de puro rancor e ódio. Toda aquela tristeza de si, resguardada no canto mais longínquo de sua mente, agora atingia o seu limite. Os olhos sangravam por dentro na tentativa de expelir toda aquela seiva purulenta que manifestava sua índole maligna, mas não conseguiam.
Outrora eram mais floridos seus pensamentos. Imagens de uma delicada ninfa, de rosto róseo e curvo corpo povoavam sua imaginação. Uma deusa que, de súbito, tornou-se o motivo pelo seu desdém à vida alheia. Desdém este, que aliado à sua seiva putrefata, abriu a Caixa de Pandora contida no seu cérebro e libertou seu mais temido demônio, cujas escamas escarlates brotavam sob a pele, e cujos cornos feriam-lhe as têmporas. Como pudera trair-lhe? Como tal profanidade pôde ser praticada pela senhora dos seus sonhos, santa suprema da sua existência? Tal decepção jamais poderia ser provocada a um espírito que habitaria o paraíso.
Uma aventura errante. Corpos umedecidos de suor, bocas impregnadas de gemidos e o útero preenchido de homem, alimentavam o odor amargo, e este alimentava suas mãos ocupadas com a lâmina autora da sua libertação. A alma despegava-se do corpo enquanto o metal frio penetrava os núcleo dos seus pulmões. As respirações ofegantes cessavam de acordo com os golpes. O silêncio se tornava dono, e uma expressão de alívio imperava na face do desgraçado, que já não distinguia sangue da sua pele rubra.
A pupila reduzida à ponta de uma agulha e o focinho chafurdando nas vísceras dos defuntos, alegravam os dentes afiados que gargalhavam pela enfim posse do corpo. Astaroth sempre amou o fel.