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Contos-->O TODO PODEROSO -- 29/10/2003 - 00:39 (DENIS RAFAEL ALBACH) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O todo poderoso

Desde cedo descobrira que podia ter tudo o que o dinheiro poderia lhe proporcionar. As mais caras e belas vestes que escolhia – assim intitulava as roupas que comprava – vestes eram mais chiques e elegantes, daria-lhe um tom de majestade. Roupas só são usadas pelas pessoas comuns, pobres, sem requinte. As que ele tinha, as vestes, encomendadas detalhadamente pelos seus serviçais mais bem pagos, trazidas do estrangeiro embelezavam seu guarda-roupa pela textura dos ternos italianos, a seda mais pura e fina trazida da Europa nas diferentes camisas que compunha aquele quarto. Não era um simples guarda-roupa, mas um cômodo inteiro de sua mansão, a qual ele chamava de “meu pequeno palácio”, era onde ficavam as vestes européias, os sapatos e tapetes africanos que se estendiam sobre aquele chão. O quarto todo espelhado ficava bem naquela ilustração que os perfumes franceses molduravam. Tudo era do mais fino e requintado gosto. No seu pequeno palácio sentia-se o próprio rei, o todo poderoso.
Com um simples e singelo estalar de dedos dava ordens aos criados. Um dedo levantado e logo uma bandeja lhe trazia o mais caro e requintado champanhe francês. A sua frente a contratada para ler as manchetes do jornal e da revista, recitava laboriosamente a notícia que mais lhe interessava: a coluna social do país em que ele era o destaque do dia. Na revista mais folheada e importante do mundo, sua fama estava estampada na capa para ser lida e conhecida por uma multidão de gente que indiretamente invadia sua vida. Ele sentia prazer em compartilhar sua privacidade com o maior número de pessoas. Ele tinha a sensação de não estar sozinho toda vez que era reconhecido. Seus empregados de confiança anotavam as chamadas no telefone para que não fosse incomodado. Nada lhe poderia tirar sua tranqüilidade.
Com seu luxo pessoal e sua fineza não sabia mais em que gastar seu dinheiro. Seu patrimônio crescia estupendamente, mas teve um momento que achou sua vida sem graça. Abrigar-se nos esconderijos de sua mansão para que não roubassem seu sossego estava lhe causando frustração. Era jovem ainda, muito jovem, por sinal, para ter uma vida tão cômoda. Percebeu que deveria se misturar no meio das pessoas e tentar ser comum quanto elas. Toda vida majestosa de glória que sonhara não era um motivo para lhe trazer felicidade. Era na verdade um rei triste. Nem tanto triste porque tinha recursos que lhe agradassem, mas solitário. Seu terapeuta particular lhe disse que ele não tinha motivos para se sentir deprimido porque ele tinha sempre ao redor pessoas para lhe agradar. Mas ele sentia algo diferente, que nenhuma pessoa que tinha a seu dispor ou estava ao seu redor lhe tirava a sensação de sentir-se solitário. Resolveu fazer academia para que seu corpo não perdesse a boa forma com o tempo. Suas vestes seriam trocadas, sua cama, seus móveis, até sua mansão se enjoasse, mas seu corpo precisava de cuidados. Muitas cirurgias plásticas lhe trariam uma deformação na sua face e pouca coisa melhoraria, mas ele tentaria uma forma de achar a chave para a juventude eterna. Foi com o passar dos dias na academia que se parava refletindo naqueles corpos e rostos bonitos. Um corpo que ele ainda não tinha e talvez nunca tivesse. Um rosto que ele começou a cobiçar porque era mais bonito que o dele. E a inveja crescia em seu íntimo de tal forma que mandou pesquisar os segredos da juventude eterna. E toda busca seria insuficiente para lhe trazer o resultado que ele esperava. Com o tempo, após muitos exercícios na academia, mandou construir uma nos pátios de sua casa para que fosse mais adaptável. Mas nunca tirou de sua mente a imagem daquele homem que ele achara perfeito. Nenhuma cirurgia, nenhum produto químico por mais caro que fosse ou de mais longe fosse trazido poderia fazer ter nele a face que ele desejava.
Não tinha trinta anos ainda quando um de seus sonhos fracassados lhe trouxe frustração. E para o todo poderoso fracasso era algo inadmissível. Contratou os mais bem falados mágicos e mais bem pagos, por sinal, para que eles fizessem a magia. Mas todos saíram desapontados aquele dia. Expulsos, na verdade, porque o rei ficara irritado. Colocou-se de frente ao espelho de sua sala de estar e reparou que seu rosto estava igual. A decepção feria seu ego. Ele não era belo o suficiente quanto aquele rapaz lindo. Seu terapeuta lhe disse que beleza não era importante porque cedo ou tarde se acabaria como a própria vida. E teriam outras coisas que lhe dariam o sentido real da vida. Foi nesse tempo que o todo poderoso resolveu buscar tranqüilidade.
