POR UMA LITERATURA MENOS ORDINÁRIA
A Propósito de Intróito.
(Para ser lido em conluio com todos os textos desse mundo, ordinários ou profundos. Mero parágrafo na história do artifício literário. Ou uma tentativa exasperada de justificar os pequenos dramas humanos – esse negócio blasé, que já vai saindo de moda. Para ser lido assim: sem mais conseqüências que não as do gesto mais gratuito que é a própria leitura. Para ser lido no sofá, no quarto, tomando café ou fumando na varanda. Quem sabe, para ser lido no banheiro, que há pressa, e o tempo urge. Ou ruge? Ou Muge? O tempo, para variar, continua sendo apenas um ponto de vista do relógio. Ou do céu, dando em chuva, num vagamente cinzazul. Para ser lido como um minifesto, pessoal e intransferível, particularíssimo, pois daí resulta sua pretensa originalidade, contra toda a literatura que não se faz como a uma vingança, como a um soco, desses bem dados, na boca do estomago. Para ser lido como uma provocação, uma agressão, uma violência. Até para, se quiserem, não ser lido. Fica, como sempre, ao gosto do inestimável freguês. A literatura é uma maldição que também cansa!)
Um Dia Como Outro Qualquer
O problema real é que, uma hora ou outra, a gente pára, olha para os dois lados da vida e se pergunta como é que foi acontecer esse negócio de se sentir totalmente na merda. Como se estivesse tudo errado, se faltasse uma perna, se Sartre fizesse sentido de repente, se houvesse dias azuis de verdade por trás de manhãs cinzas, de céus pesados, como se não estivéssemos tomando no rabo a toda a hora e fazendo caras, fazendo bocas, sorrindo esgarçado, mas sorrindo, como se tudo dependesse de uma boca cheia de dentes, de aspirações consoladoras, felicidade, diga-se de passagem, de quem lê obstinadamente a Revista Cláudia ou acredita na Faça Fácil. Foi assim, meio cansado, meio distraído, escrevendo expressões idiomáticas em inglês,
you can do it!
It is cheap!
It is early!
It is very fucking hard!
you can do it, mother fucker!
you can...
na lousa, para trinta alunos, que me baixou a angústia. Angústia tem vocação para pomba-gira: vai baixando, baixando, na luz que me confrange! Me senti sozinho e, principalmente, me senti fodido, meio fora do tom, como se a vida tivesse trapaceado comigo. E pensei em salvaguardas, no Espírito Santo, na paz dos cemitérios, nos anúncios de sabão em pó, em absorvente interno pendurado na parede branca da memória, na cal abrupta dos dias, no vento frio da infância, no tempo que perdi, no tempão que já não como ninguém, em Dostoiévski, sempre penso em Dostoiévski, nos fins de tarde gravados em dourado no poço escuro da alma.
alma é um troço que fede! (Marcelo Mirisola)
a vida também.................................................
Algumas Considerações
sou um cara inteligente.
um intelectual.
um sujeito simpático.
e apaixonado pela Ornella Vanoni.
Acho o carnaval a alegoria de nossa mais precária condição. Não pactuo com isso nem fodendo. Alegorizaram tudo. Carnavalizaram tudo. Não espero sorrisos compreensivos ou manifestações de apreço. Odeio esse país, essa cultura, esse amor ao vulgar, ao fútil, ao baixo; esse amor a tudo o que é simples, humilde, fácil - para mim é lixo, produto de consumo de um povo sem salvação possível.
É difícil sobreviver a essa mediocridade circundante. A gente acaba afundando até o pescoço na merda diária, entre tantos comprometimentos. É difícil sobreviver a loucura. Quem disse que resisti tanto? Não duvido que uma terça parte do mundo seja composta por idiotas, cretinos, estúpidos, párias, e toda a sorte de fracassados em geral. Da qual, eventualmente, não me excluo - para deleite e paixão dessa classe-média-média, sobressaltada e indigente, contemplando o mundo por detrás das grades do apartamento claustrofóbico em que os dias vão passando assistindo a vida passar.
A última utopia: civilizar este país.
Escrevo contra: uma forma de sobreviver:
A barbárie nossa de todos os dias. O fracasso. A lama, a lama. É preciso continuar. Resistir... descobrir a língua secreta dos anjos. A queda. A velocidade terrível da queda. A vida entrevista em sonhos. A vida
real e de viés.
Ornella Vanoni,
omundotemdevalerapenasobamelancoliamaisfundadenossaflatamesmadesaídas –
ASSENZA
Io lascero che muoia in me il desiderio
Di amare i tuoi occhi che sono dolci
Perche nulla ti potrei dare tranne la pena
Di vedermi eternamente esausto
Odeio essa dor. Odeio esse ódio que nos justifica, metafisicamente quase.
Minha impostura. Minha incoerência. Meu orgulho. Minha cabeça baixa.
E agora, José?
João?
Maria?
Raimundo?
Tereza?
Joaquim?
Lili?
e agora, J. Pinto Fernandes, que não entrou na história?
e agora, noite acumulada de meus dias? quer saber:
QUEM SE IMPORTA?????????????????????????
P.S. – Não me perguntem, caros leitores, porque eu continuo sem saber o que é isso!!! E fico com Paul Valéry: “Bem ingênuo será aquele que confundir os escritos literários de um autor com as suas convicções íntimas ou reais”. E que Valéry valha-me!
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