Uma noite queria dormir diferente. Era rei e como tal teria os privilégios que quisesse. Mandou pôr uma cama de casal, aconchegante, grande, macia, com lençóis frescos e cheirosos para que dormisse na sala outra noite. Mandou contratar sua banda de música preferida, custasse o quanto custasse, mas a queria ter naquela noite para que tocasse e cantasse naquela sala enquanto ele dormiria ao som de suas canções prediletas. A banda cobrou um preço caro. Mais caro que o comum. Teve que adiar outros shows, dar desculpas à imprensa e aos fãs, mas um convite como aquele era irrecusável. Eles tocaram e cantaram como o todo poderoso queria. Ele tentou dormir, repousando lento e devagar no momento que a banda tocava uma canção suave e serena para que ele tivesse o melhor dos sonos possíveis. Era rei e era único e como único fazia coisas que mais ninguém fazia. No outro dia acordou em meio ao silêncio. O sono fora pesado e nada lhe fizera perceber que ficara sozinho. O sonho naquela madrugada deveria ter sido lindo. Mas não sonhara com nada. Era outro dia que chegava e a vida continuava. Para ele que era rei os outros já estavam fazendo as coisas em seu lugar.
Começou a folhear as páginas de um romance e deparou-se com uma história de amor. Na verdade uma história de vidas que se amavam, mas se desencontraram. Achou aquilo interessante, justo para ele que nunca tivera um amor. E de tão interessante que ficara, chamou seus empregados, todos eles, um por um numa sala especial para que lhe contassem suas experiências amorosas. Alguns se sentiram tímidos e inibidos para relatar ao grande senhor sua vida particular. Mas todos contaram alguma coisa. Ao final, ele percebeu que aquelas pessoas pobres tinham mais que ele um sentimento universal, até incondicional que lhe fazia ser importante e lhes dar o verdadeiro sentido à vida. Foi então que tentou descobrir no seu passado, folheando as velhas revistas e antigos jornais para que encontrasse uma notícia falando de suas experiências e casos amorosos. Seu terapeuta lhe lembrou que ele nunca teve um relacionamento de amor.
Analisou o porquê que não conseguia amar alguém de tal forma que sua vida se completasse. Naquele período de tempo a seguir, planejou festas e mais festas em sua mansão para todos os tipos de gente para que talvez no meio de todas as pessoas que passassem por ali alguém lhe chamasse a atenção e ele se interessasse por alguém. Teve curtos casos interrompidos por falta de sentimento. Teve relacionamentos que duraram pouco porque não era aquilo que ele queria. Nenhuma das pessoas que ele conheceu lhe era interessante. Agora era triste e solitário e a solidão lhe fazia mal.
Seu refúgio para aquilo foi o vício e o vício era gastar dinheiro. Passou alguns bons meses comprando coisas supérfluas. Arranjava um motivo para dar presentes caros para que gastasse dinheiro. Vendia ações e empresas por um menor preço só para que pudesse sentir sem noção que seu dinheiro percorria, ia, mas não voltava. Foi num momento que seu terapeuta lhe disse que aquilo já era uma loucura e que logo ele não seria mais o todo poderoso se continuasse assim. Então o rei infeliz argumentou porque só o terapeuta lhe dava conselhos. Foi naquele dia que viu que não tinha amigos de verdade. Passou a poupar tudo o que tinha e armou planos para que seus negócios fossem como antes e seu patrimônio aumentasse. Agora só não queria sentir-se sozinho. E o sexo casual, sem compromisso poderia lhe proporcionar instantes de companhia. Mas depois de cada ato a pessoa ia embora, ele voltava para sua casa e a realidade da solidão voltava à tona. Com o tempo foi vendo que nem tudo o que queria seu dinheiro podia lhe dar.
Alguns meses depois num exame de rotina anual constatou-se que estava sofrendo de uma doença incurável já em fase terminal. Pesquisou os casos semelhantes e os recursos que poderia ter para evitar que a doença prolongasse ou até a curasse. Mas o médico lhe deu apenas mais um mês de vida sem nenhuma chance de salvação.
Em algumas semanas depois os ossos começaram a enfraquecer e a sentir dores agudas por todo o corpo. A pele ficara mais sensível a cada dia que passava e a força diminuía. Os remédios não lhe causavam o efeito esperado. As roupas eram trocadas todos os dias, pois emagrecia subitamente. A camada do rosto perdia a cor e a beleza. A textura da pele tornava-se ressecava e lhe dava um tom de espanto. Mais alguns dias depois da última vez que conseguiu se olhar no espelho sua característica já era a de um fantasma.
Mandou que as portas de sua mansão se fechassem para qualquer visita. Só permitiu que o vissem uma enfermeira particular, um outro empregado de confiança e seu terapeuta. O empregado lia diariamente as notícias dos jornais e das revistas, mas nenhuma reportagem falava dele. Estava ausente da mídia e a fama e a notoriedade que teve, percebeu, foi tudo uma ilusão. Com sua notícia de doença, aqueles que diziam ser seus amigos não apareceram. As chamadas nos telefones eram poucas. Suas empresas, negócios e patrimônios seriam cuidados por pessoas de sua família que sempre ambicionaram ter aquele poder.
Na última semana, três dias antes de sua morte o médico fez a última visita. Ele teria um velório simbólico e um enterro simples com poucas pessoas no quintal de sua casa. No antepenúltimo dia despediu-se de seu empregado de confiança. Deu a ele uma boa mesada como recompensa pelos anos de devoção. No penúltimo dia ouviu por horas seu terapeuta, mas nada do que este falasse seria mais importante do que falou antes. Despediu-se dele com um leve abraço e o convite para ser uma das pessoas que carregassem seu caixão. A enfermeira cuidaria dele no seu último dia. Sua última veste não seria importante que ele escolhesse. Nada mais lhe seria importante.
Pediu que o colocasse à beira da janela de seu quarto para olhar o que acontecia lá fora. Ela o pegou com carinho e com cuidado o levou até a vidraça. Era de manhã quando acontecia aquela cena. Ele ali parado começou a refletir sobre o real sentido da vida. Mas o delírio tomaria conta de seus pensamentos. Não tinha mais nenhuma gota de lágrima para chorar a decadência da vida humana. Pediu que ela contasse de si. Falasse de sua vida. De sua história. Da vida que para ele poderia ser simples. A enfermeira relatou alguma coisa.
Disse-lhe da canseira e angústia que as despedidas lhe causavam, pois já perdera muitas pessoas queridas que para ela lhes eram importantes. Perdeu pessoas que aprendeu a amar e o ofício de sua profissão algumas vezes trazia recompensas que era a cura dos enfermos, mas muita dor e choro já vivera pela fatalidade. Ele lhe perguntou o que lhe era o sentido da vida.
- O amor sem medida!
- Amor? Ele lha indagou.
- Dedique sua vida a alguém. Incondicionalmente! Se pensar em viver para alguém, então este será o melhor sentido da vida.
- É tarde, ele lhe disse.
- O amor está no começo, no meio e no fim. Nunca é tarde nem que seja no fim da vida para que uma vida conheça seu sentido.
Ele tocou nas mãos dela. Ela lhe sorriu. Tinha uma face bela. Era uma mulher boa e querida e ele se encantara naquele momento. E então alguma coisa diferente por ela acendeu em seu coração. Um tremor diferente como se fosse o da morte começou a balançar em seu peito e aquela sensação desconhecida fazia morrer nele alguma coisa antiga. Ele conheceu a simplicidade que havia nela. Alguma coisa saia de sua alma e abraçava a alma dele como se a coisa mais importante do mundo ele conhecesse no último dia de vida. Ela lhe viu e dedicou a ele um beijo. O beijo que ele esperara encontrar há muito tempo em todas as suas procuras. Em busca da consumação dos seus vícios, perdeu noites e dias, perdeu a vida com a união do seu corpo em tantos corpos, e tão somente todos os sonhos se refizeram naquele último instante marcado para morrer. Ele conheceu o céu. O céu estava ali ao seu lado. Um tanto tarde para usufruí-lo. Já longe do seu alcance e com poucas chances de tê-lo para sempre. Teria conseguido todas as coisas que o dinheiro e o poder puderam comprar. E desconheceu o real paraíso. A porta que se abria dava adeus a sua vida. Estava chegando o seu fim com o gosto mais renovador que já sentira. Devagar fechava os olhos, ela lhe acudia. Ele tinha o pensamento naquele sentimento nobre que desconheceu. O mais caro de todos. Babava. O babo escorria de sua boca impedindo que sua fala ficasse declarada. O gosto do beijo descia sobre seu queixo e pescoço deslizando até o coração. O melhor toque da vida sentia no último momento. Ela pôs em suas mãos seu lenço de hospital. E ele morreu segurando aquele pedaço de pano velho.

dralbach@ig.com.br
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